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segunda-feira, dezembro 23, 2024

Resistência ao preservativo ameaça 72% das cinquentonas

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Aos 47 anos, a psicóloga Regina Cohen descobriu que tinha sido infectada pelo vírus HIV durante uma relação eventual. Onze anos depois, aos 58, ela é exemplo de como o número de novos casos de Aids, nos últimos dez anos, triplicou entre as mulheres nessa faixa etária. Em 2006, 1.800 casos foram identificados neste grupo. Dados parciais de pesquisa de comportamento sexual dos brasileiros, realizada pelo Ministério da Saúde, em 2008, indicam que 72% das brasileiras nessa faixa etária não usam camisinha com parceiros casuais. O descaso com a prevenção está relacionado à dificuldade em negociar o uso do preservativo com o parceiro e a falsa percepção de que as mulheres acima dos 50 anos estão imunes ao vírus.

A pesquisa de comportamento revelou ainda que mais da metade delas (55,3%) é sexualmente ativa. O problema é na hora de se prevenir. Enquanto o uso regular de camisinha nas relações casuais no grupo de 15 a 49 anos fica em 47,5%; nos mais velhos, esse índice é de apenas 34,8%. O recorte por sexo mostra que o público feminino está em situação mais vulnerável. Só 28% das “cinquentonas” e mais velhas adotam a prevenção. Entre os homens, o número sobe para 36,9%.

Regina lembra que, à época, não tinha a menor preocupação com o uso de camisinha. “Simplesmente acreditava que os meus parceiros tinham uma aparência saudável e aquilo era suficiente para eu nem tocar no assunto”. A confirmação da doença veio após ela ter sido vítima de pneumonias e de uma série de infecções. “Nem os médicos achavam que eu podia estar com Aids. Eu já tinha perdido 26kg e ninguém sugeriu um exame de HIV. O teste foi feito apenas quando fui internada às pressas num quadro crescente e gravíssimo”.

A coordenadora do Programa Nacional de DST e Aids, do Ministério da Saúde, Mariângela Simão, avalia que essas mulheres iniciaram a vida sexual num período em que a Aids não era conhecida. “De maneira geral, está no imaginário feminino que a camisinha previne a gravidez. As mulheres não percebem que, em qualquer idade, elas estão vulneráveis a uma série de doenças sexualmente transmissíveis”.

Mais de 35 mil casos de Aids são diagnosticados no Brasil a cada ano. Entre as mulheres acima dos 50 anos, a taxa de incidência é 11,6 casos por 100 mil habitantes. Em 1996, o índice era de 3,7 casos. Estima-se que, pelo menos, 255 mil brasileiros estejam infectados pelo vírus da Aids e ainda não tenham feito o exame. “Em cerca de 40% dos casos, o diagnóstico da infecção é feito de forma tardia. Isso retarda o acompanhamento e compromete ainda mais o estado clínico do paciente”, explica Mariângela Simão.

Gilson Gomes de Souza está casado com Regina Cohen há sete anos. Os dois se conheceram na ante-sala de um consultório médico, em Brasília. Portador do vírus há 20 anos, ele afirma que apesar de os dois serem soropositivos, o uso da camisinha continua indispensável. “A recontaminação pode ser fatal para a minha mulher. A relação é de muito cuidado e respeito com a fragilidade do organismo de cada um. O preservativo é a nossa segunda pele. Ou faz com preservativo ou não faz”.

No caso dele, após um longo período de medicamentos o vírus tem demonstrado maior resistência. Por causa dos remédios ― primeiro o AZT, em seguida inibidores de protease, depois o coquetel de anti-retrovirais ― Gilson foi submetido a várias aplicações e a retirada de gordura no rosto e no corpo, por causa dos efeitos da lipodistrofia. “Quando descobri a infecção, a Aids era uma sentença de morte e o tratamento, um sonho distante. Hoje, consigo conviver com a doença, mas é uma luta diária para conquistar qualidade de vida”.

Tratamento – Em 2008, o Brasil gastou mais de R$ 1 bilhão com medicamentos para os pacientes com HIV. Desde 1996, no Sistema Único de Saúde, o tratamento é assegurado gratuitamente a qualquer cidadão com Aids. No total, são 18 drogas – 11 importadas, de nove companhias farmacêuticas; e sete nacionais, produzidas por uma indústria privada e seis laboratórios públicos.

