O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta semana que o Brasil já não vive mais sob um presidencialismo clássico, ao comentar a relação cada vez mais complexa entre o Executivo e o Congresso Nacional. A declaração foi dada em meio às dificuldades do governo federal para aprovar projetos estruturantes no Legislativo, como a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal.
Segundo Haddad, o sistema político brasileiro evoluiu para um formato onde o Congresso Nacional exerce um papel de protagonismo maior do que o previsto originalmente na Constituição de 1988. “Mudou o regime político no Brasil. Não vivemos mais o presidencialismo clássico. Hoje, o Congresso tem mais poder de definição sobre a pauta do país”, disse o ministro.
A fala reforça a percepção de que o Brasil opera sob o chamado presidencialismo de coalizão, mas com características que, na prática, aproximam o sistema de um parlamentarismo informal. Nele, o presidente da República precisa negociar apoio constante de uma base fragmentada, distribuindo cargos, verbas e espaço político para garantir maioria.
Especialistas comentam
Cientistas políticos lembram que a governabilidade no Brasil sempre foi marcada por acordos entre Executivo e Legislativo, mas que nos últimos anos o Centrão — bloco informal de partidos de centro e centro-direita — ampliou seu peso no Congresso, aumentando o custo político de aprovar matérias de interesse do Planalto.
“O que Haddad aponta é um fenômeno real. O Congresso controla cada vez mais o orçamento por meio das emendas parlamentares, interfere em cargos de ministérios e tem poder de barrar ou moldar propostas”, explica o professor de Ciência Política, Maurício Santoro.
Reflexos na economia
Na equipe econômica, há preocupação de que o trancamento de pautas impacte o ritmo de crescimento e gere incerteza fiscal. A reforma tributária, por exemplo, é considerada essencial para simplificar o sistema de impostos e melhorar o ambiente de negócios, mas enfrenta resistências regionais e de setores empresariais.
Para destravar as negociações, Haddad tem intensificado reuniões com líderes partidários e governadores, buscando construir consenso. “Estamos trabalhando para que as votações avancem ainda este ano. É o nosso desafio”, afirmou o ministro.
Do Presidencialismo Clássico ao ‘Semiparlamentarismo’ Brasileiro
Em 1990, o presidencialismo de coalizão fragmentou e fez com que nenhum presidente consiga governar com base apenas no seu partido. O governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso consolida o termo presidencialismo de coalizão. ‘Governar exige montar alianças amplas no Congresso, com distribuição de ministérios e cargos’, já dizia o ex-presidente.
Em 2005, no governo Lula, revela o custo e os riscos do presidencialismo de coalizão. O caso mostrou pagamentos a parlamentares para garantir maioria. Ainda assim, o modelo se mantém: Lula reelege-se e amplia a coalizão.
A pressão das ruas aumenta a tensão entre Congresso e Executivo, aí vem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e expõe a fragilidade do presidencialismo clássico, com um Congresso desfavorável para inviabilizar o governo. Daí, Michel Temer assume prometendo governabilidade baseada em forte negociação com o Centrão. Já no governo Bolsonaro, o Orçamento Impositivo dá ainda mais poder ao Congresso: emendas parlamentares passam a ter execução obrigatória. O chamado ‘orçamento secreto’, mecanismo de distribuição de verbas via relatorias, amplia o poder das bancadas sobre o orçamento federal.
Congresso mais forte
Na eleição de Lula em 2022, o Congresso eleito é um dos mais conservadores e fragmentados da história recente.
Deputados e senadores comandam o ritmo de votações, barganhas e liberação de emendas — muitas vezes independentes da orientação do governo.
Haddad reconhece novo regime
Em 2024/2025, o ministro Fernando Haddad declara: “Mudou o regime político no Brasil”.
Na prática, o país vive um presidencialismo que depende inteiramente de coalizões fluidas, com forte poder do Congresso para definir agenda, orçamento e indicar cargos — uma configuração que se aproxima de um semiparlamentarismo informal.
Em mais de 30 anos, o presidencialismo brasileiro passou de um modelo formal, centralizado na figura do presidente, para um sistema híbrido, onde o Legislativo ocupa espaço central nas decisões, ditando prioridades, controlando o orçamento e forçando o Executivo a negociar diariamente.
Como as Emendas Parlamentares viram negociata?
Na prática, liberar emendas virou moeda de troca. O governo libera mais rápido ou em maior volume, em troca de apoio em votações importantes (reformas, vetos, projetos de interesse do Planalto).
