A fundação do Ramal Férreo Campineiro se deu nos anos finais do século 19, mais precisamente em 1889. Nesta época, em plena era de mudanças políticas radicais, o país ainda era eminentemente agrícola e no estado de São Paulo a cafeicultura era muito próspera e desenvolvida, atividade que crescia a cada ano. Pode-se medir o grande poder econômico que havia em torno do café, lembrando que duas grandes ferrovias, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro e a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, foram fundadas por grupos de cafeicultores.
Na cidade de Campinas, no interior do estado de São Paulo, situada a cerca de 90Km da capital, as grandes fazendas de café ainda estavam em franco desenvolvimento, mesmo após o período de adaptação e de reformas que sucedeu o fim da mão de obra escravagista. Foi neste município que, graças aos interesses de dois fazendeiros, Paulo Machado Florense e do Dr. Inácio de Queirós Lacerda, surgiu em meados de 1889 a idéia da criação de um ramal ferroviário que ligasse as suas fazendas, a de Cabras e do Dr. Lacerda, situadas na região de Joaquim Egídio, à estação ferroviária de Campinas, afim de facilitar o escoamento da safra de café, até o momento ainda restrito ao transporte de tração animal. Joaquim Egídio, hoje, é um bucólico distrito de Campinas, ligado à cidade por rodovia asfaltada, nas proximidades de Sousas, também um outro distrito, porém bem mais desenvolvido. Um contrato foi assinado, em 9 de Outubro de 1890, para dar início às obras, e foi o engenheiro maranhense, Dr. Carlos William Stevenson, designado como responsável pelo projeto.
O custo total da obra foi de cerca de 1.290:000$; a linha utilizava uma bitola (distância entre os trilhos) de 0,60m, seu menor raio de curva era de 60 metros, sua maior declividade era de 0,30m e a velocidade média da composição era de 23km. por hora. Quatro anos mais tarde se deu a viagem inaugural, em 20 de Setembro de 1894.
Logo após sua implantação, o trem, utilizado tanto para transporte de pessoal como de carga, foi carinhosamente apelidado pelos usuários de \”cabrita\”, talvez pelos trancos e balanços que se sentiam nos vagões, devido à pequena bitola, mas com mais certeza pela referência ao nome da fazenda Cabras, que era o final de linha. O Ribeirão das Cabras, afluente do Rio Atibaia, corta a região de Sousas e Joaquim Egídio. A ferrovia o margeava em grande parte de sua extensão. A empresa tinha, nesta época, o seguinte material rodante: quatro locomotivas à vapor, onze carros de passageiros e vinte e quatro vagões de carga. A comprimento total da linha do R.F.C. era de 33 km no ramal de Cabras, e mais 10 km do ramal do Dr. Lacerda.
As estações ao longo da linha do R.F.C.eram as seguintes:
Km Nome da Estação
0 Campinas
4 Guanabara
10 Engenheiro Cavalcante
17 Arraial de Sousas
21 Joaquim Egídio
25 Capoeira Grande
29 Quedas
33 Cabras
No km. 21, da estação de Joaquim Egídio, um outro ramal ( Santa Maria ) seguia para a fazenda do Dr. Lacerda , com cerca de 10km de extensão e com as seguintes estações:
Km Nome da Estação
0 Joaquim Egídio
7 Alpes
10 Dr. Lacerda
Porém, a partir da metade da década de 10, as coisas começaram a se complicar na região. Em 1917 e nos anos que se seguiram, veio a decadência econômica do café, após a terrível crise do ataque da \”broca\”, uma peste para a qual não se tinha controle, e que levou vários fazendeiros da região à bancarrota. Talvez esta tenha sido a grande causa responsável por não se conseguir manter os custos operacionais da ferrovia, mesmo que fosse ela de pequeno porte. O Ramal Férreo Campineiro estava, portanto, com seus dias contados.