Ainda este mês, está previsto o início da produção de Efavirenz pela fábrica de Farmanguinhos, no Rio de Janeiro. Cerca de 85 mil, das 185 mil pessoas em tratamento, utilizam o medicamento. Além da produção do Efavirenz, a Fiocruz estuda a possibilidade de produzir genéricos do Tenofovir.

De acordo com o ministro José Gomes Temporão, o início da produção nacional do genérico do Efavirenz confirma o compromisso do governo brasileiro com o fortalecimento da indústria nacional e com o desenvolvimento de tecnologia no País. “Isso reforça o papel da saúde como parte da estratégia de desenvolvimento. É o reconhecimento de que a saúde não é apenas uma política social relevante, mas também um espaço fundamental de desenvolvimento de conhecimento, emprego e riqueza”.

Escolas de samba engajadas na prevenção à Aids

A campanha de prevenção à Aids no Carnaval 2009 vai além do foco do Ministério da Saúde nas mulheres com mais de 50 anos. Ações específicas serão realizadas no Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Paulo. No Rio de Janeiro, haverá distribuição de preservativos na Marquês de Sapucaí e nos ensaios nas quadras das escolas de samba. Em Salvador, os foliões poderão fazer o teste de HIV e ter o resultado na hora, além de receber informações sobre Aids, prevenção e preservativos.

Na cidade de São Paulo, a velha guarda da escola de samba Vai-Vai, entrará no sambódromo com camisetas do Clube dos Enta, para quem tem mais de 50, em uma demonstração de apoio à campanha. Em Pernambuco, além das cidades de Olinda e Recife, outros 12 municípios do interior receberão preservativos. No total, serão distribuídas 2 milhões de camisinhas.

“O carnaval em Pernambuco cresceu muito nas cidades do interior. São localidades onde também identificamos maior detecção de casos de HIV”, afirma o coordenador do programa estadual de DST/AIDS, François Figueiroa.

Foliã veterana, R. M. F, 47, anos, pula carnaval em Salvador há mais de 20 anos. Este será o décimo seguido, com a presença de amigos de várias cidades do país. “É uma festa muito alegre e muito sensual. A gente conhece muitas pessoas e pode surgir o interesse de fazer sexo”. Para ela, as campanhas precisam alertar as mulheres e convencer os homens de que eles têm que usar preservativos, mas se eles não toparem, é o momento das mulheres mostrarem mais uma vez que podem ser independentes. “Se o homem não usa, a mulher pode usar o preservativo feminino. É uma opção que deve ser estimulada”.

Ela diz que muitas amigas, com a mesma idade, não usam preservativo. “A dificuldade está na hora de parar tudo e pedir para o parceiro. A maioria se relaciona com homens mais velhos que também não têm o hábito de usar”.

Qualidade de vida dá o tom das campanhas

Há 20 anos, governo federal, organizações não-governamentais e grupos de apoio da sociedade civil realizam campanhas informativas sobre prevenção às doenças sexualmente transmissíveis e Aids. Foram mais de 50 campanhas de massa. Na primeira, produzida pelo Ministério da Saúde, em 1988, a morte era muito presente na estratégia de comunicação para alertar a população sobre a importância de evitar a doença. “Hoje a morte não é mais usada como estratégia. Viver com Aids é uma realidade para 200 mil brasileiros e a associação com a morte pode aumentar o preconceito e a discriminação contra estas pessoas”, explica Mariângela Simão.

O mote da campanha deste ano é o “Bloco da Mulher Madura”. Formado apenas por mulheres acima dos 50 anos, o grupo valoriza o sexo seguro. “Homem sem camisinha a gente não atura, nem para uma aventura”, diz uma das protagonistas no filme de 30 segundos. O tema do carnaval deste ano dá continuidade à campanha do Dia Mundial de Luta contra a Aids 2008, lançada no 1º de dezembro, que teve como foco os homens com mais de 50 anos. Entre eles, o uso de camisinha também é baixo. Na pesquisa realizada em 2008, 63% afirmam não ter o costume de utilizar camisinha nas relações eventuais.

