Empresários relatam ameaças, falsificação de contratos e perda de patrimônio; Ministério Público e Receita investigam sofisticado esquema de ocultação de recursos ilícitos
Por Sandra Venancio – Foto Divulgação Policia Federal
São Paulo – Motéis, postos de combustíveis e casas de jogos de azar foram transformados em fachada para um gigantesco esquema de lavagem de dinheiro atribuído ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP) e a Receita Federal, a organização criminosa movimentou cerca de R$ 6 bilhões em quatro anos, utilizando uma rede de pelo menos 267 postos e 60 motéis para disfarçar a origem ilícita dos recursos.
As investigações apontam que empresários foram coagidos a vender seus estabelecimentos sob ameaças de morte, em operações marcadas por intimidação, fraudes contratuais e falsificação de documentos. Muitos, além de não receberem o valor prometido, continuaram sendo responsabilizados legalmente por atividades criminosas operadas pela facção.
“Essas vítimas sofriam duas vezes: primeiro porque perdiam o negócio e depois porque eram associadas a crimes praticados pela quadrilha”, explicou o promotor de Justiça Sílvio Loubeh, que acompanha o caso.
Intimidação e fraudes
Um dos relatos colhidos pelo MP envolve o dono de um posto de combustível que, endividado, aceitou vender a empresa. Ele afirma que nunca recebeu o pagamento e, ao tentar reverter a negociação, passou a ser ameaçado. “Ouvi que pai mata filho e filho mata pai por causa de dinheiro. Ficou claro que não havia saída segura”, contou em depoimento.
Outro empresário relatou que foi obrigado a assinar a venda de seu posto “por bem ou por mal” e teve a assinatura falsificada em contratos posteriores. Até hoje, negocia com bancos para quitar dívidas contraídas pela quadrilha em seu nome.
Personagens do esquema
Nos depoimentos, os empresários apontaram nomes de intermediários que atuavam na aquisição dos postos. Entre eles, Alexandre Leal, que teria iniciado algumas negociações, e Wilson Pereira Júnior, conhecido como “Wilsinho”, apontado pelo MP como sócio do empresário Flávio Silvério Siqueira. Este último é tratado como principal beneficiário do esquema de lavagem.
A defesa de Flávio Silvério Siqueira nega qualquer ligação do cliente com o PCC e afirma que ele não mantém negócios em setores usados para lavagem de dinheiro. Já o advogado de Wilson Pereira Júnior declarou que seu cliente ainda não foi formalmente citado no processo e está à disposição para prestar esclarecimentos. A reportagem não obteve retorno da defesa de Alexandre Leal.
Motéis como ferramenta de lavagem
Investigadores explicam que os motéis foram estratégicos para a movimentação ilícita por permitirem maquiar receitas com facilidade. “É um setor em que não há registro detalhado de entrada e saída de clientes, o que dificulta a fiscalização e possibilita inflar ou reduzir faturamento conforme a necessidade da lavagem”, detalhou uma fonte próxima à investigação.
Impacto nas vítimas
Enquanto a apuração avança, os empresários tentam reconstruir suas vidas. Muitos relatam perda total do patrimônio e anos de endividamento. “Perdi meu ganha-pão. Fiquei sem chão”, desabafou um deles. Outro afirmou: “Eu sabia que ia perder financeiramente, mas pelo menos ainda estou vivo para seguir em frente.”
O MP e a Receita consideram o caso uma das maiores ofensivas contra a estrutura financeira do PCC nos últimos anos, ressaltando que a facção vem diversificando suas atividades empresariais para consolidar poder econômico e político em São Paulo.