Fase 2 – A CCTL&F, a EBASCO e a CPFL – 1917 a 1952
Campinas já possuía desde 25 de Setembro de 1879 um serviço de bondes de tração animal (mulas) explorado pela Companhia Campineira de Carris de Ferro. Inicialmente o serviço dispunha de quatro carros, sendo que em 1904 adquiriram da Companhia Viação Paulista mais alguns deles, devido à desativação daquela empresa. Somente em 24 de Junho de 1912 é que começaram a circular em Campinas os bondes elétricos, que foram importados dos USA, fabricados pela empresa J.G. Brill. A empresa responsável por essa implantação foi a CCTL&F ( Companhia Campineira de Tração, Luz e Força ). Ela chegou a importar 8 carros e posteriormente, em 1923, trouxe mais 8, veículos que estavam circulando na cidade norte-americana de Filadélfia. Conta-se que na viagem inaugural dos bondes não faltaram empurrões e até sopapos entre os passageiros, na \”luta\” para se encontrar um assento disponível. Até a Banda da Brigada Policial de São Paulo se fez presente, com 66 integrantes, regida pelo maestro Antão Fernandes. Os bondes utilizavam uma rede elétrica de corrente contínua, com tensão de 600 volts e sua bitola era de 1000 mm, a mesma usada pelas ferrovias de maior porte, como a Mogiana.
Em 18 de Março de 1917, com a inviabilidade de se manter os trens do R.F.C., a CCTL&F decidiu comprar a empresa e desativou definitivamente o uso dos trens. Este foi, então, o fim da \”cabrita\”, 23 anos após sua viagem inaugural, o que causou uma comoção geral nos moradores da região e de seus usuários. Porém, como alternativa, um serviço de bondes, ligando Campinas à fazenda Cabras começou a ser elaborado e para isso a empresa encomendou da J.G. Brill em 1919, o \”bondão\”, apelido dado a ele por ser bem maior que os bondes abertos que atendiam na área urbana. O ramal começou a ser eletrificado e teve suas bitolas aumentadas para 1000 mm já a partir de 1917; em 1919 estas obras já estavam atingindo a fazenda Cabras. A troca de bitola serviu para que esta linha se compatibilizasse com a dos bondes urbanos, da qual o bondão utilizava, em parte de seu trajeto. Um ponto importante: num país sem nenhuma tradição e tecnologia, a eletrificação do R.F.C. se deu antes até da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, empresa muito mais rica, apesar de ter que se levar em conta as diferenças enormes de projeto de um ramal de 21km contra uma ferrovia de grande porte. O ponto inicial era defronte a estação da Cia. Paulista, que de lá seguia pela Av. Andrade Neves, depois pelo bairro da Guanabara e finalmente atingia a zona rural, passando pela fazenda Vila Brandina, situada pouco antes da estação Eng. Cavalcante, na época uma das mais importantes fazendas de gado leiteiro da região. Nesta fazenda havia somente uma parada com plataforma simples e descoberta.
Com o fim dos trens e o início dos bondes, o ramal de Santa Maria – Dr. Lacerda – não foi aproveitado. Porém, têm-se relatos de que veículos sobre trilhos, dotados de motores a combustão interna, à gasolina, tenham se utilizado deste ramal, que manteve sua bitola em 0,60m até Outubro de 1939, quando finalmente foi desativado.
Com a CCTL&F no comando das operações, as estações passaram a ser as seguintes:
Km Nome da Estação
0 Campinas
4-6 Guanabara e Cambuí
10 Engenheiro Cavalcante
17 Arraial de Sousas
21 Joaquim Egídio
25 Capoeira Grande 27 Palmeiras
29 Quedas 31 Venda Nova
33 Cabras
Em 1928, o controle acionário da CCTL&F passou para a Electric Bond & Share (EBASCO), uma empresa norte-americana que explorou o sistema de bondes elétricos de Campinas até 1950. Contudo, o nome da CCTL&F ainda foi mantido.
Em 27 de Outubro de 1950 todo a ativo da CCTL&F passa então para a CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz), que explora o serviço da linha de Cabras até 1952, mas mantendo o controle sobre as linhas urbanas.
Fase 3 – E.F. Sorocabana – 1952 a 1960
Em 18 de Agosto de 1952, a CPFL resolveu passar para a Estrada de Ferro Sorocabana a exploração da antiga linha do R.F.C., e foi mantido assim, o serviço de bondes. Em 12 de Novembro de 1952 a Sorocabana encerrou o serviço de encomendas e tráfego de mercadorias e animais que ainda mantinha ativo por um bonde duplo. Em 22 de Abril de 1953 a Sorocabana tentou encerrar as atividades do ramal mas por força de protesto público desistiu da idéia.
