Em conjunto com mais de 140 academias, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) reforçou hoje (20) a necessidade de proteger o oceano como meio de proteger a própria vida na Terra. A instituição lançou documento em defesa dos oceanos, em apoio à Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o período de 2021 a 2030.
Entre as principais recomendações do documento está a criação de um instituto nacional que coordene as atividades científicas relativas à pesquisa oceânica, promovendo a cooperação internacional e subsidiando as políticas públicas sobre o oceano, visando o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Na avaliação do professor Luiz Drude, da Universidade Federal do Ceará (UFC), coordenador do documento, é preciso criar uma grande instituição em pesquisa oceanográfica no Brasil para fazer a governança da rede oceanográfica, “para colocar o Brasil como um player internacional nesse assunto”.
Para o presidente da ABC, Luiz Davidovich, o Brasil precisa fazer a sua parte, protegendo o mar que banha o litoral nacional “contra atividades predatórias que reduzem sua rica biodiversidade e prejudicam seus serviços ecossistêmicos. Essa é a nossa Amazônia Azul, fonte de riqueza para o Brasil, a ser explorada de forma sustentável, de acordo com a evidência científica”, manifestou.
Mudança
Luiz Drude lembrou que o mundo está no limiar de uma gigantesca mudança planetária, que tem sido, até agora, desacelerada devido à existência dos oceanos. Destacou, porém, que grande parte do oceano global está ameaçada pelas atividades humanas que elevam o grau de destruição dos oceanos. Entre as ameaças, citou a acidificação, a desoxigenação, poluição, aquecimento, aumento do nível do mar, frequência de eventos climáticos extremos e a exploração insustentável dos recursos marinhos.
De acordo com a ABC, com acúmulo de nutrientes, poluentes orgânicos, metais pesados e plásticos, o oceano vem sendo assolado pela contaminação ambiental, que representa uma ameaça à economia e à saúde pública. A contaminação por mercúrio do oceano global constitui ameaça direta à segurança alimentar, expôs Luiz Drude.
Entre as recomendações da ABC referentes às metas da ciência oceânica para o desenvolvimento sustentável estão evitar, mitigar ou compensar impactos negativos sobre o ambiente marinho, por meio da adoção de ações cientificamente embasadas e vocacionadas para o bem-estar da humanidade; planejar, implementar e dar escala a ações, inclusive na esfera legal, que reduzam a intensidade do impacto ambiental negativo sobre os ecossistemas costeiro e marinho, com ênfase nas mudanças climáticas e na poluição marinha.
Resposta
O professor emérito do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), Edmo Campos, disse que a resposta para a pergunta se ainda dá tempo de reverter o aquecimento global só virá por meio de investigações continuadas por períodos longos, com colaboração internacional e que não podem depender só de indivíduos. “As mudanças climáticas na Antártica já estão atingindo regiões abissais, o que não é uma boa notícia”, exemplificou.
Campos afirmou que as ações humanas estão produzindo um aquecimento global que está levando o planeta a passar de uma temperatura média amena para uma situação de grande instabilidade que pode levar para um novo clima. Se a taxa de aumento da temperatura continuar como na atualidade, no ano de 2100, a temperatura média global será a maior registrada nos últimos 10 milhões de anos, advertiu. Acrescentou que se continuarem as emissões de gases de efeito estufa, o resultado pode ser a transformação do planeta em uma “Terra estufa”, onde as temperaturas serão muito superiores às de hoje. A alternativa, segundo o professor da USP, é a sociedade tomar medidas que estabilizem o clima em um patamar mais ameno.
Para Edmo Campos, a solução está nos oceanos, que conseguem atenuar as alterações do clima. Campos informou que o oceano global tem absorvido mais de 90% do excesso de calor injetado na atmosfera desde a Revolução Industrial.
Amazônia Azul
O almirante de esquadra Ilques Barbosa focou sua apresentação na Amazônia Azul, território marítimo brasileiro de 3,6 milhões de quilômetros quadrados, registrado como zona econômica exclusiva (ZEE), e sua importância para a sobrevivência e prosperidade do Brasil. O presidente da ABC, Luiz Davidovich, lembrou que a Amazônia Azul tem uma extensão comparável ao tamanho do território nacional. “É um bioma extremamente importante, de onde vem petróleo, peixes e muito mais. São uma biodiversidade e riqueza fantásticas que podem servir, por exemplo, para insumos de novos medicamentos. Mas para isso, nós precisamos cuidar”, salientou.
Na parte econômica, em especial, o almirante citou alguns problemas, entre os quais a pesca predatória, que prejudica os oceanos e os pescadores artesanais; os cabos submarinos que ligam o Brasil aos grandes centros do mundo; e a necessidade de aprimorar a qualidade da água. O almirante acredita que a pesca correta e as energias renováveis podem contribuir para a sobrevivência dos oceanos e a prosperidade das populações do Brasil e do mundo. Para isso, assegurou que “a ciência é vital, tanto a ciência básica como a ciência aplicada”.
Ilques Barbosa acentuou também a importância da Associação do ‘Cluster’ Tecnológico Naval para contribuir com a agenda da década dos oceanos da ONU. Essa associação é formada pelas empresas Nuclep, Condor, Emgepron e Amazul. A associação objetiva a promoção do mercado interno, capacitação e formação, inovação e tecnologia, valorização do mercado local e encadeamento produtivo entre pequenas, médias e grandes empresas.
Além disso, procura mobilizar as sete cidades no entorno da Baía de Guanabara (Rio, Niterói, Magé, Duque de Caxias, São Gonçalo, Guapimirim e Itaboraí), com o estado do Rio e a União, para criar mecanismos e possibilitar ações em prol do desenvolvimento da indústria marítima como um todo. Ilques Barbosa afirmou que o ‘cluster’ está se desenvolvendo para a construção de elos para uma economia “mais azul”.
O documento da ABC salienta também a capacitação na criação de equipamentos e insumos essenciais ao desenvolvimento da pesquisa marinha; a necessidade de aprimoramento na regulamentação da exploração de recursos naturais marinhos; promoção da cultura oceânica e a participação ativa da sociedade no processo de formulação e implementação de políticas públicas, de forma a ampliar o reconhecimento da importância do oceano e suas vulnerabilidades, entre outras medidas.