A quinta e última etapa do projeto EPICOVID-19 BR – o maior estudo epidemiológico sobre a COVID-19 em andamento no Brasil – deve ser concluída em meados deste mês. O desenho amostral é o mesmo das fases anteriores: 133 municípios (sedes das macrorregiões brasileiras), divididos em 25 setores censitários, nos quais serão selecionados aleatoriamente oito domicílios. Os procedimentos de campo, por sua vez, estão diferentes das fases anteriores.
Em vez de aplicar o teste rápido em apenas um morador do domicílio selecionado, os pesquisadores estão coletando amostras de sangue por punção venosa de todos os habitantes da residência. O material será levado para análise em laboratório, onde será feito um teste imunoenzimático do tipo ELISA (do inglês enzyme-linked immunosorbent assay), capaz de identificar a presença de anticorpos contra o SARS-CoV-2 com uma precisão superior a 99%.
Os participantes também responderão a um questionário que abrange aspectos sociodemográficos (escolaridade, renda, profissão etc.) e também relacionado a fatores de risco e exposição ao vírus (comorbidades, formas de locomoção pela cidade, com que frequência sai de casa ou recebe visitas etc.).
Na avaliação de Marcelo Burattini, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que coordena a quinta fase do estudo com apoio da FAPESP, os resultados do levantamento permitirão traçar “o melhor retrato possível do que foi o primeiro ano da epidemia no Brasil”.
“Poderemos saber qual é o padrão de exposição da população por município, estado ou região, bem como por idade, gênero, tipo de atividade, escolaridade e faixa de renda. Teremos um retrato muito detalhado da infecção pelo novo coronavírus no país e, com base nesses dados, será possível mensurar regionalmente os riscos e otimizar as estratégias de controle”, afirma o pesquisador.
A opção por incluir no inquérito sorológico todos os moradores dos domicílios selecionados deverá aumentar em quatro ou cinco vezes o tamanho da amostra em comparação às fases anteriores, que ao todo incluíram 100 mil pessoas. Segundo Burattini a expectativa é chegar a 150 mil participantes. O material coletado durante a quinta fase do inquérito domiciliar será armazenado em um biorrepositório para estudos futuros.
“Foi incluída no questionário uma pergunta sobre vacina, para que possamos diferenciar os anticorpos induzidos pelo imunizante daqueles gerados pela infecção natural. Mas, como a imunização ainda está no início e avança lentamente no país, não acredito que isso afetará os resultados de forma significativa”, avalia Burattini.
Os pesquisadores planejam abordar novamente 2.680 indivíduos que apresentaram resultado positivo no teste sorológico em alguma das quatro fases anteriores do projeto. O objetivo, nesse caso, é avaliar se esses participantes ainda apresentam anticorpos no sangue e em que concentração.
Segundo Burattini, como o tipo de teste sorológico aplicado nesta quinta fase difere dos anteriores, não será possível fazer uma comparação direta dos resultados. “Além de os testes serem diferentes, as coletas foram feitas em momentos diferentes da curva epidêmica. Porém, é possível fazer uma estimativa da prevalência populacional em cada fase e essas estimativas podem ser contrastadas e comentadas à luz dos resultados conjuntos. Isso será feito somente ao final, possivelmente na forma de um artigo”, comenta.
A análise conjunta dos resultados será feita em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que idealizaram o inquérito sorológico no início de 2020 e coordenaram as quatro primeiras fases de coleta.
“Atualmente, decisões estão sendo tomadas nas diferentes esferas governamentais sem um estudo de base que indique como a infecção se desenrola no território. Os dados gerados pela pesquisa serão ofertados ao Ministério da Saúde, bem como às secretarias estaduais e municipais, para que, caso queiram, possam adequar as medidas de intervenção”, diz Burattini.
Um país, várias epidemias
Os três primeiros inquéritos realizados em 2020 identificaram uma prevalência média de contágio de 3,8% no conjunto da população da amostra. Na calha do Amazonas, no entanto, a média foi de 20%. Na cidade de Breves, no Pará, por exemplo, 24,8% das pessoas testadas apresentaram anticorpos contra o SARS-CoV-2.
Entre o primeiro e o quarto levantamento, a prevalência da infecção dobrou na população como um todo: os percentuais passaram de 1,9% (1,7-2,1%, pela margem de erro), na primeira etapa, para 3,1% (2,8-4,4%), na segunda, e alcançaram 3,8% (3,5-4,2%), na última etapa. Nesse mesmo intervalo, o distanciamento social (percentual de pessoas que ficam sempre em casa) caiu de 23,1% para 18,9%.
Os resultados também demonstraram que, no período coberto pelo inquérito, “várias epidemias” estavam em curso no país. Enquanto no Norte 10% da população, em média, já havia contraído o coronavírus, no Sul esse percentual ficava em torno de 1%. Em todas as fases da pesquisa, os 20% mais pobres apresentaram o dobro do risco de infecção em comparação aos 20% mais ricos. No caso dos indígenas, o risco de contrair a doença mostrou-se cinco vezes maior do que os brancos.
A pesquisa também estimou que aproximadamente 60% dos casos apresentaram sintomas. Metade dos entrevistados com anticorpos contra o SARS-CoV-2 declarou ter dor de cabeça (58%), alteração de olfato ou paladar (57%), febre (52,1%), tosse (47,7%) e dor no corpo (44,1%).
Karina Toledo | Agência FAPESP –