
Áudios revelados pela Veja nesta terça-feira (19) mostram que, ao contrário do que tentou demonstrar Jair Bolsonaro e seu filho Carlos, o presidente manteve diálogo com o ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno. Irritado, Bolsonaro repreende Bebbiano por marcar audiência com representante da Globo, o acusa de vazar informações para a imprensa e o ameaça ao dizer que a PF vai investigar candidaturas laranja. Bebianno tenta acalmar Bolsonaro e afirma que o “Capitão” está “envenenado”.
Nos áudios, os dois se
desentendem nas conversas. Bolsonaro chega a sugerir que o ex-ministro negue
que tenha falado com ele:
“O caso incitando a saída é mais uma mentira. Você conhece muito bem a
imprensa, melhor do que eu. Agora: você não falou comigo nenhuma vez no dia de
ontem. Ele esteve comigo 24 horas por dia. Então não está mentindo, nada, nem
está perseguindo ninguém.”
A crise envolvendo Babianno e o clã Bolsonaro ganhou proporções maiores após o
vereador Carlos Bolsonaro ter chamado o ex-ministro de mentiroso pelo fato de
ele ter declarado à imprensa que falou por três vezes com Bolsonaro.
Bebianno foi fritado pelo governo e responsabilizado pelo financiamento de
candidaturas laranjas do PSL, partido do presidente e que ele dirigia, com
recursos do Fundo Partidário. O ex-ministro estava contando a verdade.
Confira a seguir o áudio e, mais abaixo, o diálogo:
A Globo é “inimiga”
Na terça-feira 12, o presidente Bolsonaro encaminhou a Bebianno uma mensagem
contendo a agenda do ministro. Nela, constava que Bebianno receberia na
terça-feira, às 16h, o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo
Globo, Paulo Tonet Camargo. Ao receber mensagem do presidente, a quem trata
apenas por “capitão”, Bebianno respondeu de imediato: “Algo contra, capitão?”.
Depois de insistir com algumas mensagens por escrito, Bebianno recebeu o
seguinte áudio do presidente em que ele declara que a Globo é uma inimiga do
governo e que, ao fazer contatos com a emissora, o colocaria em posição
delicada com “as outras emissoras”:
Bolsonaro – “Gustavo, o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio
do Planalto: eu não quero ele aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as
outras emissoras? Que nós estamos se aproximando da Globo. Então não dá para
ter esse tipo de relacionamento. Agora… Inimigo passivo, sim. Agora… Trazer o
inimigo para dentro de casa é outra história. Pô, cê tem que ter essa visão,
pelo amor de Deus, cara. Fica complicado a gente ter um relacionamento legal
dessa forma porque cê tá trazendo o maior cara que me ferrou – antes, durante,
agora e após a campanha – para dentro de casa. Me desculpa. Como presidente da
República: cancela, não quero esse cara aí dentro, ponto final. Um abraço aí.”
Tensão no ministério
Em outro momento da troca de mensagens, Bebianno envia ao presidente uma nota publicado pelo site O Antagonista. A nota informa que Bebianno e mais dois ministros – Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos – viajariam para o Pará para discutir projetos para a Amazônia com líderes locais. Bolsonaro, ainda convalescendo no hospital, não gosta da ideia e reclama com o ministro:
Bolsonaro – “Gustavo, uma pergunta: “Jair Bolsonaro decidiu enviar para a
Amazônia”? Não tô entendendo. Quem tá patrocinando essa ida para a Amazônia?
Quem tá sendo o cabeça dessa viagem à Amazônia? Um abraço aí, Gustavo, até
mais.”
Depois desse áudio, o presidente, aparentemente, conversa com os outros dois
ministros, Salles e Damares, e os dois se mostraram incomodados com a tal
viagem. Bolsonaro, por sua vez, mostra seu receio de vir a ser cobrado por
obras na região amazônica e decide então cancelar a programação toda:
Bolsonaro – “Ô, Bebianno. Essa missão não vai ser realizada. Conversei com
o Ricardo Salles. Ele tava chateado que tinha muita coisa para fazer e está
entendendo como missão minha. Conversei com a Damares. A mesma coisa. Agora: eu
não quero que vocês viajem porque… Vocês criam a expectativa de uma obra. Daí
vai ficar o povo todo me cobrando. Isso pode ser feito quando nós acharmos que
vai ter recurso, o orçamento é nosso, vai ser aprovado etc. Então essa viagem
não se realizará, tá OK? Um abraço aí, Gustavo!”
