Dono de uma offshore (empresa aberta em paraísos fiscais por pessoas residentes no Brasil) e de um fundo exclusivo para super-ricos quando já ocupava a cadeira de presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto segue no cargo blindado não só pela lei que deu autonomia ao órgão. Ele conta também com a complacência da Justiça, que barrou investigação da Comissão de Ética Pública, ligada à Presidência da República, sobre sua dupla atuação como autoridade monetária e especulador do mercado financeiro.
Como noticiou a revista CartaCapital, Campos Neto entrou na mira da Comissão de Ética Pública depois que, em 2021, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos revelou os nomes de figurões que eram donos de firmas em paraísos fiscais. O escândalo ficou conhecido como Pandora Papers.
Campos Neto aparecia como dono da Cor Assets, aberta por ele em 2004, nas Ilhas Virgens, com US$ 1 milhão. Na mesma lista estava Paulo Guedes, ministro da Fazenda de Bolsonaro.
Segundo apurou a CartaCapital, o relatório da comissão é desfavorável ao presidente do BC. Propõe instaurar contra ele um processo administrativo ético — na prática, uma espécie de investigação avançada, que pode resultar em uma advertência ou em uma recomendação para que o presidente Lula o demita.
Em 28 de setembro do ano passado, quando a comissão se preparava para analisar o relatório, foi surpreendida com uma liminar da 16ª Vara Federal de Brasília, que determinou a suspensão da investigação, acolhendo o argumento da defesa de Campos Neto de que a lei de autonomia do BC, de 2021, blinda a diretoria da instituição contra o escrutínio do colegiado.
Na Comissão de Ética Pública, há suspeita de que o presidente do BC descobriu de forma clandestina o conteúdo do relatório sobre o processo, segundo a CartaCapital.
A Advocacia-Geral da União (AGU), em nome da Comissão de Ética, entrou com um recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região na tentativa de derrubar a liminar.
Fundo exclusivo
Em 27 de setembro do ano passado, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) o inquiriu durante uma audiência da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, sobre se ele era o dono de um fundo exclusivo registrado, em 10 de janeiro de 2018, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Receita Federal. À época, o fundo possuía um único cotista, pessoa física e detentor de 100% do patrimônio desde o início. O CNPJ é 30.077.624/0001-78. Lindbergh também formalizou um pedido à Comissão de Ética Pública para apurar indícios de conflito de interesses.
Esse episódio é relatado na mesma reportagem da CartaCapital, que lembra que, durante a audiência, o deputado ficou sem respostas do presidente do BC, inclusive para a pergunta sobre se o referido fundo exclusivo tinha investimentos em Tesouro Direto ou em títulos do Tesouro.
Título público é um papel que o governo vende no mercado financeiro em troca do compromisso de devolver o dinheiro lá na frente ao comprador e de pagar um adicional sobre o valor original da venda. Uma das referências usadas para remunerar compradores de títulos é a taxa básica de juros (Selic), que o Banco Central mantém nas alturas, sufocando a economia e multiplicando os lucros dos especuladores, como Campos Neto.
Em março de 2021, quando a taxa básica de juros (Selic) estava em apenas 2% ao ano, ela iniciou o maior ciclo de altas no século 21, pelas mãos de Campos Neto – foram 12 aumentos seguidos. Em agosto de 2022, ela chegou a 13,75% ao ano, índice que foi mantido até agosto de 2023, quando o BC começou a fazer uma redução a conta gotas do índice, mantendo a sabotagem ao governo e ao país.
Conforme a revista, os investimentos no fundo começaram em 29 de janeiro de 2019, um mês antes de Campos Neto assumir a presidência do BC, e o montante aplicado à época somava R$ 12,5 milhões.
Em agosto de 2020, o fundo exclusivo investiu R$ 5 milhões em Letras Financeiras do Tesouro, títulos indexados à taxa Selic, conforme a revista. Essa aplicação correspondia a 20% do patrimônio do fundo à época, ou seja, R$ 25 milhões. Em outubro do ano passado, conforme a revista, o valor chegou a R$ 30,5 milhões – crescimento de 144% em pouco menos de cinco anos.
A reportagem da Carta Capital informa que os investimentos do referido fundo exclusivo eram geridos pelo Santander, a instituição que empregou Campos Neto por quase duas décadas e que foi uma das poucas escolhidas pelo BC para planejar a criação de uma “moeda digital” brasileira.
Na mira da Polícia Federal
Para manter a Selic nas alturas e, assim, favorecer os lucros milionários dos seus aliados do mercado financeiro, passou a dar declarações públicas sobre um suposto desequilíbrio das contas do governo e a fazer a absurda previsão de que a inflação está prestes a sair de controle. Hoje é investigado pela Polícia Federal, a pedido do Tribunal de Contas da União (TCU), por suspeita de que o boletim Focus, documento do BC que traz previsões de analistas sobre a economia, esteja sendo utilizado para fazer especulação.
Especulação essa que fez o dólar disparar, aumentando os riscos de descontrole da inflação e de um novo ciclo de alta da Selic. E Campos Neto, ao contrário do que fez durante o governo passado, quando torrou US$ 70 blhões para conter a alta da moeda americana, agora sinaliza que nada fará, aprofundando a sabotagem contra o país.