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quarta-feira, dezembro 24, 2025
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Como ficará o cenário político após as eleições

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Professor fala em entrevista sobre o mito Bolsonaro

O filósofo e professor de Ética e Filosofia na Unicamp, Roberto Romano Silva concedeu entrevista exclusiva ao Jornal Local. Na reportagem, o professor faz uma análise das eleições. Acompanhe a entrevista.

Qual sua análise sobre a transferência de votos pelo ex-presidente Lula para ao candidato Fernando Haddad?

A transferência foi relevante, mas insuficiente para elevar o candidato Haddad até o primeiro planos das intenções de voto. Para tal resultado negativo foram decisivos alguns erros. Em primeiro lugar, a manutenção da candidatura de Luis Inácio da Silva até o último instante, sabendo perfeitamente o seu partido que não haveria autorização da Justiça para que ele concorresse. Tempo precioso foi perdido, para organizar uma campanha com um substituto de Lula e para torná-lo conhecido. Veja que digo “conhecido”, porque ele era praticamente ignorado pelas grandes massas eleitorais do país, porque antes o máximo que desenvolveu, como vida política, foi ser ministro da Educação e prefeito não reeleito de São Paulo. Ele era praticamente um anônimo no país inteiro. O segundo erro, também devido ao próprio Luis Inácio da Silva e seu partido, foi tratar como força subalterna a ser cooptada apenas, o contingente eleitoral e a pessoa de Ciro Gomes. Dentre todos os erros, aquele foi o mais desastroso, visto que se houvesse maior entendimento e respeito diante de Gomes, o contingente de votantes no Nordeste e Norte estaria garantido. A hipótese de Ciro Gomes como cabeça de chapa, que traria um poder de conquistar votos mais do que relevante, foi tratada como algo sem maior importância pelos dirigentes petistas. A raiz de todos os erros, no entanto, encontra-se na busca de hegemonia absoluta na esquerda, por parte do Partido dos Trabalhadores. Outro erro gêmeo é o fato de Luis Inácio da Silva ter sido posto, em mais de trinta anos da agremiação, como a única liderança nacional, inconteste. Qualquer líder petista regional que ameaçasse a onipotência de Lula em plano nacional foi descartado: Eduardo Suplicy, Marina Silva, Tarso Genro, Jaques Wagner, Olívio Dutra, e muitos outros foram mantidos em seu plano inferior, não podendo jamais disputar a candidatura à presidência da República. Resultado: o PT, fora Lula, não tem lideranças conhecidas nacionalmente para eventuais candidaturas em plano majoritário. No caso presente, foi preciso improvisar um candidato que não tinha prática de campanha, sem liderança nacional e que precisou usar o nome de Lula nos primeiros momentos do embate. Assim, deu ocasião para os seus adversários o rotularem como “substituto”, e não como um líder com capital político próprio. Se o PT não aprender a gerar um  número maior de lideranças, e se ficar restrito ao controle de sua direção burocrática e parlamentar, sofrerá derrotas significativas no futuro próximo e distante. Nenhum líder garante sua presença em todas as ocasiões, sobretudo nas crises maiores do país. Mas tal defeito não existe apenas no PT. Todos os partidos brasileiros estão carentes de lideranças nacionais e dependem de um indivíduo popular para vencer eleições. É preciso uma reformulação ampla e profunda das estruturas partidárias no país.

No seu entendimento, os sem votos devem migrar para qual candidato?

Pelas pesquisas de opinião, que devem ser acolhidas com prudência, o candidato do PSL recebeu muitas intenções de votos oriundas dos que iriam sufragar Luis Inácio da Silva. E, como é claro, muitos deles seguiram para o candidato do PT.

Dá para prever se haverá uma abstenção maior no segundo turno?

Creio que não. As intenções de voto mostram interesse no pleito. Creio que a abstenção, no fim, não irá superar a média histórica.

Nunca houve um segundo turno, em que o segundo candidato conseguisse virar o jogo, porém os resultados das urnas surpreenderam a todos. O senhor acha que podemos ter surpresas no segundo turno?

Creio ser muito difícil tal façanha. A menos que, dias antes da eleição, algo muito sério ocorra, não há engenharia política que permita tal mudança de perspectiva pelos motivos que já apontei. Na eleição de Luisa Erundina para a prefeitura de São Paulo, ocorreu algo de última hora (a intervenção em Volta Redonda) que indignou os eleitores paulistanos e deram vitória ao PT. Mas algo similar seria da ordem do milagre. A política, embora muito baseada nas paixões e nos eventos aleatórios, não costume oferecer tais surpresas.

Tanto a esquerda, quanto a direita questionam a confiabilidade das urnas eletrônicas. O senhor acha que o sistema é falho?  Qual seria o motivo dessa desconfiança?

