De recurso para o progresso material à direito constitucional
\”(…). O terreno é montanhoso, mas fertil, e excellente o clima. O Arraial conta com cerca de 200 predios collectados, em 10 ruas e 2 largos. A matriz local vae ser reformada. Conta o Arraial, em seu perimetro, o florescente povoado de Joaquim Egydio, com uma boa egreja dedicada a S. Joaquim e que vae sendo construida graças á boa vontade de dignos cidadãos, mais de 70 predios collectados e boas casas de negocio; a estação de Cabras, tambem florescente, etc.\” (\”Arraial dos Souzas\”, in: MELILLO, Vicente e OCTAVIO, Benedicto (orgs.),Almanach Historico e Estatistico de Campinas, Campinas, Casa Mascote, 1912)
\”(…). Era a natureza maravilhosa e terrível, sempre em atalaia contra os ameaçadores da sua virgindade. Era assim, porque há séculos e séculos o Criador a fizera assim. Mas um dia o cafèzal, pressionado pelo homem, acabaria por destruir a imponência da floresta. Levaria tempo, isso levaria; mas era fatal. Quem o prenunciava? Eram o progresso e a necessidade, de mãos dadas com a volúpia; aquêles bisonhamente, esta ousadamente, acabariam matando a floresta, afinal\” (SEVÁ, José, Êles Vieram de Longe, 1961, p. 56).
A relação do ser humano com a natureza baseia-se atualmente em um estranho paradoxo: para preservá-la, mantendo-a pura e livre do prejudicial contato com o homem, é necessário ocupá-la. É por isso que as paisagens que mais nos parecem selvagens e intocadas, apenas o são por serem produtos de nossa cultura. Foi nossa percepção transformadora que estabeleceu a definição do que seria considerada uma paisagem pura e selvagem. A partir desta definição, separamos as áreas selvagens do convívio humano, colocando-as sob proteção demarcada de muros e cercas de parques e reservas governamentais. É difícil determinar o exato momento em que passamos a utilizar a natureza a nosso serviço. No entanto, certamente, desde o século XVIII, pensadores como Locke e Rousseau analisavam o poder do homem como transformador da natureza, buscando compreender a partir de quando a percepção do homem muda e ele começa a criar meios para transformar o ambiente que habita e não mais se modificar em função do mesmo.
Cada cultura tem seus mitos próprios, bem como uma relação singular com a natureza, por isso que determinados povos adotam refenciais específicos de simbolismo para sua cultura – os portugueses, por exemplo, tem uma forte ligação com o mar. As diversas variações do mito da natureza intocada talvez esteja presente, de alguma forma, em muitas culturas ocidentais e a criação de parques e reservas nacionais está relacionada à preocupação com a preservação destes locais mitológicos. Observar o caso de nossa região, que em poucos séculos teve seu ecossitema profundamente alterado, em função, sobretudo, das plantações de café, serve de guia para compreendermos a devastação da Mata Atlântica no Brasil. O terreno montanhoso, porém fértil, como advertia B. Octavio e V. Melillo, foi extremamente propício para a cultura cafeeira, o que contribuiu para a prosperidade da região. Aos poucos, o homem foi vencendo a imponência e os perigos da floresta densa e abrindo caminho para seu próprio \”progresso\”, rumo à destruição de seu habitat – como descreveu J. Sevá, em seu romance autobiográfico sobre a história da implantação de sua família de colonos italianos em Joaquim Egídio. A plantação de café demandava um grande desgaste dos recursos naturais e sua introdução no século XIX, para a Mata Atlântica, representou uma ameaça mais intensa do que os eventos ocorridos nos três séculos de colonização anteriores.
O Estado brasileiro, contudo, só iniciou uma legislação ambiental no século XX: o Código Florestal, de 1934, estabeleceu os primeiros conceitos de Parques Nacionais, Florestas Nacionais e Florestas Produtoras. Após três anos, o primeiro Parque Nacional – Parque Itatiaia – foi fundado. Em 1965, o Código Florestal Brasileiro estabeleceu a divisão das áreas de preservação entre as que permitiam a exploração dos recursos nacionais e as que proibiam. A Constituição de 1988 recebeu um capítulo acerca do Meio Ambiente, em que afirmava todos terem direito \”ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações\” (Cap. VI, Art. 225). Para assegurar este direito, em 18/07/2000, criou-se o Sistema de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). A Área de Proteção Ambiental (APA), segundo Cristina Mattos, surgiu no Brasil no início dos anos 1980, como um dos tipos de Unidade de Conservação. A APA representa uma das contribuições brasileiras ao cenário mundial da legislação ambiental e corresponde a uma extensa área natural, possuindo um certo grau de ocupação humana. Dotada de elementos bióticos e abióticos importantes para o bem-estar da população, a APA pode ser constituída de terras públicas ou privadas. No próximo artigo, acompanharemos a história da APA de Sousas e Joaquim Egídio.
Cristiane Renata de Lima Prestes
Aluna do 4º ano de História da UNICAMP
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