Pesquisa recente do MS mostra que 96% da população sexualmente ativa sabem que a melhor forma de evitar a Aids é usando o preservativo. Segundo Mariângela, apesar de não ser comprovado que há aumento dos casos de infecção de HIV durante o carnaval, as pessoas conhecem e aguardam por esta ação todos os anos. “Este é o momento em que as pessoas estão mais expostas ao álcool e a maior quantidade de parceiros. Um momento em que a camisinha precisa ser lembrada e distribuída. É uma oportunidade para colocar o tema em pauta na sociedade”.

Ministros defendem sexualidade protegida

Em dez anos, triplicou o número de mulheres com 50 anos ou mais com Aids no Brasil. Embora a maioria da população brasileira saiba da importância do uso do preservativo para evitar o avanço do vírus HIV, mulheres e homens nessa faixa etária resistem à idéia. A vulnerabilidade das mulheres está associada à dificuldade de negociar com os parceiros casuais o uso do preservativo.

O avanço da doença entre as mulheres com mais idade inspirou o tema da campanha nacional de prevenção à Aids no carnaval deste ano. Em entrevista exclusiva, os ministros da Saúde, José Gomes Temporão, e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, falam da importância do uso do preservativo e do fortalecimento da mulher para que exerça sua sexualidade de forma mais protegida. De acordo com Temporão, a camisinha ainda é o método mais seguro para evitar a transmissão da doença.

A ministra Nilcéa Freire afirma que “o padrão cultural dominante ainda é machista e patriarcal”, o que explica a dificuldade enfrentada pelas mulheres para convencer seu parceiro casual a usar preservativos. A seguir os principais trechos da entrevista dos ministros.

Ministro da Saúde, José Gomes Temporão

“Mudar o rumo da epidemia depende também de cada um de nós”

Agência Saúde ― Por que colocar a mulher madura no foco desta campanha e não outros públicos como jovens, adolescentes ou mesmo homens que fazem sexo com homens?

Ministro Temporão ― A cada campanha pretendemos atingir um público específico para a prevenção e combate à Aids. Os jovens, por exemplo, foram público-alvo do carnaval dos últimos 5 anos. Neste ano, a idéia é sensibilizar as mulheres com mais de 50 anos, pois as pesquisas indicam que a incidência de Aids nessa faixa etária praticamente triplicou nos últimos 10 anos. Vale lembrar que, no final de 2008, no Dia Mundial de Combate à Aids, o nosso público alvo foi o de homens dessa idade. Essas mulheres são sexualmente ativas e bem informadas sobre a transmissão do HIV – 91,8% delas sabem que o vírus é transmitido pelo não uso da camisinha. Embora haja esse conhecimento, menos de 30% usam preservativo com parceiros casuais. As mulheres acima dos 50 anos têm pouco poder de decisão na hora de negociar o uso do preservativo e estão vulneráveis ao HIV. A campanha tem o objetivo de fortalecer as condições da mulher exercer sua sexualidade, de forma mais protegida, e elevar sua auto-estima para que se sinta segura no momento de conversar sobre o uso do preservativo.

Agência Saúde ― O senhor acredita que campanhas como esta são capazes de mudar comportamento?

Ministro Temporão ― A campanha promove uma reflexão sobre a importância do uso do preservativo nessa faixa etária. Há uma percepção equivocada da sociedade de que essa população não se relaciona sexualmente. Mas isso é um erro. Mais de 55% possui uma vida sexual ativa. Então, estimular esse debate é fundamental para uma mudança de comportamento, com a reflexão sobre os hábitos dessa população e seu fortalecimento nas atitudes para a prevenção da Aids.

Agência Saúde ― A luta contra o HIV depende apenas do Estado ou a sociedade pode contribuir? De que forma?

Ministro Temporão ― As pessoas devem estar informadas sobre os riscos e medidas de prevenção, fazer o teste de Aids, usar camisinha e ter menos preconceito contra as pessoas que vivem com aids. Mudar o rumo da epidemia depende também de cada um de nós. Oferecemos preservativo, testes, mas quem decide se vai usar o preservativo é o indivíduo. É uma luta de todos nós.

Agência Saúde ― Na visão do senhor, qual o principal desafio para a mulher no enfrentamento do HIV?