Há uma diferença entre indicar vulnerabilidade e usar a mesma vulnerabilidade como desculpa para uma campanha alarmista e cheia de oportunismo. Há um laudo redigido por peritos da Unicamp, instituição séria, que mostra algumas falhas nas urnas eletrônicas, permitindo a sua má funcionalidade ou, mesmo violação externa. Tal parecer não foi levado devidamente em conta pelo Judiciário, o que trouxe a desconfiança de setores à esquerda ou direita da paleta política. Cabe aos partidos, aos militantes, aos fiscais, aos juízes e promotores a tarefa de vigiar o funcionamento das referidas urnas, sem para tal fim gerar desconfiança naquele instrumento. Como ferramenta, ele tem vantagens e desvantagens, pois é obra de seres humanos e não expressam nenhuma perfeição divina. Erro é defender de modo absoluto o seu uso, sem cautelas, erro é rejeitar o procedimento, também de modo imprudente.

Quem criou o mito Bolsonaro?

Mitos não são criados por indivíduos ou grupos. Eles expressam medos, esperanças, crenças e desejos de coletivos amplos. O máximo que o marketing político atilado faz é usar aquelas paixões humanas, que geram o mito, para as encarnar em um grupo ou pessoa singular. O mito é uma narrativa e ele narra justamente os impulsos de povos, crentes, militantes. Se tais mitos conseguem efetivar em parte o que é esperado pelos seus geradores, os povos, eles se enraízam na vida das massas humanas. Por exemplo, Dom Sebastião de Portugal, Getúlio Vargas, Perón, Churchill, e outros. Na Grécia antiga, Teseu. Em Roma, Júlio Cesar. Na França, Robespierre e Napoleão. Se, no entanto, eles não responderem aos anseios neles depositados, pelo menos em parte, são postos em pequenas notas de rodapé da História. É o caso de Fernando Collor.

O candidato Bolsonaro tem um índice de rejeição elevado, especialmente entre as mulheres. Qual sua expectativa do resultado?

As observações continuam válidas, tanto no que refere à rejeição geral quanto a experimentadas pelo eleitorado feminino. Mas o atentado sofrido pelo candidato e os erros estratégicos e táticos do PT e da esquerda mais ampla, o ajudaram muito a manter as intenções de votos e, mesmo, as ampliar. Nenhuma pesquisa ou pesquisadores expressam a onisciência divina: os acontecimentos e as falhas dos partidos e candidatos suprem as incertezas ou certezas dos prognósticos.

Como será a governabilidade do novo presidente? Se a direita ganhar a esquerda vai pressionar  e vice-versa. Como o senhor analisa o pós eleição e a governabilidade de cada candidato?

A eleição não é um milagre divino que resolve os problemas de uma sociedade. Tensões surgirão, sempre mais fortes, com lutas entre setores antagônicos. Precisamos tudo fazer para que tais conflitos não se transformem em algo mais sério. Lutas sem diálogo podem seguir para massacres e ódios que impedem o convívio cidadãos e permitem a quebra da autoridade. Se chegarmos a tal ponto, decisões de força, como a ocorrida no Estado Novo e em 1964 podem ser previstas. Cabe às lideranças e aos cidadãos responsáveis exemplificar com o respeito democrático aos outros. Num país civilizado, após as eleições, todos voltam a partilhar a pátria comum, da qual ninguém tem a propriedade exclusiva. 

Se esse quadro se mostrar desfavorável ao novo presidente, o senhor acredita que poderemos sofrer um novo processo de impeachment?

Tentativas de impeachment e golpes podem ocorrer. Mas o mais salutar, para o país e para os seus habitantes é o convívio democrático com a diferença.

A economia já fragilizada devido a crise econômica e política suportaria  mais esse desgaste?

A crise econômica não é brasileira apenas, mas planetária. Ela é concomitante a outras crises gravíssimas. Sem a união de todos os brasileiros, nenhuma daqueles crises mortais poderá ser vencida.

Sobre o uso do WhatsApp na eleição

Sobre as atuações do TSE no combate a fake news nas eleições, o senhor acredita que eles estavam preparados para a onda de propagação de mentiras? Isso pode influenciar os resultados das eleições? A Folha de São Paulo do dia 18 publicou uma matéria sobre a fábrica de fake news montada pelo candidato Jair Bolsonaro, bancada por empresários, o que configura crime eleitoral. O senhor acredita que o TSE vai punir o candidato com a cassação da chapa?

Como boa parte da máquina chamada Justiça, no Brasil a que se dedica às eleições é emperrada, burocrática, arrogante. Se nos cursos de Direito não existe formação para as ciências e as técnicas dignas de tal nome, juízes e promotores também estão despreparados para a tecnosfera (o termo é do grande etnólogo André Leroi- Gourhan) e para seus desafios. Eles no máximo se acostumaram a fiscalizar e punir o que se passa no rádio, na televisão, na imprensa tradicional. São impotentes para regular o funcionamento da internet com todos os seus instrumentos de comunicação rápida e monstruosa em termos numéricos. Alías, a própria Justiça Eleitoral é uma instituição sui generis, pois praticamente inexiste no mundo. Feita a denúncia de um fato, os juízes não têm técnica (e técnicos) para punir o delito ou crime. Resulta que a própria instituição perde a confiança do povo, base essencial de toda democracia e república.

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