Matilde Ribeiro, ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) no governo Lula, defendeu as cotas para negros nas universidades e a aplicação da lei federal 10.639/03. Ela participou do debate ‘O Pilar da Lei 10.639’, nesta quarta-feira, 3, na Câmara Municipal. “Precisamos recontar a história do Brasil valorizando nossa história. Na história oficial, os brancos são valorizados a partir de suas descendências dos europeus, que foram ‘nossos salvadores’. Já nós, negros, aparecemos como descendentes de escravos. Não somos descendentes de escravos, mas sim de africanos, um continente rico. Temos origem, que tem que ser resgatada e valorizada. Para isso servem as políticas públicas”, disse ela, sobre a importância da correta aplicação do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, conforme previsto na lei federal 10.639.
Ela relembrou que a lei 10.639, publicada dia 10 de janeiro de 2003, foi uma demanda do movimento negro acolhida prontamente pelo presidente Lula logo que assumiu seu primeiro mandato. “Agora, 11 anos depois, ainda não houve a consolidação na rede de ensino. Não é feito de ponta a ponta”, afirmou Matilde. “Temos que revisar os livros didáticos, capacitar os professores para aplicação da 10.639 e também da 11.546, que obriga o ensino da história dos índios também. Estas leis devem levar a uma mudança estrutural do sistema educacional brasileiro”, concluiu. O vereador Carlão do PT, que apoiou a realização do debate e integrou a Mesa, defendeu o ensino da história afro-brasileira para combater o preconceito e conscientizar as futuras gerações para a igualdade racial.
Carlão tem levado ao Legislativo demandas do movimento negro, entre os quais destaca-se a implementação da Lei 10.639 na cidade. Uma das ações mais recentes com este objetivo é a criação de uma Comissão Especial de Estudos (CEE) na Câmara, aprovada na sessão de 24/12, que será presidida por ele. O debate foi mediado por Edna Lourenço, fundadora do grupo Força da Raça. Ela relembrou que Campinas não está atrasada 11 anos com o ensino da história e cultura afro nas escolas, mas sim 16 anos, já que lei municipal de autoria do então vereador Sebastião Arcanjo (PT) já previu isso em 1998.
Cotas
Matilde foi ministra de Lula de 2003 a fevereiro de 2008 e atualmente é professora da Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), na Bahia, que tem como principal objetivo promover a integração com países africanos de Língua Portuguesa, entre os quais citou Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola. Ela falou sobre o livro de sua autoria ‘Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil (1986-2010)’, editado pela Garamond, resultante da tese de doutorado, que traz uma sistematização das políticas públicas adotadas no Brasil nas últimas décadas.
“A escravidão foi abolida no Brasil em 1888, mas as primeiras políticas públicas para incluir a população negra só vieram mais de cem anos depois, com a previsão do crime de racismo na Constituição de 1988 e a criação da Fundação Palmares”, explica. Entre as políticas que se seguiram, ela destaca a adoção de cotas para negros nas universidades públicas e o acesso à graduação também por meio do Prouni.
“O debate oriundo da elite, que se deu em torno das cotas é inverso, na medida em que culpa os próprios negros pela não inserção deles nas universidades. A Constituição diz que Educação é direito fundamental e deve ser pública e gratuita para todos. Os pobres e negros estudam nas escolas públicas, em geral com baixa qualidade. Os ricos e de classe média estudam em escolas particulares, com tanta qualidade quanto podem pagar. Então, os ricos conseguem entrar nas universidades públicas e os pobres e negros não e, os que conseguem pagar, acabam tendo que estudar nas particulares. Isso é uma inversão lógica de direitos, por isso a necessidade das cotas, para dar oportunidades iguais”.