Ação simultânea em seis estados expõe rede de empresas usadas para ocultar dívidas fiscais; investigadores rastreiam fluxos financeiros, acordos políticos e possíveis blindagens administrativas
Uma megaoperação deflagrada na manhã desta quinta-feira (27) cumpriu mandados de busca e apreensão contra 190 alvos ligados ao Grupo Refit, apontado pelo Ministério Público de São Paulo como o maior devedor de ICMS do estado. O conglomerado, comandado pelo empresário Ricardo Magro, acumula passivos que, somados, ultrapassam R$ 26 bilhões entre dívidas estaduais e federais, segundo estimativas oficiais usadas na investigação. A ação mira suspeitas de organização criminosa, fraude tributária sistêmica e lavagem de dinheiro por meio de dezenas de empresas do setor de combustíveis.
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A ofensiva mobilizou promotores, policiais civis, Receita Federal e secretarias estaduais da Fazenda em pelo menos seis estados, numa operação considerada uma das maiores já realizadas contra sonegação estruturada no setor de combustíveis. Conforme documentos consultados pela reportagem, os alvos integram uma rede de companhias que, ao longo dos últimos anos, teria sido usada para movimentar combustíveis com emissão parcial ou inexistente de notas fiscais, gerando uma dívida crescente e nunca quitada.

O Grupo Refit — antiga Refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro — já figurava em diversas listas de devedores há mais de uma década, mas os investigadores agora argumentam que houve uma ampliação planejada das atividades, com criação de novas empresas, troca de controladores e transferência de ativos para evitar cobrança e execução fiscal. Entre os alvos estão executivos, contadores, transportadoras e distribuidoras menores que, segundo a apuração, compunham o circuito operacional do grupo.
Linha cronológica dos fatos principais
– 2010–2014: primeiras grandes autuações fiscais contra empresas do grupo em São Paulo e no Rio de Janeiro.
– 2015–2018: ampliação do passivo de ICMS e criação de novas empresas ligadas à cadeia de combustíveis.
– 2019: investigações do MP-RJ apontam indícios de lavagem de dinheiro e blindagem societária.
– 2021–2023: dívidas somadas ultrapassam patamar bilionário; novas autuações e mandados de fiscalização.
– 2024–2025: aprofundamento de investigações financeiras e cooperação entre MP-SP, MP-RJ, Receita Federal e secretarias da Fazenda; deflagração da megaoperação desta quinta (27).
A investigação menciona intermediários especializados em abrir empresas de fachada, consultorias responsáveis por montar estruturas fiscais agressivas e operadores financeiros encarregados de movimentar valores entre contas paralelas. Também surgem nomes de distribuidoras que não aparecem formalmente na estrutura do grupo, mas que teriam atuado como braços operacionais na circulação de combustíveis.
Relatórios obtidos por auditores estaduais indicam movimentações expressivas entre empresas ligadas aos investigados, muitas delas com baixo capital social e sem capacidade compatível com o volume de operações. A apuração financeira aponta saídas para contas de terceiros, pagamentos fracionados e circulação por empresas do Centro-Oeste e do Norte, usadas para pulverizar valores — padrão semelhante a casos anteriores de fraudes no setor, como o de “devedores contumazes” já julgados pelo STF.
Documentos oficiais sustentam a investigação
– Autos de infração da Secretaria da Fazenda de SP e RJ;
– Relatórios de inteligência financeira do Coaf;
– Processos de execução fiscal acumulados desde 2012;
– Inquéritos civis e criminais do MP-SP e MP-RJ;
– Notas técnicas da Receita Federal sobre sonegação estruturada no setor de combustíveis.
Relações políticas, empresariais e institucionais
Fontes ouvidas pela reportagem apontam que integrantes do grupo mantiveram, historicamente, articulações políticas para retardar cobranças, discutir programas de refinanciamento (Refis) e prolongar litígios tributários. Há também conexões com entidades do setor de combustíveis e escritórios de advocacia especializados em disputas fiscais de alto valor.
Até o momento, não há indícios formais de favorecimento político dentro das investigações, mas os investigadores afirmam que vão aprofundar vínculos institucionais para esclarecer por que algumas cobranças levaram tantos anos sem desfecho.
A apuração ainda tenta esclarecer:
– quais empresas funcionavam apenas como “caixas de passagem”;
– quem bancava a manutenção da estrutura operacional mesmo com dívidas bilionárias;
– qual era a rota de escoamento dos lucros;
– se houve apoio institucional para protelar cobranças administrativas.
O esquema descrito se assemelha a operações deflagradas contra grandes devedores contumazes de ICMS, investigados por criar sucessivas empresas temporárias para driblar o fisco. Em decisões recentes, o STF tem entendido que sonegação reiterada e organizada pode configurar crime permanente quando há intenção de fraude.
Enquanto o grupo afirmou, em casos anteriores, que buscava renegociar dívidas e manter empregos no setor, promotores destacam que não há registros de pagamento relevante em programas de refinanciamento e que a estrutura de empresas cresceu mesmo com passivos bilionários.
O setor concorrente, que há anos reivindica isonomia tributária — distribuidores “limpos” alegavam competição desleal causada pela diferença artificial de preços.
Perde o erário público, com impacto direto em arrecadação estadual e federal.
Perdem também pequenos postos e distribuidoras que foram absorvidos ou quebraram diante da assimetria tributária.
Como agiam as empresas
- A reativação silenciosa de empresas ligadas ao grupo no interior paulista em 2024, indicando que a expansão continuava mesmo sob investigação.
- A participação de consultorias com histórico de atuação em outros escândalos de combustíveis, citadas em processos de Goiás e Mato Grosso.
- Sinais de articulação com políticos regionais para discutir programas de parcelamento de dívidas — ainda sem indício de favorecimento direto, mas suficientes para chamar atenção de investigadores.
- Conexão entre transportadoras alvo da operação e frota registrada em nome de pessoas físicas com baixo poder aquisitivo, sugerindo laranjas na cadeia operacional.




