Associação do loteamento mantém barreiras ilegais, constrangimentos diários e dificulta acesso de moradores não associados às próprias residências
Mesmo após decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, moradores do Loteamento Caminhos de San Conrado, no distrito de Sousas, afirmam que continuam sofrendo restrições ilegais de acesso às próprias residências. As queixas apontam constrangimentos frequentes, demora deliberada na liberação da entrada e tentativas de obrigar moradores não associados a utilizar portarias alternativas, em afronta direta ao entendimento consolidado da Justiça de que as vias internas do loteamento são públicas.
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Na prática, moradores relatam que, embora tenham direito garantido de circular livremente, enfrentam abordagens repetitivas, necessidade constante de identificação manual e negativas veladas de acesso pela portaria principal destinada aos residentes. A diferenciação entre associados e não associados, segundo os relatos, se manifesta no uso de cartões eletrônicos para uns e em procedimentos mais rigorosos e demorados para outros, criando um ambiente de constrangimento contínuo.


Os episódios se repetem diariamente. Há moradores que afirmam possuir cartões que não funcionam, outros relatam longas esperas até a liberação do portão e há casos em que residentes são orientados a dar ré com o veículo e se dirigir à entrada de visitantes, mesmo após anos utilizando a portaria principal. Quem se desligou formalmente da associação diz ser alvo preferencial das restrições, com impacto direto na rotina profissional e no recebimento de entregas e serviços.
Segundo moradores, a dificuldade de acesso às residências no Caminhos de San Conrado deixou de ser pontual e passou a fazer parte da rotina. Os relatos apontam falhas recorrentes nos cartões, demora deliberada na liberação e procedimentos repetitivos que tornam a entrada desgastante. Um morador afirma possuir três cartões de acesso que frequentemente não funcionam, obrigando-o a insistir até que o portão seja aberto. Outro descreve que, mesmo se identificando como moradora e informando nome e endereço, a liberação pode demorar tanto que só ocorre após buzinar insistentemente.
Há queixas também sobre múltiplas verificações e troca constante de atendentes, o que reinicia todo o procedimento. Segundo uma moradora, o endereço é solicitado duas ou três vezes e, quando muda o funcionário na linha, todo o processo recomeça. Ela classifica a situação como humilhante e desnecessária. Outra residente relata que, após anos utilizando a mesma entrada, foi informada de uma suposta mudança de regra e orientada a dar ré para acessar exclusivamente a portaria de visitantes, prática que considera constrangedora.
O problema se agrava no caso de moradores que se desligaram formalmente da associação, mas continuam residindo no loteamento. Uma moradora afirma que, mesmo desassociada há mais de um ano, enfrenta dificuldades frequentes para entrar em casa e que suas entregas profissionais, feitas em sua clínica, são prejudicadas. Outro residente relata que, apesar de já ter obtido decisão judicial favorável, a restrição persiste de forma intermitente. Segundo ele, a orientação jurídica foi gravar as negativas de acesso, já que as ruas são públicas e não pode haver imposição de uso exclusivo da portaria de visitantes. Para esse morador, se o procedimento fosse aplicado a todos, o sistema entraria em colapso, o que reforça a percepção de seletividade. Diante do estresse acumulado, há quem já avalie buscar novas medidas legais nos próximos meses.
A conduta relatada contraria a Lei Federal nº 13.465/2017, que alterou a Lei de Parcelamento do Solo Urbano. O artigo 2º, parágrafo 8º, estabelece que, mesmo nos loteamentos de acesso controlado, é vedado impedir ou restringir a circulação de pedestres ou condutores devidamente identificados. A norma não autoriza qualquer diferenciação entre moradores associados e não associados. No âmbito municipal, a Lei Complementar nº 208/2018, de Campinas, reforça esse entendimento ao permitir expressamente o acesso de veículos e pessoas não residentes devidamente identificados e ao exigir a afixação de placas explicativas informando a permissão de acesso. Moradores afirmam, porém, que foram instaladas placas indicando entradas exclusivas para associados, prática sem respaldo legal e capaz de induzir à falsa ideia de restrição legítima.
A legislação estadual também impõe limites. A Lei nº 16.879/2018 considera regular o controle de acesso apenas quando respeitados os termos da licença concedida, o que inclui o cumprimento das normas federais e municipais e a garantia da livre circulação em vias públicas. Especialistas destacam ainda que o Caminhos de San Conrado não é condomínio, mas loteamento administrado por associação civil sem fins lucrativos, o que impede a imposição de regras internas a não associados ou qualquer forma de constrangimento como mecanismo de pressão para filiação, prática já considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Em decisão citada por moradores, o ministro Raul Araújo classificou como absurdamente desarrazoada a tentativa de impedir moradores de acessar a própria casa ou de receber entregas em igualdade de condições. Para ele, tratar de forma discriminatória quem não integra a associação não encontra justificativa em argumentos de segurança e revela objetivo de constranger moradores à filiação.