Deputados pressionam o Executivo atrasando votações, ampliando o valor de suas emendas ou até exigindo cargos federais e muitas vezes falta fiscalização de como o dinheiro é gasto.
Por que é tão problemático?
Desvirtua o orçamento — o Congresso domina parte enorme do dinheiro público, tirando poder de planejamento do Executivo, além de favorecer apadrinhamento e corrupção — há fraudes, obras fantasmas, sobrepreços, compra de máquinas superfaturadas. Outro agravante é a distorção das prioridades — em vez de políticas públicas planejadas, muitas obras atendem interesse eleitoral local.
Impacto político
O presidente não tem mais controle absoluto sobre o orçamento discricionário, pois precisa liberar emendas para manter apoio parlamentar.
Bancadas regionais e o Centrão tornaram-se atores-chave: quem controla emendas controla influência em prefeituras e governos estaduais — base eleitoral fundamental para reeleição de deputados.
Para ministros como Haddad, essa realidade força o Executivo a negociar cada voto em projetos prioritários. Sem emendas, não há garantia de apoio.
Como fica o presidente Lula?
Ele prometeu mais transparência, mas na prática teve que aceitar o jogo para não ficar “engessado”. Deputados e senadores continuam controlando o fluxo de liberação e ameaçam paralisar votações se não receberem os repasses. Assim, o governo federal acaba refém dessa “moeda de troca”.
Quanto custa aos cofres públicos?
Valor total das emendas parlamentares em 2024 alcançou R$ 44,7 bi, distribuídos entre:
- R$ 25,1 bi em emendas individuais (impositivas);
- R$ 11,1 bi em emendas de bancada;
- R$ 8,6 bi em emendas de comissão
Pesquisadores do Insper indicam que esses R$ 44,7 bi representam cerca de 22% das despesas discricionárias do governo.
Emendas individuais (RP6) foram ainda mais opacas:
R$ 8,2 bi em “emendas Pix” de 2024, R$ 5,9 bi (70%) não tinham qualquer identificação de destino ou finalidade, e apenas 0,9% foram completamente rastreáveis
MDB (40%) e Avante (47%) foram as bancadas com maior proporção de uso das RP6 via Pix; já o PT destinou 23%, Novo 9,9%, e PSOL 0,4%.
Casos de corrupção e superfaturamento
Operação Overclean (abril/2025): PF e CGU investigam esquema de R$ 1,4 bi em desvio via emendas, envolvendo oito partidos (MDB, PP, PSD, PSDB, PT, Republicanos, Solidariedade, União Brasil) e prefeituras e órgãos como a Codevasf.
Auditoria e pavimentação superfaturada
O TCU apontou que R$ 3,5 bi em emendas (sob governos Bolsonaro e Lula) foram investidos em pavimentações sem critério técnico — superfaturadas e em locais sem drenagem adequada.
Pressão judicial e medidas recentes
Em dezembro de 2024, o STF declarou inconstitucionais as emendas RP9 (“orçamento secreto”) e suspendeu pagamento de R$ 4,2 bi em RP8 (comissão); exigiu documentação das comissões.
A Lei Complementar 210/2024, sancionada em 26 de novembro de 2024 por Lula, buscou impor mais transparência — exigindo identificação nominal e documentação prévia.
STF manteve parte das suspensões até que transparência fosse comprovada e documentos publicados.
Resumo por partido e risco:
Partido | Proporção RP6 via Pix | Envolvimento em operações |
MDB | 40 % | Overclean, superfaturamento |
Avante | 47 % | Overclean |
PT | 23% | Overclean, superfaturamento |
PSDB, PP… | — | Overclean, superfaturamento |
PL (JMZ) | — | EmendaFest, Maranhãozinho |
Esses dados mostram que o Brasil continua imerso em uma “negociata institucionalizada”: bilhões circulam sem transparência, sem critérios técnicos, e frequentemente ligados a desvios e superfaturamento. Mesmo após medidas do STF e leis recentes, a barganha continua poderosa — e o governo segue refém desse sistema clientelista, coerente com a análise inicial.
As emendas transformaram o Congresso em co-gestor do Orçamento, o que desmonta o presidencialismo clássico, onde o Executivo definia sozinho onde aplicar a maior parte dos recursos.
Hoje, parte significativa do dinheiro só circula se o Parlamento aprovar — um cenário que explica a fala de Haddad: “Mudou o regime político no Brasil.”