
Em entrevista, a professora falou sobre políticas públicas na área da saúde. Foto Eduardo Ogata
Cumprindo agenda de campanha no interior do Estado de São Paulo, a professora Ana Estela Haddad, esposa do candidato a governador, Fernando Haddad (PT) esteve em Campinas na manhã de quarta-feira, 26, a convite da Dra. Mariane Pinotti para conhecer o trabalho do Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti, CAISM da Unicamp. Ela foi recepcionada pelo cientista político e ex-presidente da Associação de Docentes da Unicamp, Wagner Romão, candidato a deputado estadual nas eleições de 2022.
No próximo domingo, Ana Estela poderá vir a ser a futura primeira-dama do governo do Estado de São Paulo.
Logo após a visita, a professora concedeu entrevista exclusiva ao Jornal Local e falou sobre saúde e educação.
Jornal Local – Sobre as Unidades de Saúde de Campinas, onde faltam médicos, equipamentos e muitas vezes infraestrutura. O que pode ser feito para melhorar a atendimento?
Ana Estela – Faço uma ressalva que não estou apropriada a falar da situação atual da rede de saúde de Campinas. Tenho uma visão da época em que trabalhei no Ministério da Saúde, no Departamento de Gestão da Saúde voltado para formação de profissionais, planejamento e Recursos Humanos. Em relação a pergunta, são dois temas diferentes. O tema da infraestrutura eu acho necessário, mas a formação de profissionais tem que combinar para melhorar o atendimento aos usuários. A questão do planejamento e a formação da equipe de profissionais, do qual tenho mais familiaridade para falar. No governo de Lula e Dilma tínhamos o Programa dos ‘Mais Médicos’, e o médico da família. Os profissionais tinham estímulos e apoio na formação para trabalhar com a assistência básica e primária que, bem estruturada é fundamental, para o sistema funcionar adequadamente.
Quando se tem um sistema universal de saúde que garanta que todos tenham acesso a saúde básica, a primeira porta de entrada é o vinculo do paciente com os agentes, seja para média e alta complexidade, conforme a necessidade, como uma preventiva de saúde, o atendimento curativo, ou tecnologias mais leves, com menor custo na atenção básica. Esse é o modelo do SUS que precisa combinar o usuário e os profissionais de saúde. Quando se trabalha e planeja o atendimento, o usuário pode ser atendido no lugar certo e na hora certa.
O que precisa acontecer é o planejamento. As pessoas não se dão conta que, o médico que trabalha no SUS é o mesmo que atende nos convênios. Já a questão do mercado de trabalho, os salários, vai impactar na consulta. Se o setor privado está aquecido, o médico vai ter interesses nos melhores salários. Campinas tem diversas instituições de ensino, como a Unicamp, por exemplo, tem o programa de residência, então, o que está faltando não é formar mais médicos e sim ajustar a equipe. Precisa olhar o mercado de trabalho e ajustar. Quando se trabalha a atenção básica obtém mais resultados. Quando o usuário verbaliza e diz que falta médico, se a Unidade de Saúde tem uma equipe estruturada, agentes comunitários de saúde, equipes de enfermagem, consegue dar um bom atendimento, sem estar centrado no médico. A gestão de profissionais, o planejamento de acordo com a demanda, fazer visita aos usuários, e toda essa vigilância são essas estratégias e planejamento, é onde os vazios ficam menos evidentes. Planejar o número de profissionais necessários, ter uma politica de plano de carreira são os atrativos que devem articular o sistema da rede de serviço, para funcionar a rede básica de saúde, assim, o paciente tem vínculos para direcionar os atendimentos de urgência, os serviços especializados e se consegue atender mais e melhor.
JL – Hoje faltam recursos aos municípios para um bom atendimento e com isso recorrem a Unicamp sobrecarregando o sistema de saúde. Como trabalhar essa questão?
AE – Quando houve o processo de municipalização da saúde, a atenção básica passou para municípios. Uma critica que se faz é que o financiamento não foi repassado totalmente aos municípios, que assumiram a responsabilidade da saúde básica. Quando o sistema não está bem estruturado acontece justamente isso. Os pacientes por qualquer problema acham que vão resolver na Unicamp, que tem atendimento de alta complexidade e equipamentos, mas nem sempre é assim. É preciso criar vinculo, onde os profissionais acompanham o prontuário do paciente, assim se consegue ter um atendimento de qualidade. Com isso, a atenção básica vai direcionar para a Unicamp somente os casos que realmente precisam desse atendimento especializado. Falta também a conscientização da população, que formam filas aqui porque se sentem acolhidos.
JL – A demanda do Programa ‘Médicos da Família’, também não consegue atender os usuários. O programa poderia ser ampliado?
