As sete categorias e premiados deste ano são Trajetória (Sergio Ferro), Urbanidade (Projeto Ruas Abertas – Avenida Paulista / Fernando Haddad), Obra de Arquitetura (Escola Senai São Caetano do Sul / Claudia Nucci e Valério Pietraróia – NPC Grupo Arquitetura), Preservação de Patrimônio Moderno (Luciano Brito Galeria – antiga Residência Castor Delgado Perez / Luciana Brito, promotora; João Paulo Beugger, José Armênio de Brito Cruz, Marcos Aldrighi e Renata Semin – Piratininga Arquitetos, readequação arquitetônica; André Paoliello, readequação paisagística), Pesquisa (Atlas fotográfico da cidade de São Paulo e arredores / Tuca Vieira), Fronteiras da Arquitetura (Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro / Fernando Meirelles, Daniela Thomas e Andrucha Waddington) e Apropriação Urbana (Ocupação Hotel Cambridge / Carmen Ferreira da Silva, líder comunitária; Pitchou Luambo, coordenador do Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem Teto; Juliana Caffé, Yudi Rafael e Alex Flynn, curadores da Residência Artística Cambridge).
O guia de ruas encontrado pelo fotógrafo Tuca Vieira no banco de um táxi dividia a cidade de São Paulo em 203 partes iguais, representadas em páginas separadas da publicação. Ao longo dos dois anos que se seguiram ao achado, o artista registrou uma foto em cada um desses quadrantes do mapa, percorrendo a vastidão da cidade com sua câmera analógica de grande formato 4×5 em expedições solitárias. A série originou o Atlas Fotográfico da Cidade de São Paulo e Seus Arredores, projeto que, nas palavras do próprio fotógrafo, “nasce fracassado”: representar São Paulo, uma metrópole de 22 milhões de pessoas e quase 8 mil quilômetros quadrados.
No conto “Do rigor na ciência”, de Jorge Luis Borges, essa incapacidade da representação se revela pelos cartógrafos que fizeram um “mapa do Império que tinha o tamanho do Império”, mas “as gerações seguintes decidiram que esse dilatado mapa era inútil”. O fotógrafo brasileiro parece ter adotado uma estratégia diferente dessa dos cartógrafos borgianos. A representação não se dá a partir da expansão exagerada na criação de novas imagens, e sim na seleção precisa de pontos de vista. O fracasso anunciado ganha então expressão e potência na experiência e no próprio processo de formulação de um método criativo, com tons científicos, para a empreitada incomensurável.
Vindo do fotojornalismo e com experiência no noticiário diário sobre a cidade, Tuca Vieira desde o início do projeto não via a periferia como um campo desconhecido e estranho. Expostas pela primeira vez em setembro de 2016 na Casa da Imagem, as fotos nos levam à cidade sem fim, genérica, destituída de marcos; que, apesar de familiar para os moradores, é frequentemente negada enquanto registro. Poderíamos esperar que os quadrantes centrais do mapa seriam destinados aos monumentos, mas através das lentes do fotógrafo a cidade recebe tratamento homogêneo – como ela própria o é – e, assim, um Copan ou uma ponte estaiada não passam de edifícios quaisquer da cidade genérica, cenários citadinos banais mais que imponentes objetos de cartões-postais. Pouco importa, portanto, se temos uma representação da periferia ou do centro: no Atlas, esse binômio mal se coloca. Tudo é igualmente cidade, não importa em qual página do mapa estamos.
Vieira traz uma São Paulo despovoada, que não nos transporta para uma distopia pós-apocalíptica e sim nos mantém no presente em cores cinzentas e ocres da cidade desigual constituída, em sua maioria, por bairros-dormitórios desadensados, mantidos vazios ao longo de todo o dia, sem vivacidade no convívio do espaço público. O método quase científico de Tuca produz retratos antirromânticos e aponta o olhar para problemas que urbanistas exprimem por jargões técnicos, como a ausência de pluricentralidades, a constituição da forma urbana pela autoconstrução ou a existência de espaços públicos residuais. O próprio processo de produção das fotos expõe os problemas urbanos: por causa das dimensões do equipamento fotográfico e da falta de conexão das áreas periféricas da cidade por redes de transporte público, os registros – que trazem a perspectiva do pedestre – tornaram-se viáveis apenas com o auxílio do carro para vencer os longos deslocamentos intraurbanos.
O conjunto das 203 fotografias recusa o extraordinário e reaproxima a representação da experiência cotidiana urbana. Assim, o trabalho sistemático de Tuca Vieira acaba nos oferecendo um cruel registro contemporâneo de São Paulo. Incompleto, fracassado, impossível? Isso é o que menos importa.