Tratado entra em votação no Conselho Europeu cercado por salvaguardas agrícolas, pressões políticas e resistência interna no bloco
O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia entrou nesta quinta-feira em sua fase mais delicada desde que foi fechado politicamente, após 25 anos de negociações. Reunidos no Conselho Europeu, os governos dos 27 países do bloco discutem se autorizam o avanço do texto para assinatura formal, prevista para sábado, durante a cúpula do Mercosul, em Foz do Iguaçu. O desfecho pode destravar um dos maiores tratados comerciais do mundo ou enterrá-lo novamente, agora sob um novo pretexto: a proteção do campo europeu e a agenda ambiental.
>> Siga o canal do Jornal Local no WhatsApp
Embora o texto tenha sido acertado ainda em 2019, o acordo passou seis anos em banho-maria, travado por disputas políticas internas na União Europeia, mudanças de orientação no Brasil e a inclusão progressiva de exigências ambientais e climáticas. O tratado deixou de ser apenas comercial e passou a incorporar valores estratégicos europeus, como compromissos ambientais, sustentabilidade e padrões regulatórios mais rígidos, elevando o custo político da ratificação.

Um sinal de avanço ocorreu nesta semana, quando o Parlamento Europeu aprovou um pacote de salvaguardas agrícolas que foi incorporado ao texto. O mecanismo permite à União Europeia suspender rapidamente tarifas reduzidas para produtos do Mercosul caso haja risco percebido ao mercado interno. A medida atendeu diretamente às pressões de agricultores europeus, especialmente da França, país que lidera a resistência ao acordo.
As novas regras flexibilizaram o acionamento dessas salvaguardas. O aumento necessário de importações para justificar a suspensão caiu de 10% ao ano para uma média de 5% em três anos. O prazo de investigação foi encurtado e deixou de ser exigida a comprovação detalhada de dano econômico, adotando-se a chamada presunção de prejuízo. Na prática, ampliou-se o poder discricionário das autoridades europeias para barrar produtos sensíveis como carne bovina e aves.
Além disso, o alcance da medida é amplo. Um aumento de preços em apenas um país pode resultar na suspensão das importações em todo o bloco, afetando os 27 Estados-membros. Soma-se a isso a cláusula de reciprocidade, que autoriza a União Europeia a exigir do Mercosul padrões ambientais e sanitários equivalentes aos europeus, reforçando a assimetria regulatória.
Nos bastidores, diplomatas europeus admitem que a França articula um bloco de países para impedir um desfecho positivo imediato. O governo francês enfrenta forte pressão interna de sindicatos agrícolas e de setores políticos que veem o acordo como ameaça direta à Política Agrícola Comum, um dos pilares históricos da União Europeia. A estratégia tem sido condicionar qualquer avanço a salvaguardas cada vez mais rígidas, esvaziando, na prática, parte dos ganhos comerciais do Mercosul.
Para o Brasil, o acordo é visto como instrumento estratégico de inserção internacional em um cenário de fragmentação do comércio global. O acesso preferencial a um mercado de mais de 450 milhões de consumidores é considerado relevante tanto para o agronegócio quanto para a indústria. Ao mesmo tempo, o tratado expõe fragilidades da economia brasileira, sobretudo na indústria de transformação, que enfrentará maior concorrência de produtos europeus.
A expectativa de ganhos de produtividade e redução de custos com máquinas e insumos depende de investimentos, adaptação tecnológica e uso efetivo do longo período de transição previsto no acordo. Sem isso, setores industriais podem perder espaço no mercado interno.
As exigências ambientais seguem como o principal ponto de fricção. Enquanto a União Europeia tenta consolidar sua agenda verde como padrão global, os países do Mercosul argumentam que já possuem legislações próprias e que o endurecimento das regras funciona, na prática, como barreira não tarifária. Esse embate transformou o acordo em uma disputa política e ideológica, muito além da lógica comercial.
Influencia francesa
Nos corredores de Bruxelas, a leitura predominante é que o acordo só avançará se atender plenamente às pressões internas europeias, mesmo que isso reduza seus benefícios econômicos para o Mercosul. O risco, apontado por negociadores, é de um tratado formalmente assinado, mas permanentemente vulnerável a bloqueios políticos e acionamentos de salvaguardas, especialmente sob influência francesa.




