Além de agressivo, com exaltação à ditadura e ataques ao socialismo, ambientalismo e aos governos da França, Venezuela e Cuba, o discurso de Jair Bolsonaro (PSL) na abertura da 74ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), nesta terça-feira (24), foi cheio de imprecisões e mentiras.
De acordo com checagem da agência Aos Fatos, que analisou alguns trechos do discurso, Bolsonaro citou informações falsas, equivocadas, insustentáveis ou imprecisas e algumas verdadeiras.
No início do discurso, ele disse que o Brasil esteve “à beira do socialismo” e passou a atacar o Programa Mais Médicos, implantado no primeiro mandato a ex-presidenta Dilma Rousseff, afirmando que os médicos que vieram para o país não tinham comprovação profissional.
“Em 2013, um acordo entre o governo petista e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional”, afirmou Bolsonaro.
A agência de checagem desmente a afirmação usando dados oficiais do TCU. “Dados do Tribunal de Contas da União de 2017 mostram que, dos 18.240 médicos participantes do programa, 5.274 eram formados no Brasil (29%), 1.537 tinham diplomas do exterior (8,4%) e 11.429 eram cubanos e faziam parte do acordo de cooperação com a Opas (62,6%). Conforme determina a Lei 12.871/2013, que instituiu o programa Mais Médicos, os profissionais cubanos precisavam apresentar documentação que comprove formação em curso superior de Medicina e autorização para exercício da profissão no exterior. Logo, a declaração de Bolsonaro é FALSA”.
Outra afirmação de Bolsonaro checada e desmentida pela agência foi a de que os médicos cubanos “foram impedidos de trazer cônjuges e filhos”.
“Não é verdade que os profissionais cubanos que vieram ao Brasil pelo programa Mais Médicos não podiam trazer parentes. O artigo 18 do texto da lei 12.871/2013 prevê que o Ministério das Relações Exteriores pode conceder visto temporário ‘aos dependentes legais do médico intercambista estrangeiro, incluindo companheiro ou companheira, pelo prazo de validade do visto do titular’”, pontua a agência.
A agência Aos Fatos ainda destaca que o presidente, quando deputado, se posicionou de forma contrária à vinda de familiares dos profissionais médicos de Cuba. Vale lembrar também que o próprio presidente Bolsonaro, quando ainda era deputado, foi contrário à vinda de familiares cubanos. “Em discurso no plenário da Câmara em 2013, afirmou ‘está na medida provisória: cada médico cubano pode trazer todos os seus dependentes. A gente sabe como funciona a ditadura castrista. Então, cada médico vai trazer 10, 20, 30 agentes para cá’”, disse o então parlamentar.
Mentiras ambientais
Ao falar sobre preservação do meio ambiente, motivo pelo qual o Brasil tem sido criticado em todo mundo, tendo sido denunciado na própria ONU por um grupo de 16 jovens ativistas, entre eles Greta Thunberg, Bolsonaro disse que “em primeiro lugar, meu governo tem o compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil”.
“Apesar de afirmar que seu governo preza pela defesa do meio ambiente, Bolsonaro e seus ministros têm tomado atitudes que indicam intenções contrárias. Até o fim de junho, foram liberados 239 novos agrotóxicos, alguns comprovadamente causadores de problemas de saúde e danos graves ao meio ambiente. O escolhido para chefiar a pasta do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi condenado no fim de 2018 por fraudar o processo do Plano de Manejo de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê quando ainda era secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo”, lembra a agência.
“Em maio, Salles afirmou sem apresentar dados concretos que o Fundo Amazônia, criado em 2008 para arrecadar recursos de países desenvolvidos para a preservação da Amazônia, apresenta uma série de irregularidades e inconsistências, o que levou a questões diplomáticas que podem extinguir o fundo. O ministro também cortou cerca de 95% da verba destinada a políticas climáticas no governo e exonerou o coordenador Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Suas críticas ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) também levaram o presidente e três diretores do órgão a se demitirem e serem substituídos por militares sem os mesmos conhecimentos técnicos.
Por fim, as inúmeras críticas feitas pelo ministro e o próprio presidente à fiscalização do Ibama fizeram com que o número de multas aplicadas entre janeiro e maio tenha sido o mais baixo em 11 anos. Por fim, matéria publicada por Aos Fatos mostra que o ministro, mesmo com números recorde de desmatamento na Amazônia, tem priorizado o encontro com deputados e senadores ligados ao agronegócio. Por todos esses motivos, a declaração de Bolsonaro é considerada FALSA.”
Sobre o meio ambiente, o presidente disse que “71% do nosso território é preservado”. Outro equívoco. “A informação é FALSA. De acordo com números fornecidos pelo Ministério do Meio Ambiente, o Brasil tem 26,5% de sua área total ocupada por Unidades de Conservação. O dado considera tanto regiões de proteção integral, que não podem ser manipuladas por seres humanos, quanto áreas de uso sustentável, que podem ser ocupadas e ter seus recursos extraídos desde que sejam respeitadas certas regras.”
Afirmação insustentável
Já a afirmação de Bolsonaro de que os médicos cubanos tiveram 75% dos seus salários confiscados pelo regime, a agência diz que é insustentável. Na verdade, o governo cubano confiscava uma porcentagem do salário dos médicos, mas não é possível confirmar a quantidade. O acordo que permitia a vinda dos profissionais cubanos ao Brasil foi firmado com a Opas e não com cada médico. Declarações públicas do ministro da Saúde do governo Dilma Rousseff, Arthur Chioro, e documentos apensados a processos judiciais de médicos cubanos mostram que em torno de 70% do valor da bolsa paga aos médicos cubanos é destinada ao governo cubano por definição de contrato assinado por esses profissionais naquele país. Não há, no entanto, informações oficiais públicas sobre qual é a porcentagem correta do salário que é repassado à Cuba. Aos Fatos, em checagem anterior, entrou em contato com o Ministério da Saúde e com a embaixada de Cuba, mas não recebeu respostas sobre os repasses feitos ao governo cubano.
Verdadeiro
O Brasil também sente os impactos da ditadura venezuelana. Dos mais de 4 milhões que fugiram do país, uma parte imigrou para o Brasil, fugindo da fome e da violência, disse Bolsonaro.
De acordo com a agência Aos Fatos, segundo dados anunciados no dia 7 de junho pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e a Organização Internacional para Migração, o número de pessoas que deixaram a Venezuela chegou a 4 milhões. Ainda segundo as instituições, os venezuelanos estão entre os maiores grupos populacionais deslocados de seu país. Um documento sobre balanço migratório publicado pela Polícia Federal em abril deste ano detalhou que, entre 2017 e 2019, houve um saldo de 149.652 imigrantes venezuelanos no Brasil. Só em 2019, foi registrada a chegada de 66.311 imigrantes e a saída de 34.940. Os dados são da Polícia Federal e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
Imprecisão
Um dos exemplos de imprecisão destacado pela agência foi a afirmação feita por Bolsonaro de que hoje, 14% do território brasileiro está demarcado como terra indígena.
“De acordo com dados da Funai (Fundação Nacional do Índio), há atualmente 440 terras indígenas regularizadas e outras seis interditadas (com restrição de uso e entrada de terceiros, para proteção de tribos isoladas), que ocupam uma área correspondente a 12,6% do território nacional. Chega-se ao valor de 13,7%, mais próximo ao apresentado pelo presidente, quando se somam às áreas já regularizadas as que ainda estão em estudo ou que aguardam a sanção presidencial”, concluiu a checagem da agência.