Falha humana e uso de credenciais verdadeiras permitiram fraude inédita no sistema judicial e expuseram vulnerabilidades na execução de ordens de soltura
Quatro detentos deixaram o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional da Gameleira, em Belo Horizonte, no último sábado, após ordens de soltura fraudulentas serem inseridas no sistema nacional do Judiciário. A liberação ocorreu de forma regular do ponto de vista administrativo, mas foi baseada em decisões inexistentes, forjadas por uma organização criminosa especializada em fraudes digitais. O caso só veio à tona horas depois, quando a inconsistência foi detectada e os mandados de prisão restabelecidos. Até a noite de terça-feira, apenas um dos quatro havia sido recapturado.
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Os presos haviam sido detidos dez dias antes, suspeitos de integrar o mesmo grupo criminoso responsável por invadir rotinas internas do Judiciário. A ironia do episódio chamou atenção das autoridades: os homens deixaram a prisão pelo mesmo crime que os levou ao cárcere, a manipulação de alvarás judiciais. A investigação aponta que hackers e estelionatários atuavam em conjunto, acessando sistemas oficiais por meio de logins e senhas vinculados a magistrados, o que permitia simular decisões, alterar dados processuais e gerar ordens com aparência de legalidade.

A fraude teve como ponto central o Banco Nacional de Mandados de Prisão, ferramenta que integra informações judiciais e serve de base para a execução de prisões e solturas em todo o país. Após a inserção das decisões falsas, a Secretaria de Justiça de Minas Gerais recebeu automaticamente a ordem de liberação e cumpriu o procedimento sem indícios aparentes de irregularidade. O episódio expôs um elo sensível da cadeia institucional: a confiança absoluta na autenticidade dos registros eletrônicos.
Além da soltura dos quatro detentos, a apuração indica que o grupo tentou alterar mandados de prisão em aberto, desbloquear valores retidos por decisão judicial e liberar veículos apreendidos. O potencial financeiro do esquema ainda está sendo dimensionado, mas investigadores trabalham com a hipótese de que a quadrilha buscava ganhos múltiplos, combinando libertações ilegais com desvios patrimoniais e favorecimento de terceiros.
Dos quatro beneficiados pela fraude, três permanecem foragidos. Eles possuem histórico de passagens pelo sistema prisional, com exceção de um deles, que estava em sua primeira detenção. O quarto integrante foi localizado e preso novamente dois dias após a liberação irregular. As forças de segurança seguem em busca dos demais, enquanto monitoram possíveis novos acessos indevidos aos sistemas judiciais.
O episódio provocou reação imediata do governo estadual, que anunciou a revisão do fluxo de cumprimento de ordens de soltura. A partir de agora, decisões judiciais passarão por checagem adicional antes de serem executadas no sistema prisional mineiro, o que deve gerar atrasos pontuais, mas foi considerado necessário diante da gravidade do caso.
Acesso ao Judiciário
A investigação levanta questionamentos sobre a proteção das credenciais de acesso ao Judiciário e a ausência de camadas adicionais de verificação para decisões sensíveis. Embora as autoridades afirmem não haver falha estrutural nos sistemas, o uso indevido de logins verdadeiros indica brechas na gestão de segurança digital, seja por vazamento, engenharia social ou cooptação. O caso também reacende o debate sobre a dependência automatizada entre Judiciário e sistema prisional, em que uma informação fraudada pode resultar em efeitos imediatos e difíceis de reverter.




