12.9 C
Campinas
terça-feira, outubro 21, 2025
spot_img

Arte da dúvida

Data:

A educação é o único caminho para a correção de graves distorções de comportamento, geradoras de violência, tensões, guerras, injustiças de toda a sorte, desigualdades sociais etc., que transformam a vida cotidiana em permanente sobressalto e inibem nossas melhores potencialidades. Essa afirmação é pacífica e consensual. Não há quem não concorde com ela, seja político, educador, jornalista, economista, antropólogo, filósofo etc.
Candidatos de todos os partidos, das mais variadas ideologias, que postulam os mais diversos cargos do Legislativo e do Executivo, dão ao tema absoluta prioridade, pelo menos nominal, em seus discursos de palanque, embora depois de eleitos pouco ou nada façam de efetivo para universalizar esse direito fundamental de qualquer pessoa. E quando fazem qualquer coisa, incorrem num erro essencial. Ou seja, confundem educação com mera alfabetização, adestramento, instrução. Não se dão, sequer, ao trabalho de consultar um dicionário qualquer para conhecer sua real significação, natureza e abrangência.
Tenho apontado, insistido, e reiterado, vezes sem conta, sobre as implicações negativas que esse erro implica. Educação, de acordo com mestre Aurélio, é o “processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano; civilidade; polidez”. Deve ter, portanto, não apenas um único agente, no caso o professor, mas vários outros, como os pais, os sacerdotes, os jornalistas, os escritores etc.etc.etc. É um processo contínuo, permanente, ininterrupto, que começa logo após o nascimento e não se encerra (como equivocadamente alguns pensam), com a mera colação de grau, com a obtenção de variados diplomas, das diversas fases de ensino, mas apenas com a nossa morte.
Para o filósofo norte-americano Will Durant, que registrou sua constatação no livro “Filosofia da Vida”, (um clássico do gênero), educação é o “simples progresso da arte da dúvida”. Essa, pelo menos, é sua gênese, que remonta ao nosso primitivo ancestral, tão logo tomou consciência da própria existência e do universo que o rodeava.
As dúvidas que o assaltavam, o levavam a experimentações, a indagações, a constatações, a novas perquirições, formando, dessa maneira, um imenso círculo-vicioso, que realimentava continuamente o processo. Ou seja, cada descoberta conduzia a uma nova dúvida, que por sua vez levava aquele homem primitivo a novas indagações e experiências e, assim, sucessivamente. Dessa forma nasceram a linguagem, os costumes, a escrita, a moral, as leis, a cultura, as artes, a filosofia e todo o conhecimento que integra o patrimônio da humanidade.
Escrevi, recentemente, sobre o assunto, ao abordar a interminável crise que assola o País e concluí que parte considerável dela se devia a um sistema educacional deficiente, que peca, principalmente, em sua filosofia e em seus objetivos. E indaguei: “Para o quê, por exemplo, educamos nossa juventude? Para a mera conquista desse conceito vago, chamado sucesso? Para que os educandos ganhem bastante dinheiro nas profissões que escolherem e consumam o máximo que puderem, sem reflexão ou pudor? Para a mera formação de mão-de-obra especializada para o sistema produtivo? Ou para a realização de valores e de ideais que devem ser permanentes, como igualdade, justiça, solidariedade, cooperação etc.etc.etc?”. Seguramente, para esta última opção que coloquei, são raras as pessoas e entidades que estão educando (e se educando) nos dias que correm.
Peço licença ao paciente leitor para citar um trecho do livro “Filosofia da Vida”, em que Will Durant apresenta uma das melhores definições que já li sobre esse conceito tão mal entendido, embora tão essencial (individual e coletivamente): “Educação não significa tirar diplomas de perícia em comércio, em mineração, em botânica, em jornalismo, ou epistemologia; significa, através da absorção da herança moral, intelectual e estética da raça humana, alcançarmos o controle tanto de nós mesmos como do mundo exterior; significa escolhermos o melhor como o associado do nosso corpo e do nosso espírito; significa aprendermos a adicionar a cortesia à cultura, a sabedoria ao conhecimento e a indulgência à compreensão. Quando produzirão nossos colégios homens assim?”.
A indagação de Will Durant, há tempos, é a minha também. E estendo-a um pouco além: Quando os pais, os professores, os líderes religiosos, os intelectuais, os filósofos, os jornalistas etc., enfim, a sociedade, produzirão homens assim?. Sim, quando?
Estas reflexões ficariam incompletas sem a devida contextualização. Para tanto, recorro a outra citação (e que me perdoem os meus críticos, que condenam esse meu procedimento, de recorrer, quando necessário, às luzes de pessoas muito mais sábias e competentes do que eu), desta vez do educador Paulo Freire, que constatou, em seu livro “Pedagogia da Indignação” (Editora Unesp): “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Mas, aduzo e reitero: educação considerada em seu real significado e não, meramente, alfabetização, instrução e/ou adestramento. Voltemos, pois, a exercer plenamente a arte da dúvida dos primórdios da civilização!!!

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Compartilhe esse Artigo:

spot_img

Últimas Notícias

Artigos Relacionados
Relacionados

Aos 70 anos, moradora do Parque Santa Bárbara aprende a ler com apoio da Fumec

Campinas se destaca na educação ao avançar na erradicação...

USP abre inscrições para cursos online gratuitos de programação para meninas e professoras

Duas iniciativas da USP estão com inscrições abertas para...

Prazo para pedir isenção de taxa do Enem 2025 termina nesta sexta

O prazo para os interessados solicitarem a isenção da...

Escolas municipais criam Clube do Livro e enriquecem Programa Municipal de Leitura e Escrita

O Clube é voltado para a Educação Básica e...
Jornal Local
Política de Privacidade

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) já está em vigor no Brasil. Além de definir regras e deveres para quem usa dados pessoais, a LGPD também provê novos direitos para você, titular de dados pessoais.

O Blog Jornalocal tem o compromisso com a transparência, a privacidade e a segurança dos dados de seus clientes durante todo o processo de interação com nosso site.

Os dados cadastrais dos clientes não são divulgados para terceiros, exceto quando necessários para o processo de entrega, para cobrança ou participação em promoções solicitadas pelos clientes. Seus dados pessoais são peça fundamental para que o pedido chegue em segurança na sua casa, de acordo com o prazo de entrega estipulado.

O Blog Jornalocal usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações de cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.

Confira nossa política de privacidade: https://jornalocal.com.br/termos/#privacidade