Os áudios acima mostram que Bolsonaro, de fato, falou “três vezes” com
Bebianno, exatamente como o ministro declarara ao jornal O Globo. Querendo dar
ares de normalidade à rotina do governo e assim minimizar o impacto da crise do
laranjal do PSL, Bebianno declarara o seguinte ao jornal: “Não existe crise
nenhuma. Só hoje (terça-feira) falei três vezes com o presidente”. Era verdade.
Mas o filho Carlos postou o tuíte dizendo que ficara “24 horas do dia” ao lado
do pai e não registrara qualquer conversa com Bebianno. E ainda postou um áudio
em que o presidente garante que não tinha falado com o ministro –
aparentemente, pai e filho consideram que troca de áudio não configura uma
“conversa”.
Nos áudios seguintes, há trocas de mágoas e uma discussão algo bizarra sobre o
que significa “falar” com alguém. Confira:
“Você que falou comigo”
Neste áudio, Bolsonaro diz que Carlos não está “incitando a saída” de Bebianno. Antes, Bebianno recebera — e encaminhara cópia a Bolsonaro — uma mensagem de um jornalista (que não é identificado) dizendo que Carlos vinha conversando com deputados para derrubar o ministro.
Bolsonaro – “O caso incitando a saída é mais uma mentira. Você conhece muito
bem a imprensa, melhor do que eu. Agora: você não falou comigo nenhuma vez no
dia de ontem. Ele esteve comigo 24 horas por dia. Então não está mentindo,
nada, nem está perseguindo ninguém.”
“Isso está errado”
Bebianno – “Há várias
formas de se falar. Nós trocamos mensagens ontem três vezes ao longo do dia,
capitão. Falamos da questão do institucional do Globo. Falamos da questão da
viagem. Falamos por escrito, capitão. Qual a relevância disso, capitão?
Capitão, as coisas precisam ser analisadas de outra forma. Tira isso do lado
pessoal. Ele não pode atacar um ministro dessa forma. Nem a mim nem a ninguém,
capitão. Isso está errado. Por que esse ódio? Qual a relevância disso? Vir a
público me chamar de mentiroso? Eu só fiz o bem, capitão. Eu só fiz o bem até
aqui. Eu só estive do seu lado, você sabe disso. Será que você vai permitir que
o senhor seja agredido dessa forma? Isso não está certo, não, capitão. Desculpe.”
“Por que esse ódio?”
Em outro áudio enviado ao presidente, Bebianno lembra que é um pacificador, em contraste com a personalidade espinhosa de Carlos, e chegou a ser aceito no convívio com os militares que antes lhe rejeitavam – e volta a garantir que não faltou com a verdade. “Ontem eu falei com o senhor três vezes, sim”.
Bebianno – “Capitão, eu só prego a paz, o tempo inteiro. O tempo inteiro
eu peço para a gente parar de bater nas pessoas. O tempo inteiro eu tento
estabelecer uma boa relação com todo mundo. Minha relação é maravilhosa com
todos os generais. O senhor se lembra que, no início, eu não podia participar
daquelas reuniões de quartas-feiras, porque os generais teriam restrições
contra mim? Eu não entendia que restrições eram aquelas, se eles nem me conheciam.
O senhor hoje pergunte para eles qual o conceito que eles têm a meu respeito,
sabe, capitão? Eu sou uma pessoa limpa, correta. Infelizmente não sou eu que
faço esse rebuliço, que crio essa crise. Eu não falo nada em público. Muito
menos agrido ninguém em público, sabe, capitão? Então quando eu recebo esse
tipo de coisa, depois de um post desse, é realmente muito desagradável.
Inverta. Imagine se eu chamasse alguém de mentiroso em público. Eu não sou
mentiroso. Ontem eu falei com o senhor três vezes, sim. Falamos pelo WhatsApp.
O que é que tem demais? Não falamos nada demais. A relevância disso… Tanto
assunto grave para a gente tratar. Tantos problemas. Eu tento proteger o senhor
o tempo inteiro. Por esse tipo de ataque? Por que esse ódio? O que é que eu fiz
de errado, meu Deus?”
“Não vou mais responder a você”
Bolsonaro, aqui, deixa
claro que trocar mensagens de áudio não configura “falar” com alguém. E abre
uma nova frente de conflito. Acusa seu ministro de ter plantado uma nota em O
Antagonista para envolvê-lo com o laranjal do PSL em Pernambuco. Segue-se uma
discussão bizantina entre um presidente e um ministro.
