Em cerimônia na Catedral da Sé, familiares e entidades de direitos humanos pressionam o STF a rever interpretação da Lei da Anistia
Por Sandra Venancio
Cinco décadas se passaram desde que o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado dentro do DOI-Codi, em São Paulo, em 25 de outubro de 1975. Mas para quem perdeu familiares nas mãos da ditadura militar brasileira, a ferida segue aberta. Neste sábado (25), a Catedral da Sé voltou a ser palco de resistência, reunindo autoridades religiosas e civis em um ato ecumênico que lembrou o legado de Herzog e cobrou justiça.
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O encontro, promovido pela Comissão Arns e pelo Instituto Vladimir Herzog, marcou os 50 anos do crime que se tornou símbolo internacional da luta contra a tortura e a censura no país. A cerimônia remeteu ao culto inter-religioso celebrado em 1975 no mesmo local, que desafiou o regime e atraiu cerca de 8 mil pessoas.

“Não estamos aqui apenas lembrando meu pai, mas reafirmando que o Brasil não pode continuar sustentando a impunidade”, declarou Ivo Herzog, filho do jornalista. “O que falta é que se investigue, se indiciem os responsáveis — vivos ou mortos — e que o Judiciário cumpra seu papel dizendo se cometeram ou não crimes.”
STF na mira: revisão da Anistia é prioridade
A principal reivindicação do ato foi acelerar o julgamento da ADPF 320, protocolada em 2014 pelo PSOL, que questiona a interpretação vigente da Lei da Anistia de 1979. O processo está parado no gabinete do ministro Dias Toffoli há mais de oito anos.
“O Brasil tem uma tradição marcada por golpes e pela ausência de punição aos responsáveis”, afirmou Ivo. “Essa demora é uma forma de cumplicidade com essa cultura da impunidade.”
O Instituto Vladimir Herzog atua no processo como amicus curiae e sustenta que os crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura são de lesa-humanidade — portanto não podem ser anistiados, segundo tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Organismos como a Corte e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já condenaram o país por não responsabilizar torturadores.
Memória e verdade como política de Estado
Representantes da Comissão Arns também destacaram que as violações cometidas entre 1964 e 1985 não se encerraram com a redemocratização. “Sem verdade, sem responsabilização, sem reparação, não existe democracia consolidada”, afirmou um dos integrantes do colegiado presente ao ato.
Pesquisadores lembram que a negação histórica ainda é explorada politicamente. “O país nunca enfrentou plenamente seu passado autoritário. Isso explica por que discursos que defendem torturadores ainda encontram espaço público”, avaliou uma professora universitária convidada para o evento.
Herzog, símbolo de uma luta maior
Chefe de jornalismo da TV Cultura, Herzog foi detido após se apresentar voluntariamente ao DOI-Codi acusado de ligação com o PCB. Horas depois, teve sua morte fraudada pelos militares como suicídio. A farsa foi desmascarada por perícias independentes e testemunhos de companheiros de cela, tornando o caso um divisor de águas na resistência democrática.
“A morte de Herzog expôs ao mundo a violência do regime militar brasileiro. Hoje reforçamos que lembrar é um ato político e necessário”, afirmou o padre responsável pela celebração.
Verdade ainda inacabada
Segundo a Comissão Nacional da Verdade, 434 pessoas foram mortas ou desapareceram entre 1964 e 1985 — número considerado subestimado por entidades e familiares. Muitos seguem sem sepultura e sem nome oficial reconhecido pelas autoridades.
“O que pedimos é o mínimo: que o Estado assuma sua responsabilidade e que os culpados sejam julgados. Estamos falando do direito básico à justiça”, concluiu Ivo, sob aplausos do público.




