Pedro J. Bondaczuk
O poeta Rainer Marie-Rilke escreveu que “a fama é a soma de equívocos criados em torno de uma pessoa”. A mesma afirmação é válida em sentido oposto. Ou seja, no caso de alguém comprovadamente competente em sua atividade permanecer obscuro, anônimo ou, pelo menos, desconhecido da maioria.
Aliás, há os que obtêm o reconhecimento devido pelo seu talento e competência apenas muitos anos depois da sua morte. E isto quando suas obras (em geral casualmente) são apreciadas com serenidade, com isenção e com critério por alguém capacitado para avaliá-las, que só o distanciamento ditado pelo tempo permite.
Alguns não são reconhecidos nunca e acabam esquecidos para todo o sempre. Há muitos indivíduos famosos hoje que logo vão cair no absoluto esquecimento. Um médico britânico, Angus Wallace, viveu em maio de 1995, e com justiça, o seu momento de fama.
Sua façanha foi a de realizar uma cirurgia a bordo de um Boeing 747, em pleno vôo, a dez mil metros de altura, sem contar com instrumental adequado para fazer a operação. Ao invés de uma unidade cirúrgica, sua “sala de cirurgia” foi improvisada nos bancos da parte traseira do avião.
Para esterilizar os instrumentos, um litro de “brandy” foi suficiente. Contando, apenas, com um canivete, uma tesoura, um cabide, uma garrafa plástica de água mineral e sua competência, o cirurgião salvou a vida de uma paciente, que estava com obstrução em um dos pulmões e não conseguia respirar.
Para agir com tamanha presteza e sangue frio, Wallace, certamente, devia ser um profissional competentíssimo e treinado. No entanto, até esse vôo, entre a então colônia britânica de Hong Kong (hoje de volta à soberania da China), de 14 horas de duração, nunca havia tido a chance de mostrar sua perícia para o público, embora deva ter curado uma infinidade de pessoas.
Portanto, para se conseguir fama e prestígio, é preciso não apenas ser bom naquilo que se faz. É necessário, também, contar com a oportunidade. Isso vale para todo e qualquer campo de atividade. Tanto faz que se trate de medicina, engenharia, jornalismo ou literatura.
Não é raro os bibliófilos toparem, surpresos, com livros excelentes, de escritores absolutamente desconhecidos, em geral relegados a sebos. Mais comuns, ainda, no entanto, são “best-sellers” sofríveis, com histórias escabrosas ou incoerentes e textos apelativos, na maioria das vezes horríveis.
Pelo menos nesses casos, não há como deixar de dar razão a Rilke: a fama é, mesmo, a soma de equívocos criada em torno de uma pessoa. A maioria desses erros de avaliação acaba sendo corrigida e, para muitos, a notoriedade dura tanto quanto o seu medíocre talento. Não é o caso, claro, do médico Angus Wallace.
Contudo, se é difícil conquistar a fama, mais difícil ainda é conservá-la. As pessoas esquecem facilmente e são poucos os que sobrevivem para sempre na memória das gerações. Passados mais de dez anos da façanha do cirurgião, quem se lembra dele? Que fim levou? Continua vivo? Morreu? Trabalha ainda? Onde? Ninguém sabe dizer!
É verdade que, em alguns casos, o indivíduo glorificado, mesmo que de méritos escassos ou contestáveis, se transforma em mito e ninguém ousa restabelecer a verdade. A soma de equívocos se consolida, perpetua, permanece para sempre.
Há, por outro lado, muita gente que permanece famosa por causa de modismos. Títulos de suas obras são citados e repetidos em círculos de basbaques, de pseudo-intelectuais, pelos que desejam mostrar erudição, sem ter, em arroubos de pedantismo, sem que jamais seus livros (no caso de escritores, claro) tenham sido sequer folheados, quanto mais lidos.
A fama, portanto, por partir, em geral, de um equívoco (ou de uma soma deles, conforme afirma Rilke), não passa de vaidade vã, quando não de um desnecessário incômodo. Melhor é conquistar o respeito e a genuína amizade de um círculo restrito de pessoas, do que adquirir essa notoriedade repentina, quando não apenas interesseira e, por isso, efêmera.