Bolsonaro – “Ô, Gustavo, usar da… Que usou do Whatsapp para falar três
vezes comigo, aí é demais da tua parte, aí é demais, e eu não vou mais
responder a você. Outra coisa, eu sei que você manda lá no Antagonista, a nota
(sobre Bolsonaro não atender Bebianno) foi pregada lá. Dias antes, você pregou
uma nota que tentou falar comigo e não conseguiu no domingo. Eu sabia qual era
a intenção, era exatamente dizer que conversou comigo e que está tudo muito
bem, então faz o favor, ou você restabelece a verdade ou não tem conversa a
partir daqui pra frente.”
“É desonestidade e falta de caráter”
Bolsonaro – “Querer
empurrar essa batata quente desse dinheiro lá pra candidata em Pernambuco pro
meu colo, aí não vai dar certo. Aí é desonestidade e falta de caráter. Agora,
todas as notas pregadas nesse sentido foram nesse sentido exatamente, então a
Polícia Federal vai entrar no circuito, já entrou no circuito, pra apurar a
verdade. Tudo bem, vamos ver daí… Quem deve paga, tá certo? Eu sei que você é
dessa linha minha aí. Um abraço.”
“Não platão nada”
Bebianno – “Capitão, a nota do Antagonista que o senhor tá me acusando de ter plantado… Se o senhor olhar bem, eu localizei aqui e mandei pro senhor. Eu não plantei nada. Ela replica o que a Folha falou. Está escrito aqui: “segundo a Folha, segundo a Folha, o ministro Gustavo Bebianno tentou ligar para Jair Bolsonaro neste domingo para explicar o caso, mas o presidente não atendeu”. Quem mencionou isso não foi o Antagonista, foi a Folha. O Antagonista simplesmente replicou. Então, capitão, eu não plantei nada em lugar nenhum, tá? Abraço.
“Quem vazou foi você”
Bolsonaro – “Bebianno, olha como você entra em contradição. Que seja a Folha. Se foi uma tentativa tua pra mim e eu não atendi… Eu não liguei pra Folha, eu não ligo pra imprensa nenhuma. Quem ligou foi você, quem vazou foi você. Dá pra você entender o caminho que você está indo? E você tem que fazer uma reflexão para voltar à normalidade. Deu pra entender? Vou repetir: se você tentou falar comigo, um pra um, se alguém vazou pra Folha, não fui eu, só pode ser você. Tá ok?”
“Não vazei nada”
Bebianno – “Não,
capitão, não é isso, não. Eu não tentei ligar pro senhor, eu não falei, não
vazei nada pra ninguém.
Eu nem tentei ligar pro senhor. O senhor mandou um recado que era pra eu não ir
ao hospital. Não fui e não liguei pro senhor nenhuma vez. Deixei o senhor em
paz. É… Se eu tentei ligar uma ou duas vezes, também não me lembro pelo motivo
que foi, é… Não é isso, não, capitão, tá? Eu não vazei nada pra lugar nenhum,
muito menos pra Folha, com quem eu praticamente não falo. Abraço, capitão.”
“O senhor está envenenado”
Neste áudio, Bebianno explica seu papel nas verbas do PSL remetidas para Pernambuco, reafirma que é inocente no caso das candidaturas-laranja – e diz que o presidente está “bem envenenado”, deixando implícito que o envenenador é seu filho Carlos:
Bebianno – “Em relação a isso, capitão, também acho que a coisa está… Não está clara. A minha tarefa como presidente interino nacional foi cuidar da sua campanha. A prestação de contas que me competia foi aprovada com louvor, é… Agora, cada Estado fez a sua chapa. Em nenhum partido, capitão, a nacional é responsável pelas chapas estaduais. O senhor sabe disso melhor do que eu. E, no nosso caso, quando eu assumi o PSL, houve uma grande dificuldade na escolha dos presidentes de cada Estado, porque nós não sabíamos quem era quem. É… Cada chapa foi montada pela sua estadual. No caso de Pernambuco, pelo Bivar, logicamente. Se o Bivar escolheu candidata laranja, é um problema dele, político. E é um problema legal dela explicar o que ela fez com o dinheiro. Da minha parte, eu só repassei o dinheiro que me foi solicitado por escrito. Eu tenho tudo registrado por escrito. Então é ótimo que a Polícia Federal esteja, é ótimo que investigue, é ótimo que apure, é ótimo que puna os responsáveis. Eu não tenho nada a ver com isso. É… Depois a gente conversa pessoalmente, capitão, tá? Eu tô vendo que o senhor está bem envenenado. Mas tudo bem, a minha consciência está tranquila, o meu papel foi limpo, continua sendo. E tomara que a polícia chegue mesmo à constatação do que foi feito, mas eu não tenho nada a ver com isso. O Luciano Bivar que é responsável lá pela chapa dele. Abraço, capitão.”
Fonte: O Vermelho