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sexta-feira, setembro 20, 2024

Atropelos da vida

Data:

Pedro J. Bondaczuk

As circunstâncias (que alguns chamam de destino e outros, de acaso), muitas vezes nos aprontam cada uma! Há momentos em que nossa vida é um mar de rosas ou, para usar outro clichê, também bastante comum, é “um céu de brigadeiro”, sem nenhuma nuvem que prenuncie tempestade.
Estamos bem empregados, temos uma renda pelo menos compatível com nossas necessidades, há harmonia no âmbito familiar (o que é cada vez mais raro nos dias que correm), gozamos de perfeita saúde e todos os que amamos estão aparentemente bem. Temos uma boa casa, um carro do ano confortável e potente, cujas prestações não são muito caras e são compatíveis com o nosso bolso. E até o nosso time do coração atravessa boa fase, colecionando vitórias atrás de vitórias.
De repente, não mais que de repente, tudo desanda, e de uma vez. Somos pegos de surpresa, claro, e perplexos e atarantados, não sabemos como reagir. Pudera! A empresa em que trabalhamos, por exemplo, resolve fazer uma das tais “reengenharias” administrativas, eufemismo bastante utilizado para a redução pura e simples do quadro de funcionários. Em suma, pretende demitir, para não sofrer nenhum decréscimo nas margens de lucro, o que é considerado uma heresia pelos indiferentes e frios diretores.
Isso ocorre, quase sempre, por uma dessas ironias da vida, justo no momento em que contamos com uma promoção, para a qual nos empenhamos a fundo, sacrificando o convívio com a família e o lazer, fazendo horas e mais horas de serão, e até levando tarefas para casa.
Toda a nossa expectativa, contudo, é frustrada, assim, de repente, por uma grande surpresa: recebemos o clássico “bilhete azul”! E, de um momento para outro, sem esta ou mais aquela, nos vemos na rua da amargura. Pior, numa ocasião em que o mercado de trabalho está em recesso, ou seja, em que as empresas estão demitindo e não contratando, circunstância em que, portanto, conseguir nova colocação se torna sumamente improvável, se não impossível.
Quando isso ocorre, parece que o mundo desaba sobre a nossa cabeça. Ficamos aturdidos, atarantados, tontos, desesperados e sequer sabemos como comunicar a infausta notícia à esposa. Se as coisas ficarem apenas neste pé, o que já é péssimo, evidentemente, acabamos por nos conformar. Que remédio! Mas às vezes nem ficam.
Quando chegamos em casa, por exemplo, cabisbaixos e humilhados, medindo as palavras para informar à mulher que ela, doravante, terá que apertar o cinto e reduzir drasticamente as despesas domésticas, notadamente as supérfluas – e estas, todos sabem, é mera questão de ponto de vista – a encontramos emburrada num canto, com os olhos inchados, sinal de que chorou, e muito, ainda recentemente.
Ao nos ver, prorrompe numa nova sessão de lágrimas e de soluços. Ainda aturdidos com a demissão, ficamos mais alarmados ainda. “O que será desta vez?”, nos perguntamos abobalhados. Beiramos o pânico. “Será que seqüestraram a Paulinha?”, pensamos, apavorados, em nossa filha adolescente. “Não, ela está chegando da rua agora”, constatamos, com alívio.
“O que aconteceu então?”, voltamos a nos perguntar. Não tardamos em ficar sabendo. O sogro, cuja amizade conquistamos ao longo dos anos, e de quem gostamos muito, como de um pai, acaba de ser internado, às pressas, num hospital, vítima de enfarte. Está na UTI e os médicos acham que vai precisar ser operado com urgência, para a implantação de três pontes de safena. E que, mesmo assim, as chances dele escapar da morte são de apenas 50%.
A caminho do hospital, ligamos o rádio, justo no instante em que o nosso time acaba de levar o terceiro gol e ter um jogador expulso. É demais! Nos sentimos desesperados, feridos, humilhados, achando que está ocorrendo um complô dos deuses contra nós. Ainda imersos em nossa ira e nutrindo profundos sentimentos de auto-piedade, não notamos quando o carro à nossa frente faz uma conversão proibida. Não conseguimos frear a tempo nosso veículo e ocorre o inevitável. Bam! Uma batida!
Saímos do automóvel, com fúria homicida, dispostos a brigar e a descarregar no incauto toda a nossa frustração e a nossa ira. Nos deparamos, porém, com uma mulher loira, frágil, jovem, bonitinha e apavorada. Nossa irritação arrefece. Mesmo sabendo que pagamos somente a terceira prestação, de vinte quatro, do veículo, que teve a parte da frente seriamente avariada, sequer alteamos o tom de voz. A motorista trapalhona reconhece de imediato a sua culpa e nos dá o cartão da sua seguradora. Feito o acerto, dispensamos a presença da polícia. Nosso estado de espírito, porém, que já era péssimo, fica pior ainda.
São os atropelos da vida! Exagero? Nem tanto! Raras são as pessoas que já não passaram por estas circunstâncias, quer de forma isolada ou (mais raramente) por todas elas juntas. Nesses momentos, parece que o mundo acabou para nós. Mas, evidentemente, não acabou. Da mesma forma que as circunstâncias nos atropelaram, uma série de acontecimentos, também fortuitos, muitas vezes vêm nos salvar.
A operação do sogro, por exemplo, foi bem-sucedida e, se ele seguir as recomendações médicas à risca, poderá levar vida praticamente normal. O conserto do carro, por conta da seguradora, ficou quase perfeito e não resta praticamente nenhum vestígio de que o veículo foi batido. E, para completar, a motorista trapalhona é filha de um próspero industrial, dono de uma fábrica de autopeças que, impressionado com a nossa calma e a nossa educação numa circunstância tão estressante, como a de um acidente de trânsito, nos oferece emprego, com remuneração maior do que a que tínhamos na empresa que nos demitiu.
Improvável? Talvez! Mas não impossível. Até nosso time do coração deu a volta por cima da derrota que sofreu e abriu três pontos de vantagem sobre o segundo colocado no campeonato. É como se diz: nada como um dia depois do outro para nos mostrar que somos pródigos em lamentações e que sempre nos esquecemos que a vida continua. Afinal, como diz um verso célebre do norte-americano Henry Wadsworth Longfellow, “atrás de nuvens espessas, embora não o vejamos, há sempre um sol escondido para o dia de amanhã”. E os poetas, não duvidem, sabem das coisas. Como sabem!

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