Apagões recorrentes e milhões sem energia colocam concessão no centro de disputa política entre São Paulo e Brasília
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e o governador Tarcísio de Freitas se reúnem nesta terça-feira com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para cobrar do governo federal a decretação da caducidade do contrato da Enel e a intervenção na concessão responsável pelo fornecimento de energia elétrica em 24 municípios da região metropolitana. O encontro ocorre em meio a mais uma crise no sistema elétrico, que deixou mais de 2,2 milhões de domicílios sem luz nos últimos dias.
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Até a noite de segunda-feira, no sexto dia consecutivo de falhas no serviço, cerca de 95 mil imóveis ainda permaneciam sem energia. O cenário reacendeu o embate entre o Palácio do Planalto e as lideranças paulistas, que passaram a defender abertamente o rompimento do contrato com a concessionária.

Ricardo Nunes elevou o tom das críticas e afirmou que não há mais condições de permanência da empresa à frente da concessão. O prefeito sustenta que os apagões se tornaram recorrentes e seguem um padrão de agravamento: 2,1 milhões de imóveis afetados em 2023, 2,4 milhões em 2024 e outros 2,2 milhões em 2025. Para ele, o histórico inviabiliza qualquer discussão sobre continuidade ou renovação contratual.
A ofensiva política mira diretamente o Ministério de Minas e Energia. Nunes criticou a posição do ministro Alexandre Silveira, que defende a possibilidade de antecipar a renovação do contrato da Enel, válido até 2028. Nos bastidores, a avaliação do entorno do prefeito é de que o governo federal tem resistido a medidas mais duras por receio de insegurança jurídica e impacto no setor elétrico.
O prefeito argumenta que a legislação é clara ao atribuir ao presidente da República a prerrogativa de decretar a caducidade e intervir na concessão. Segundo ele, a empresa perdeu a credibilidade e a confiança da população, o que justificaria uma ação excepcional por parte do governo federal.
Nunes afirma ainda ter levado o tema diretamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante um evento público na capital paulista. Segundo o relato, pediu apoio para uma solução federal e ouviu do presidente o compromisso de tratar do assunto com o ministro responsável pela área.
A Enel, por sua vez, tem atribuído parte dos problemas a fatores climáticos e à queda de árvores sobre a rede elétrica. O prefeito rebate esse argumento e afirma que apenas cerca de 10% das ocorrências estariam relacionadas à poda e à vegetação urbana, minimizando a responsabilidade do município e reforçando a tese de falhas estruturais na gestão da concessão.
A crise também expõe uma convergência política rara entre Nunes, do MDB, e Tarcísio, do Republicanos, que passaram a atuar de forma coordenada na pressão sobre Brasília. Ambos enxergam na deterioração do serviço um desgaste direto para a administração estadual e municipal, além de um flanco político sensível para o governo Lula em um ano de disputas eleitorais e rearranjos no setor de infraestrutura.
Concessão da ENEL
A concessão da Enel em São Paulo é considerada uma das mais estratégicas do país, tanto pelo número de consumidores quanto pelo peso econômico da região atendida. Nos bastidores, a discussão envolve interesses empresariais, regulação federal e o temor de precedentes que possam afetar outras concessões de energia. A resistência do governo federal em decretar a caducidade contrasta com a pressão política local e expõe um conflito entre estabilidade contratual e resposta a falhas reiteradas no serviço essencial.
Responsabilidade do Governo do Estado de São Paulo
Embora a pressão pela intervenção recaia sobre o governo federal, a crise no fornecimento de energia também expõe a responsabilidade do governo estadual. Cabe ao Executivo paulista atuar de forma integrada na fiscalização dos impactos regionais da concessão, na coordenação da Defesa Civil em episódios de apagões prolongados e na cobrança institucional por planos de contingência e investimentos da concessionária.
Nos bastidores, aliados do próprio Palácio dos Bandeirantes reconhecem que a escalada do problema coloca Tarcísio de Freitas sob cobrança direta da população, já que falhas reiteradas no serviço afetam mobilidade, segurança e atividade econômica em todo o estado, ampliando o custo político da crise para o governo paulista.
A concessão que hoje está nas mãos da Enel tem origem na privatização da Eletropaulo, realizada em 1998.
Naquele ano, durante o governo federal de Fernando Henrique Cardoso e o governo estadual de Mário Covas, a Eletropaulo Metropolitana foi privatizada e concedida ao setor privado por meio de leilão. A empresa vencedora passou a operar a distribuição de energia elétrica na Região Metropolitana de São Paulo por contrato de concessão federal, regulado pela Aneel.
A Enel só assumiu o controle anos depois. Em 2018, o grupo italiano Enel comprou o controle da então Eletropaulo, herdando o contrato de concessão firmado na privatização da década de 1990, com validade até 2028.




