“O mundo dos velhos, de todos os velhos, é, de modo mais ou menos intenso, o mundo da memória. Dizemos: afinal, somos aquilo que pensamos, amamos, realizamos. E eu acrescentaria: somos aquilo que lembramos”.(Norberto Bobbio, “O tempo da memória”)
Os povos antigos costumavam cultuar as pessoas mais velhas de seus povoados. Assim, os cargos de magistrados e de autoridades mais importantes gregas e romanas eram ocupados pelos mais velhos. Na Grécia, o conselho supremo do Senado era denominado de “Assembléia dos Anciãos”. Em Roma, Antonino Pio foi Imperador dos 52 anos até sua morte, aos 75 anos. Ápio Cláudio Cego foi considerado uma grande personalidade da República Romana, exercendo cargos durante sua velhice. Entre os povos antigos da América, também pôde-se observar a importância atribuída aos antigos – valorizados por sua experiência e respeitados por sua sabedoria. Tem-se notado, com grande freqüência, um típico fenômeno social moderno: a crescente e preocupante desvalorização do idoso concomitantemente com o aumento da expectativa de vida da população. No Brasil, a gerontologia (estudo da velhice) é, relativamente, nova e pouco explorada. Observa-se o descaso e desrespeito com os idosos e as freqüentes e infundadas reclamações de serem teimosos, repetitivos, doentes, esquecidos. Os filhos e netos não têm paciência com seus pais e avós. Os jovens não cedem seus lugares nos ônibus e bancos para os idosos. Não há uma preocupação pública acerca da melhoria da infra-estrutura de transporte, comunicação, atendimento público e hospitalar que atenda a população idosa. A internação do parente mais velho em asilos e casas de repouso tem sido a opção mais utilizada. Infelizmente, a escolha destas instituições nem sempre se justifica pela atenção e cuidados que o idoso necessita em função de determinadas doenças, mas, sobretudo, como uma forma de livrar-se de um “fardo”. Nestas instituições, são raramente visitados por seus familiares. E a falta de carinho e convívio com pessoas e lugares conhecidos contribui para piorar ainda mais as condições fisiológicas, psicológicas e sociais do internado.
Atualmente, muitos estudos têm comprovado a melhoria da qualidade de vida dos idosos quando recebem atenção, carinho, dedicação e ocupam seu tempo ocioso com atividades adequadas às especificidades da idade e prazerosas para o indivíduo. A terapia ocupacional e a gerontologia são áreas que trabalham especialmente com o desenvolvimento destas atividades. Os resultados são extremamente favoráveis, inclusive em casos de doenças como Alzheimer, Parkinson e câncer. Este artigo é um apelo desesperador aos leitores para que dêem atenção, carinho e cuidado a seus parentes, conhecidos e desconhecidos idosos. Pessoalmente, pude acompanhar o relato de histórias pessoais de habitantes de nossa região. Se, como destacou Norberto Bobbio, “somos o que lembramos”, posso assegurar que estas pessoas são, efetivamente, parte fundamental da história de nossos distritos: “As netas e bisnetas já não acompanham mais os costumes das antigas. O que as italianas costumavam fazer muito, naquela época, era pegar o café em grãos, porque não tinha, naquele tempo, café em pó. Daí tinha que torrar e, depois de torrar no forno, tinha que moer no moinho que encaixava na mesa e era assim que elas que faziam o café em casa. Outra coisa que faziam também era polenta e usavam tacho também para fazer doce, como doce de goiaba. Então, colocavam tudo num tacho de cobre e no forno de lenha e ficava mexendo para sair a goiabada. E faziam goiabada porque não precisavam comprar, achavam goiaba em todo lugar”. (Dionísio Mingatto, 75 anos) / “Bom, quando cheguei aqui, fui morar numa pensão que chamava ‘Hotel Floresta’, que ficava na rua 13 de Maio. Os donos eram D. Amélia e o Sérgio Pissolato, que era o marido dela. E o Sérgio tocava também o sax e gostava de movimentar. Então, no sábado à tarde, quase todo sábado à tarde, ele movimentava ali no Hotel, no salãozinho que tinha lá. Como a gente era moço novo, vinte e poucos anos de idade né, e muitas moça iam lá, a gente dançava e passava o tempo”. (Vittorio Palumbo, 71 anos) / “Tinha brincadeira com biri, uma semente que dava numa árvore bonita. Tá cheio aí na estrada de Joaquim Egídio, onde o pessoal anda, faz caminhada, tem muito birizeiro. Então, você abre, tira aquela semente e depois você jogava. Ela bate na parede e volta. A que ficava mais próxima da parede ganha o biri do outro. A gente fazia saquinho de biri, e também jogava com tampinha de garrafa”. (Hélio Beltramelli, 62 anos) / “Antigamente, no Atibaia, a gente pegava dourado na ponte. Tinha lambari no mês de outubro. Conheci Sousas quando só tinha um pouco de calçamento e o resto era terra. Cheguei até a ver um pedaço da ponte derrubada em 32 e que depois foi refeita. Aí, foi mudando, as fazendas foram picadas para virar condomínio e o distrito cresceu” (Antonio Zanatta, 66 anos) / “Naquele tempo, sete horas já tava escuro ainda né? O senhor Fidéli dizia assim: ‘Meu filho sabe o que eu vou contar para você? A noite agora é mais clara do que antigamente’. E a gente falava: ‘Por que seu Fidéli?’. Ele dizia: ‘Porque agora tem os clarões de São Paulo, Campinas, aquela claridade e agora num se vê mais nada. Naquela época, só se via vaga-lume no ar à noite’.” (Paulino Jeromel, 84 anos) / “O baile era à tarde. No meu tempo, as moças não dançavam descalças, mas antes, minhas irmãs dançavam descalças. Tinha sanfona, tinha pandeiro e, às vezes, tinha também o bumbo, o clarinete, dependia do que vinha, não sei. Mas sempre tinha sanfona e pandeiro. Tinha marcha, valsa, samba e rancheira também”. (Teresina Jeromel, 77 anos)
Apesar de não possuírem uma idade avançada, é louvável observar as formas pelas quais ocupam seu tempo e trabalham sua mente. Exercitando a memória, a partir da rememoração das lembranças de um passado nostálgico e sempre presente, os senhores Dionísio Mingatto, Vittorio Palumbo, Hélio Beltramelli, Antonio Zanatta, Paulino e Teresina Jeromel, certamente, postergam seu envelhecimento, cultivam seu espírito jovem, contribuem para a manutenção da história de sua região, de suas tradições e de sua família, mas, acima de tudo, garantem uma ótima colheita de frutos em sua velhice.
Cristiane Prestes
aluna do 4º ano de História da Unicamp