Com o voto contrário do PT, o plenário da Câmara aprovou nesta terça-feira (22), por 329 votos a 86, o projeto de decreto Legislativo (PDL 523/19), sobre o uso da Base de Lançamentos de Alcântara (MA) pelos Estados Unidos. O texto aprovado, que ainda precisa ser apreciado pelo Senado, contém cláusulas que protegem a tecnologia americana de lançamento de foguetes e estabelece normas para técnicos brasileiros quanto ao uso da base e sua circulação nela. O acordo entre os dois países foi assinado em março deste ano.
“O PT votou contra porque esse é um acordo de lesa-pátria, é um acordo contra o Brasil, é um acordo que dá poderes aos Estados Unidos, poderes unilaterais contrários ao Brasil, poderes de utilizar o território brasileiro”, justificou a deputada Maria do Rosário (PT-RS), ao encaminhar o voto da bancada.
A deputada reforçou ainda que, quanto ao território brasileiro, constitucionalmente, ninguém pode abrir mão. “Ninguém pode abrir mão da soberania. Então, é triste para nós vermos um acordo que foi combatido pelo então deputado Waldir Pires (PT-BA), no governo FHC, e por todos aqueles que defendem a soberania nacional, que defendem um País livre, soberano”. Ainda segundo Maria do Rosário, o interesse norte-americano aqui (Base de Alcântara) é um interesse geográfico, “mas é também de bases militares na América Latina, é um interesse de subordinação”, alertou.
Outro ponto do acordo criticado pelo PT é a cláusula que trata do valor do aluguel que será pago pelos Estados Unidos pelo uso da Base de Alcântara. O Brasil ficará proibido de utilizar esses recursos para investimentos na área da tecnologia espacial. “Aliás, o Brasil tem acordos de cooperação em tecnologia espacial com a Ucrânia, com a Itália, com a China. Todos esses acordos serão desmontados, porque há uma cláusula de que os Estados Unidos acabarão por definir que o Brasil só terá agora acordos propriamente governados dos Estados Unidos, de acordo com os seus interesses. Brasileiros não terão acesso”, criticou a deputada.
Maria do Rosário disse ainda que quem votou a favor do acordo entregou o território nacional para que forças estrangeiras se coloquem aqui dentro. “Isso é inconstitucional”, protestou.
Soberania nacional
O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) também encaminhou o voto contrário ao acordo, destacando que as relações exteriores se baseiam na igualdade jurídica dos Estados e que não há hierarquização na sociedade internacional. “Nesse tratado há obrigações apenas no Brasil. A única obrigação dos Estados Unidos é ter boa vontade no tocante à emissão das licenças de exportação de componentes cujas patentes sejam dos Estados Unidos, para uso no lançamento de foguetes de Alcântara. Já os compromissos brasileiros são muitos e amplos, vários extrapolando o objeto declarado de salvaguardar a tecnologia dos Estados Unidos”, protestou.
Chinaglia explicou que, dentre as cláusulas que extrapolam a salvaguarda tecnológica e que, por consequência, ferem a soberania nacional, está a proibição de cooperar com países que não sejam membros da MTCR (Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis). “A China não é membro. Imaginem que a China daqui a pouco será a maior economia mundial e nós não podemos fazer acordo diferente com a China”, lamentou.
O deputado destacou ainda que a Bancada do PT não estava votando contra o Maranhão. “O que não queremos é que essa ilusão de que haverá recursos para o estado, seja porta voz da perda da nossa soberania nacional”.
Sem inovação tecnológica
Ao também encaminhar o voto contrário do PT, a deputada Erika Kokay (PT-DF) rebateu o argumento de que esse era um acordo de inovação tecnológica para o Brasil. “Afirmar isso é querer brincar com a inteligência do povo brasileiro, porque o acordo não prevê transferência de tecnologia. Além disso, os Estados Unidos vão ter poder de veto unilateral. Só vão utilizar aquela base os países que os EUA permitirem que a utilizem. Aí me falam em desenvolvimento tecnológico? O Brasil não vai poder fazer acordos de transferência de tecnologia, por exemplo, com a Ucrânia ou com a China. Não vai poder fazer acordos de transferência de tecnologia com dezenas de países”, lamentou.
Erika denunciou ainda que, pelo acordo, em alguns locais da Base de Alcântara, os brasileiros não poderão entrar. “Até mesmo o presidente da República só poderá entrar se tiver autorização dos Estados Unidos. Se cair um contêiner dessa base de Alcântara, ele não poderá ser examinado pelo Brasil, apenas com a autorização dos Estados Unidos. Então eu me pergunto: qual é o interesse dos Estados Unidos nessa base de Alcântara? O interesse é impedir que o Brasil cresça”, denunciou.
Empregos
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) também reforçou que esse acordo é extremamente lesivo ao nosso País. Ele também rebateu os argumentos apresentados em plenário pelos favoráveis ao projeto de serão gerados empregos em restaurantes, hotelaria e turismo, lá no Maranhão. “Ora, não é esse emprego que nós queremos. O que o Brasil precisa é desenvolver a indústria aeroespacial, que criaria empregos de alta tecnologia, de conhecimento, que teriam um fator multiplicador enorme na economia brasileira. E é isso que nós queremos”, argumentou.
Segundo Zarattini, além do acordo impedir a geração de emprego de alta tecnologia, o texto permite o total domínio dos Estados Unidos sobre a Base de Alcântara. “De lá, eles (os norte-americanos) vão poder, de lá, fazer instalações secretas para poder fazer, no mínimo, a vigilância do Atlântico Sul, da Amazônia, dos países da América Latina, inclusive a grande preocupação deles, que é a Venezuela”. O deputado lamentou ainda, o fato de o acordo impedir o Brasil de desenvolver a sua indústria aeroespacial.