Cresce número de moradores não associados
Estimativas internas indicam que, dos cerca de 2.220 imóveis do loteamento, aproximadamente 500 pertencem a moradores não associados. As restrições, segundo os relatos, não são aplicadas de forma uniforme, o que reforça a percepção de seleção direcionada e de tentativa indireta de forçar a adesão à associação por meio do desgaste cotidiano.
Moradores que já obtiveram decisões judiciais favoráveis afirmam que, mesmo assim, continuam enfrentando dificuldades. Orientações jurídicas incluem o registro em vídeo de negativas e demoras excessivas, como forma de comprovar o descumprimento das decisões judiciais e fundamentar novas ações, inclusive de caráter coletivo.
Juristas avaliam que a responsabilidade não recai sobre os funcionários da portaria, mas sobre a administração e a associação do loteamento. A manutenção de práticas já declaradas ilegais pode configurar descumprimento de decisão judicial, abuso de direito e dano moral coletivo, ampliando o risco jurídico para a entidade.
Enquanto os tribunais superiores consolidam o entendimento de que não há base legal para restringir o direito de ir e vir em loteamentos com vias públicas, moradores do Caminhos de San Conrado afirmam que a realidade vivida no dia a dia segue distante do que está escrito nas decisões judiciais.
O que diz o Supremo
O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que associações de moradores não podem impor regras, cobranças ou restrições a proprietários não associados em loteamentos urbanos com vias públicas. A Corte considerou inconstitucional qualquer prática que viole o direito à livre associação e ao livre trânsito, especialmente antes da vigência da Lei 13.465/2017 ou de lei municipal específica. Para o STF, obrigar o cumprimento de normas internas ou criar limitações indiretas equivale a impor a associação de forma compulsória.
Decisões do STJ condena associações pela cobrança
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou associação de moradores que dificultava o acesso de não associados, determinando o fornecimento de cartão eletrônico e o pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 5 mil a cada autor. No voto, a relatora destacou que as áreas de circulação em loteamentos permanecem públicas e que diferenciar associados e não associados no controle de acesso configura constrangimento indevido e abuso de direito, por limitar o exercício regular da posse e o acesso à própria residência.
O que ocorre no San Conrado é grave
Além das dificuldades impostas aos moradores não associados para acessar suas próprias residências, há relatos recorrentes de negativa de entrada de encomendas entregues pelos Correios e por transportadoras. Segundo os moradores, quando os carteiros chegam à portaria, a administração impede o ingresso sob a justificativa de que o destinatário não é associado, resultando na devolução de correspondências, documentos e mercadorias. A prática tem causado prejuízos materiais, atraso no recebimento de itens essenciais e novos constrangimentos, ampliando o impacto das restrições já enfrentadas no dia a dia por quem não integra a associação do loteamento.
O que o morador pode fazer?
Diante da negativa de acesso e do bloqueio de encomendas, o morador pode adotar medidas administrativas e judiciais para fazer cessar a prática e resguardar provas.
No plano imediato, a orientação é registrar todas as ocorrências. Isso inclui anotar datas, horários, nomes ou identificação dos funcionários da portaria, guardar avisos de tentativa frustrada de entrega dos Correios ou transportadoras e, sempre que possível, registrar em vídeo ou áudio a negativa de entrada. Esses elementos são relevantes para demonstrar a reiteração do constrangimento e o prejuízo causado.
Também é recomendável formalizar reclamações por escrito junto à administração do loteamento e à associação, exigindo a regularização do acesso de moradores, visitantes e entregadores, deixando claro que as vias são públicas e que não há obrigação legal de associação. O protocolo dessas comunicações ajuda a comprovar que a entidade foi cientificada da irregularidade.
No âmbito externo, o morador pode registrar reclamação nos Correios quando houver devolução de correspondência por impedimento na portaria, além de comunicar o Procon em casos de prejuízo material decorrente da não entrega de mercadorias.
Judicialmente, é possível ingressar com ação individual para garantir o livre acesso, o recebimento de encomendas e eventual fornecimento de cartão ou cadastro, além de pedido de indenização por dano moral, caso fique caracterizado o constrangimento reiterado. Quando a prática atinge vários moradores, há espaço para ação coletiva ou ação civil pública, inclusive com pedido de multa diária em caso de descumprimento da decisão.
Advogados ouvidos costumam orientar que, havendo decisão judicial anterior favorável, o morador pode ainda requerer o cumprimento forçado da sentença e comunicar o juízo sobre o descumprimento, o que pode resultar em sanções mais severas à associação e aos responsáveis pela administração do loteamento.




