A pesquisa, que ouviu 1.020 pessoas entre 19 e 28 de setembro, também aponta que 32% afirmam estar inadimplentes, sendo que 42% contraíram a dívida no último ano e 45%, entre dois e cinco anos
A crescente espiral de endividamento e inadimplência que aprisionou as famílias brasileiras nesses anos de desgoverno Bolsonaro está gerando tantos danos mentais às pessoas que as pesquisas sobre o mercado de crédito passaram a analisar também esses efeitos colaterais da quebradeira geral. E os resultados são preocupantes.
O levantamento ‘Raio-X dos Brasileiros em Situação de Inadimplência’, do Instituto Locomotiva com a MFM Tecnologia, por exemplo, aponta que 84% dos entrevistados afirmam enfrentar noites em claro por conta das contas não pagas. Revela ainda que as dívidas foram motivos para brigas dentro da casa de 81% dos ouvintes no vermelho.
A situação é tal que 82% dos entrevistados com dívidas admitiram que elas têm afetado frontalmente sua felicidade, e 81%, a autoestima. As contas em atraso também afetam o apetite de 66% das pessoas entrevistadas.
O pessimismo cresceu junto. A parcela dos inadimplentes que acham ou têm certeza que não serão capazes de quitar suas dívidas subiu de 5%, em 2021, para 17% em 2022. “Identificamos neste ano uma certa frustração. A pandemia ficou para trás, mas a vida financeira não melhorou da maneira que as pessoas imaginavam que melhoraria”, comenta João Paulo de Resende Cunha, diretor de pesquisas do Locomotiva.
A pesquisa, que ouviu 1.020 pessoas entre 19 e 28 de setembro, também aponta que 32% afirmam estar inadimplentes, sendo que 42% contraíram a dívida no último ano e 45%, entre dois e cinco anos. A perda de emprego é o principal gatilho, com 31% dos entrevistados deixando de pagar as contas com o desemprego. Em seguida, 29% admitem falhar no planejamento financeiro.
Ter ficado doente, levando à perda dos prazos de pagamento e ao acúmulo de dívidas (18%), gastos com saúde não previstos (15%), investimentos em um negócio que não deu certo (15%) e o empréstimo do nome para um terceiro (15%) vêm na sequência.
Cartão de crédito e bancos/financeiras continuam os principais vilões. Entre 2021 e 2022, subiu o percentual de endividados com cartão de crédito (de 49% para 56%), contas básicas (13% para 20%), supermercados (7% para 8%) e plano de saúde (3% para 7%). Mas 40% pretendem contrair um novo empréstimo para quitar contas atrasadas.
Auxílio Brasil está sendo usado no pagamento de contas, e não em compras
“Outro aspecto interessante foi o rodízio de contas: 60% já deixaram de pagar uma conta para pagar outra atrasada. Isso foi mais frequente entre as classes D e E, e faz com que nem todas as pessoas consigam ficar adimplentes com todas as contas”, observa Cunha.
Em caso de priorização de contas para pagar, itens básicos – como luz, água e gás (58%), cartão de crédito 42%, supermercado (40%) e aluguel (30%) – aparecem como as mais citadas. A maioria diz que pretende enxugar gastos com o consumo.
A pesquisa mostra que de cada 10 beneficiários do Auxílio Brasil endividados, 6 dizem ter a intenção de utilizar o benefício para pagar contas em aberto. “Isso ajuda a entender porque esse volume injetado não está se refletindo tão diretamente, por exemplo, em um maior dinamismo do varejo”, conclui o diretor do Instituto Locomotiva.
A MFM e o Instituto Locomotiva ouviram 1.020 homens e mulheres acima de 18 anos em todo o país entre os dias 19 e 28 de setembro. O levantamento constatou que 30% dos lares brasileiros têm dívidas em atraso, com 45% indicando ter dívidas, mas com os pagamentos em dia. Apenas 25% dos entrevistados disseram que devem conseguir pagar as dívidas em atraso, contra 37% na pesquisa realizada em 2021.
Inadimplência no Brasil cresce pelo nono mês consecutivo, aponta Serasa
Após quase cinco décadas sondando o mercado de crédito brasileiro, a Serasa Experian também resolveu investigar as condições psicológicas dos devedores. As conclusões, novidade no levantamento de setembro do escritório, são igualmente preocupantes.
Em setembro, aponta a Serasa, o número de inadimplentes subiu pelo nono mês consecutivo, para 68,39 milhões. Em janeiro, eram 64,81 milhões, e em agosto, 67,97 milhões. O percentual de dívidas com mais de um ano de atraso cresceu pelo segundo ano consecutivo, saindo de 67%, em 2021, para 71% em 2022. Índice maior que o de antes da pandemia: eram 68% em 2019.
Matheus Moura, diretor de marketing da Serasa, afirma que “a dívida tem um lado muito prático, mas também tem um lado emocional importante”, responsável por causar diversos problemas psicológicos ao inadimplente. Conforme o levantamento, dentre os 5.225 entrevistados, 83% têm dificuldade para dormir por conta das dívidas, quase o mesmo percentual levantado pelo Instituto Locomotiva.
A pesquisa da Serasa também aponta que 78% têm surtos de pensamentos negativos devido aos débitos vencidos; 74% afirmam ter dificuldade de concentração para realizar tarefas diárias; 62% sentiram impacto no relacionamento conjugal; 61% viveram ou vivem sensação de “crise e ansiedade” ao pensar na dívida e 53% revelam sentir “muita tristeza” e “medo do futuro”.
Os números seguem: 51% têm vergonha da condição de endividado; 33% não se sentem mais confiantes em cuidar de suas próprias finanças e 31% sentiram impacto das dívidas no relacionamento com familiares.
O controle de gastos é feito por 88% dos endividados, enquanto 60% acompanham os valores das faturas de crédito e gastos futuros e 12% deixam “o barco correr solto”. Se 57% conversam com os parentes sobre a importância de reduzir gastos, 51% fazem um planejamento financeiro mensal e 40% também planejam financeiramente o lazer.
Inadimplência também cresceu entre empresas, principalmente as menores
“Poder falar com os familiares é um salto, estamos vendo uma novidade em relação às pesquisas anteriores”, comentou a psicóloga Valéria Meirelles durante a apresentação do levantamento aos jornalistas. Pelo andar da carruagem, será preciso investigar o psicológico também dos empresários.
O Indicador de Inadimplência das Empresas da Serasa revelou que 6,3 milhões de negócios estavam com o nome no vermelho em setembro. O montante de dívidas negativadas atingiu 44,6 milhões, totalizando R$ 105,2 bilhões somente naquele mês. A análise também revelou que a maior parte dos débitos foram contraídos dentro da categoria outros, que engloba fornecedores e parceiros.
Outro recorte do índice mostrou que a representatividade dentre os negócios negativados é maior no setor de serviços (53,3%). Em sequência estão comércio (37,7%), indústria (7,8%), setor primário (0,8%) e outros (0,4%).
O indicador também revelou que 5,6 milhões de negócios de micro e pequeno porte estavam negativados, um salto de 5,0% na comparação ano a ano. O setor de Serviços teve a maior participação (52,2%), seguido pelo comércio, com 39,4%. Em sequência estavam as indústrias (7,9%) e demais (0,5%).
Da Redação do PT