Ministro Temporão ― Ter coragem para negociar o preservativo e falar sobre o assunto. Essa decisão ainda está muito centrada no homem. Avançamos muito nessa questão, mas precisamos ir além.

Agência Saúde ― O Carnaval é um período onde a população realmente fica mais vulnerável à infecção pelo vírus da Aids?

Ministro Temporão ― Durante as festas e ainda sobre o efeito do álcool, a camisinha pode ser esquecida. Por isso, fazemos campanhas consistentes para que se lembrem da camisinha. Ela não pode ficar de fora da folia. Em todo o país, são distribuídos preservativos gratuitos nesta época do ano. Usar a camisinha é o único método seguro para evitar a transmissão da Aids no relacionamento sexual.

“Desigualdade entre homens e mulheres faz mal à saúde”

Agência Saúde ― Como a mulher pode contribuir para o esforço de prevenção à Aids?

Ministra Nilcéa Freire ― Cuidando de si mesmas e exercendo o poder ao qual tem direito nas relações com seus parceiros. Cada uma de nós pode também contribuir com a prevenção alertando nossas filhas e filhos dos riscos de uma relação sexual desprotegida, e que a camisinha não atrapalha o pleno exercício da sexualidade. Falar de sexo sem hipocrisia e preconceito com jovens de todas as idades também é uma grande contribuição.

Agência Saúde – Mesmo no mundo moderno, estudos indicam que ainda é difícil para a mulher negociar o uso do preservativo nas relações. Como vencer essa barreira?

Ministra Nilcéa Freire ¿ As dificuldades na negociação do uso do preservativo têm como fundamento a desigualdade de gênero. Culturalmente ainda é suposto que são os homens que definem como deve se dar a relação sexual. É preciso evidenciar os problemas decorrentes deste comportamento. A desigualdade entre homens e mulheres faz mal à saúde. Dados da pesquisa de comportamento do Ministério da Saúde mostram que, em dez anos, a incidência da Aids entre mulheres acima dos 50 anos mais que triplicou. Estes dados revelam uma mudança no comportamento sexual da sociedade. Por essa razão, o foco principal da campanha de Carnaval, deste ano, está nessas mulheres. O Bloco da Mulher Madura – mote da ação – traz de forma descontraída peças publicitárias que informam sobre a importância da prevenção nessa faixa etária.

Agência Saúde ― O fato da campanha deste ano colocar seu foco nas mulheres maduras confirma a percepção da mudança de comportamento na sociedade. Como isso aparece nas relações de gênero?

Ministra Nilcéa Freire ― Esta percepção não é geral daí a importância da campanha. O fato de as pessoas maduras homens e mulheres terem uma vida sexual ativa para além dos cinqüenta anos não implica que as relações de gênero na sociedade tenham mudado. O padrão cultural dominante ainda é machista e patriarcal. A crença na fidelidade e na proteção de relações afetivas estáveis ainda são valores muito presentes nas pesquisas comportamentais que interferem negativamente no uso de preservativo.

Agência Saúde ― Como as políticas públicas podem reforçar o espaço da mulher a ponto dela ter mais autonomia para defender o direito de ter uma melhor saúde?

Ministra Nilcéa Freire ― As políticas de promoção e garantia de direitos para as mulheres contribuem para a equilibrar o poder entre homens e mulheres. É preciso intervir em diferentes dimensões, de maneira integral e conjugada, para modificar a cultura de subordinação machista. Igualdade de tratamento e de oportunidades nos âmbitos público e privado podem ser propiciados por programas nas áreas de educação, trabalho, cultura, saúde etc. O II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres é no governo federal a materialização do compromisso deste governo com a autonomia e a igualdade para as mulheres, nele há um capítulo que trata especificamente dos direitos sexuais e reprodutivos e da saúde das mulheres.

Agência Saúde ― E os homens têm papel neste processo?

Ministra Nilcéa Freire ― Evidentemente os homens têm um papel fundamental. É a partir da consciência de que relações igualitárias trazem mais felicidade e prazer que vamos conseguir “desconstruir” os padrões culturais vigentes. Concluo citando uma adaptação de uma frase atribuída a Einstein “é mais fácil desintegrar um átomo do que acabar com um preconceito”, portanto mãos à obra que ainda há muito trabalho pela frente!

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