No próximo dia 7 de dezembro, o Arquivo Público do Estado de São Paulo recebe em seu foyer a exposição Ausências Brasil, do fotógrafo argentino Gustavo Germano. Em destaque, estão as fotos de várias famílias brasileiras com uma história em comum: a perda de um parente morto pela repressão, no período entre 1964 e 1985.
“Ausências” apresenta conjuntos de duas fotos. Uma foto é antiga e apresenta a família completa. A outra é atual, com as mesmas pessoas – exceto o morto ou desaparecido. A justaposição das duas imagens concretiza o vazio e a dor deixados por uma morte violenta.
A exposição é promovida pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, organizada pela ONG gaúcha Alice – Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação. “A mostra ‘Ausências Brasil’ está sendo exposta ao público em um momento muito oportuno para a abordagem do tema, com a instalação e funcionamento da Comissão Nacional da Verdade”, diz Gilney Viana, Coordenador do Projeto Direito à Memória e à Verdade da SDH. “Pelo contraste entre fotos antigas de familiares e amigos de opositores políticos mortos e desaparecidos quando ainda vivos e presentes e as fotos atuais dos familiares e amigos, mostrando suas ausências pode se ter noção da dimensão da perda afetiva, mas também, da perda política para todo o nosso povo”.
O projeto começou na Argentina, onde a ditadura instaurada em 1976produziu, em apenas oito anos, a impressionante soma de 30 mil mortos e desaparecidos, segundo estimativas de entidades como a Anistia Internacional. O fotógrafo Gustavo Germano, originário de Entre Ríos, não precisou ir muito longe da sua cidade natal para se inspirar. Um de seus três irmãos, Eduardo, foi assassinado aos 18 anos. E a maioria dos 14 fotografados na edição argentina do projeto também é de Entre Ríos. (Seis desses conjuntos de fotografias estarão no Arquivo Público do Estado).
A exposição estreou em 2007 em Barcelona, na Espanha, onde o fotógrafo está radicado há anos. Desde então, já esteve na Argentina, Itália, Suíça e França. Segundo Luciano Piccoli, coordenador do projeto na Alice, os responsáveis pela ONG, depois de verem a mostra, imediatamente pensaram em replicá-la no Brasil. “É um projeto político e estético ao mesmo tempo, algo que faltava no país”, diz ele. No final de 2010, a Alice venceu um edital proposto pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e entrou num convênio para produzir o Ausências Brasil.
Cinco irmãos
Figuram nessa mostra as famílias de Bergson Gurjão Farias (desaparecido no Araguaia em 1972, e cuja ossada foi encontrada e identificada no cemitério de Xambioá, TO, em 2009); Luiz Almeida Araújo (desaparecido em 1971); Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira (desaparecido desde 1974); Iuri Xavier Pereira (assassinado em 1972, numa emboscada do DOI-CODI de São Paulo); Alex Xavier Pereira (irmão de Iuri, assassinado no mesmo ano, mas em outra ocasião. Os corpos dos dois só foram recuperados anos mais tarde, no Cemitério de Perus, em São Paulo); Arnaldo Cardoso Rocha (cunhado de Iuri e Alex, assassinado em 1973); Ana Rosa Kucinski Silva (desaparecida desde 1974); Jana Moroni Barroso (desaparecida desde 1974, no Araguaia); Virgílio Gomes da Silva (desaparecido desde 1969. Sua morte foi confirmada em 2004, por meio de documentos encontrados no Arquivo Público do Estado e São Paulo); Luiz Eurico Tejera Lisboa (desaparecido em 1972; seu corpo foi encontrado no cemitério de Perus); João Carlos Haas Sobrinho (desaparecido no Araguaia, em 1972) e Devanir José de Carvalho (operário do ABC, preso em emboscada em 1971 e, ao que se sabe, morto sob tortura).
A história da família de Devanir é impressionante. Eram cinco irmãos homens, todos militantes: Derly, Daniel, Joel, Jairo, e Devanir (além de uma irmã, Helena, que não militava). Derly, Daniel, Joel e Jairo, foram presos em 1969. Solto, só ficou Devanir. Em 1971, Devanir foi preso e morto; segundo consta, o próprio Delegado Fleury tinha avisado aos seus irmãos que pretendia capturá-lo e torturá-lo pessoalmente.
Os irmãos de Devanir foram libertados no seqüestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bücher, em 1971, e banidos para o Chile. Mas a história dos traumas familiares não termina aí. Em 1973, Daniel e Joel José de Carvalho tentaram voltar ao Brasil. Emboscados na fronteira, nunca mais foram vistos. Hoje, um dos irmãos remanescentes, Jairo, mora na França; Derly está em Diadema.
A distância inviabilizou a foto de onde três, dos cinco retratados, estariam ausentes. Em vez de Jairo e Derly, quem aparece na foto com Devanir é seu filho, o professor Carlos Alberto de Carvalho. Carlos Alberto, com sete anos, estava ao lado do pai, que foi morto dois meses depois. A segunda foto mostra o filho sozinho.
“Eu já conhecia e admirava o trabalho do Gustavo Germano”, diz Carlos Alberto. “Gosto muito de fotografia, então foi bom colaborar com ele”. O impacto da morte do pai foi o primeiro, mas não o único que a família sofreu. “A morte do pai sempre desestrutura a família, ainda mais quando é uma morte violenta. E no nosso caso, a desestruturação se multiplicou com o desaparecimento dos meus tios.” Uma parte dessa história estará no Arquivo Público do Estado a partir do dia 7.
Serviço:
Ausências Brasil – Exposição fotográfica de Gustavo Germano.
A partir de 10 de dezembro no foyer do Arquivo Público do Estado de São Paulo,
Visitação: de Segunda a sexta-feira, das 9 às 17h, e uma vez por mês no sábado (consulte o calendário).
Endereço: Rua Voluntários da Pátria, 596, São Paulo.
Entrada livre.