Porém, o \”bondão\” terminou seus dias e acabou sendo trocado por quatro bondes de truque simples, comprados de segunda mão, da cidade de Belo Horizonte. Estes eram praticamente iguais aos da CCTL&F, mas pintados de cor verde, a cor oficial daquela empresa, diferente dos bondes vermelhos e amarelos da outra empresa. Outra diferença interessante era um enorme holofote, um bom auxiliar ao medíocre farol original, pois grande parte do seu trajeto era feito em áreas rurais, sem qualquer tipo de iluminação pública. Nesta época eram feitas três viagens diárias entre Campinas e Cabras.
No início de 1954, a CCTL&F, a esta altura uma subsidiária da Companhia Paulista de Força e Luz (C.P.F.L.), transferiu o serviço de bondes para a prefeitura de Campinas. Todo o maquinário (28 carros) e 26Km. de linhas foram vendidos para a prefeitura por Cr$ 3.000.000,00. Em 30 de Setembro de 1954 a prefeitura contrata a Companhia Campineira de Transportes Coletivos (C.C.T.C.), que já atuava na cidade com ônibus urbanos, para explorar o sistema por 10 anos. Quase cinco anos depois, em 10 de Fevereiro de 1960, a Sorocabana também resolveu abandonar o serviço de seus bondes da linha de Cabras, alegando falta de lucratividade.
Fase 4 – C.C.T.C. assume o comando – 1960 a 1968
Com a saída da E.F.S. do negócio, a CCTC, em 10 de Fevereiro de 1960, assumiu a linha de Cabras para si, integrando-a ao seu sistema urbano de bondes, criando a linha de número 14, denominada Bairro Boa Esperança, mas usando somente os seus 7 km iniciais, que terminava nas imediações da Fazenda Vila Brandina. O bonde para Sousas, Joaquim Egídio e Cabras deixava então, definitivamente, o cenário campineiro.
A cidade de Campinas crescia rapidamente, desde o início da década de 60. A estrutura da sua linha de bondes era simples, usando linha de mão única. Por isso, haviam desvios em determinados pontos das rotas, para permitir a passagem de outro bonde da mesma linha, e assim ocupavam quase toda a largura da rua. Além disso, quase sempre trafegavam por ruas estreitas. O tráfego começou a se tornar caótico com o aumento natural da frota, e em 1964 os bondes começaram a ser aos poucos retirados das ruas, culminando com o fim das atividades em 24 de Maio de 1968. A C.C.T.C. chegou a ter 28 carros da J G Brill, operando quatorze linhas, com 58 km de trilhos implantados.
Os vestígios da História
Até hoje, no sub-distrito de Sousas, a ponte metálica que era utilizada para se cruzar o rio Atibaia, desde a época dos trens, se encontra ao lado esquerdo da ponte de concreto (sentido Joaquim Egídio), construída posteriormente. Esta ponte foi parcialmente destruída pelos revolucionários paulistas, em 1932, para dificultar o acesso das tropas federais à cidade. Parte do antigo leito da ferrovia, desde Sousas até Joaquim Egídio, com cerca de 4 km de extensão, margeando o Ribeirão das Cabras, e que até hoje é chamado de \”estrada do bonde\”, mantém-se quase no seu estado original, mas sem os trilhos e os postes, e é um local muito utilizado por grupos de pessoas adeptas das caminhadas. Este trecho já está devidamente tombado pelo Condepacc (Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas). Em Joaquim Egídio pode-se ainda andar pelo antigo leito do ramal de Dr. Lacerda, hoje uma estrada de terra servindo chácaras e sítios da região, bem como acesso a uma usina de energia da C.P.F.L.
Por iniciativa popular e de saudosistas residentes na cidade, quatro dos bondes da CCTC foram preservados e estão em funcionamento, numa linha turística de cerca 4 km de extensão, no interior do Parque Portugal, no bairro do Taquaral, um aprazível local de lazer da cidade. Infelizmente nenhum dos \”bondões\” da CCTL&F foram preservados.
A estação de Joaquim Egídio ficou em ruínas durante um longo tempo, exceto pelos seus alicerces e a caixa d\’água. Um antigo armazém, atrás da estação, conseguiu ser mantido em pé e hoje abriga um restaurante. A estação foi totalmente restaurada e entregue em 22 de setembro de 2000, pela empreiteira responsável pela construção do gasoduto Brasil-Bolívia, que passa a cerca de 200 metros da estação.