AE – Não é só o médico da família, são dois modelos de atenção básica; a atenção básica tradicional, e a do médico da família. No atendimento tradicional, não tem o agente de saúde, não se trabalha todo o território e, cada equipe vai atender quem procura a Unidade de Saúde. Já no modelo de médico da família, tem a equipe, médicos e agentes de saúde. Com isso você identifica a necessidade, planeja a ação de vigilância, faz o diagnóstico da necessidade da população e volta para unidade com todo o material para o planejamento, com base nesses dados, os agentes entendem melhor o processo de adoecimento e mapeiam a estrutura da família. Não é só fazer a gestão, para que a equipe trabalhe de forma articulada, é necessária uma equipe interprofissional. Esse modelo funciona bem, e o médico tem a interface, traz as questões que englobam de forma integrada.
JL – A telemedicina vai tirar os médicos dos consultórios? Essa tecnologia ajuda ou atrapalha?
AE – A telemedicina não substitui o médico, mas complementa, e ajuda nas demandas. Se na triagem, a equipe identifica os pacientes de risco que chegam às unidades de Saúde, como vai ser o atendimento? De acordo com a chegada à unidade? Vai atender primeiro aquele que está com uma dor de cabeça, ou vai atender o cara que tem uma parada cardíaca?
A telemedicina exige menos deslocamento, diminui os custos, dá mais agilidade ao atendimento. Você tem a ficha do paciente com todas as informações, faz a triagem e vai entender melhor como atender, através do histórico do paciente. No atendimento de emergência também faz toda a diferença. Hoje, o paciente vai à Unidade de Saúde, tem uma queixa e na semana seguinte, o médico não sabe o que aconteceu com ele. Não é o modelo ideal. Quando a população fala que falta medico é muito genérico. Se tiver mais médicos e não tiver a estrutura necessária, não vai resolver.
Se falta médico em Campinas imagina em outros estados. Em Rondônia, 60 municípios são atendidos pela telemedicina, porque geralmente o acesso pe difícil.
JL – Há desinteresse ou falta de oportunidade para formação de profissionais da saúde?
AE – Assim como os profissionais já formados, o sistema público de saúde e o mercado, que visa o lucro, estão em questionamento. Desde a democratização do ensino superior, FIES, ProUni, SISU, o governo criou oportunidades. O que acontece é que na graduação, muitos profissionais de saúde, geralmente, se fixam na cidade onde fizeram a residência.
Nos estados onde falta a formação de profissionais, mas tem uma estrutura hospitalar devemos levar a estrutura para lá. Resolvendo a questão da estrutura dá para fazer a formação e residência. É toda uma orquestração que você faz na formação da residência médica. Primeiro é avaliar o projeto e se pode funcionar, tem que trabalhar tudo isso junto. Na época que trabalhei no Ministério da Saúde criamos o programa de residência completo. É um processo longo, mas se a gente não pode deixar só pela lei do mercado. Tem que fazer todo esse caminho, dar continuidade. Saúde e educação são direitos constitucionais e bens públicos.
JL – Sobre a vacinação qual a importância do SUS na pandemia?
AE – Eu trabalhei no Ministério da Saúde na época do presidente Lula, quando criamos o Programa Nacional de Imunização. O programa foi um orgulho para o Brasil, com cobertura vacinal exemplar e erradicamos várias doenças infantis, com a criação do Zé Gotinha. Com isso, erradicamos o sarampo e a paralisia infantil, mas com a baixa imunização as doenças estão voltando. Quando o nosso dirigente maior coloca em xeque e questiona a efetividade da vacina, a população passa a desacreditar e é um risco gravíssimo. Somente com a vacinação da Covid nos permitiu voltar a viver de novo.
JL – A saúde mental pós-pandemia, qual a participação do Estado no tratamento?
AE – As especialidades médicas são de competência dos municípios, que tem um papel regulador e faz que o sistema atue em rede, centralizados no estado, mas o papel do estado é muito importante.
JL – Com 33 milhões de pessoa passando fome, a desnutrição atingiu milhares de crianças. O que fazer para mudar esse quadro?
AE – Lamentavelmente a gente voltou a ver o aumento da mortalidade causado pela desnutrição infantil de crianças de até dois anos de idade, sem alimentação adequada, uma alimentação com nutrientes e proteínas para o desenvolvimento. É um crime ter uma situação dessas em nosso país.
Ana Estela Haddad é professora titular da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, e atua também como vice-coordenadora da Escola da Metrópole, do Instituto de Estudos Avançados da USP. Acumula mais de 15 de experiência em gestão pública como formuladora de políticas públicas. Durante sua atuação no governo federal, no Ministério da Saúde e MEC, participou da criação de importantes projetos para o país. Foi co-autora do Prouni e uma das principais criadoras do Telessaúde Brasil Redes, premiado pela OPAS OMS.
Durante o mandato de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo. seu companheiro, Ana Estela ressignificou o trabalho de primeira dama, dando um caráter de suporte à criação de políticas públicas e à atualização de profissionais do serviço público.




