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sábado, dezembro 21, 2024

Do gibi aos clássicos

Data:

Pedro J. Bondaczuk

A leitura sempre foi – desde que eu tinha cinco anos de idade e meu pai me ensinou os seus segredos aguçando a minha curiosidade – não só o meu modo de aprender, mas meu lazer predileto e em algumas ocasiões único. Sou o típico \”rato de biblioteca\”, leitor compulsivo, desses que só precisam de um cantinho silencioso para ter a diversão garantida. Claro, com um livro na mão e de preferência de bom escritor.
Aprecio todos os gêneros literários, embora meus prediletos sejam o conto, a poesia e o ensaio. E dos clássicos. Também gosto da leitura de revistas e de jornais. Preciso ser (e me considero) uma pessoa bem informada. E para não depender de livros alheios, formei minha própria biblioteca, variada e eclética (ou caótica, sei lá, como é a minha personalidade), que hoje tem mais de quatro mil volumes.
Alguns já li várias vezes e sempre com prazer renovado. A releitura tem importância muito especial, principalmente quando se trata da obra dos escritores da nossa predileção. É nela que determinadas nuanças, não percebidas da primeira vez que lemos determinado conto, poema, ensaio ou romance, ressaltam e nos revelam segredos, quase sempre escondidos nas entrelinhas.
Aprendi a ler muito cedo, antes de entrar na escola, em uma Bíblia de letra miudinha na qual meu pai também fazia o seu aprendizado de português, já que, como russo, tinha que começar do zero. Até o alfabeto (latino) da nossa língua é diferente daquele que aprendeu em sua infância (cirílico). Para mostrar o quanto já lia bem em nosso idioma, cismou de me ensinar pelo mesmo método que havia aprendido. E teve sucesso.
Em dois meses, já trocávamos informações sobre as histórias bíblicas que havíamos lido em separado. Quando ingressei no primário, passei de imediato para uma turma mais avançada de leitura, já que a \”Cartilha Sodré\”, adotada na escola, não satisfazia minhas necessidades e muito menos minha curiosidade.
Da Bíblia, passei para os gibis, que meu pai comprava junto com o jornal diário – ele sempre foi um leitor compulsivo, principalmente da \”A Gazeta\”, \”O Estado de São Paulo\” e \”Diário de São Paulo\” – em especial dois que tinham o tamanho e o formato de um talão de cheques. Um chamava-se \”Xuxá\” (não confundir com a Xuxa), herói juvenil que protagonizava episódios durante a Segunda Guerra Mundial ao lado de dois parceiros: Tininha, uma adolescente loira, de seus 16 anos de idade, e Tigrinho, de uns 14 anos, que tinha esse apelido em virtude das sardas que possuía. A outra revistinha era de histórias de \”cowboy\” e chamava-se \”Texas Kid\”. O ano era 1948.
Lembro-me que a professora reprovava essas leituras e chegou a discutir com meu pai por causa disso. Só que aos oito anos (1951), ao lado dessas revistas em quadrinhos – entrei a seguir na fase dos super-heróis, como Batman, Fantasma, Cavaleiro Negro, Superman, Capitão Marvel e tantos outros – também lia \”Oliver Twist\”, de Charles Dickens; \”As Aventuras de Tom Sawyer\”, de Mark Twain; \”A Ilha do Tesouro\”, de Robert Louis Stevenson e \”Moby Dick\”, de Herman Melville, além de um grande número de livros sobre \”Tarzan\”, de Edgar Rice Burroughs, entre outros.
Estava, portanto, (precocemente, é verdade), em contato com gênios da literatura, não apenas infanto-juvenil, mas de todas as idades, autênticos mitos na arte de escrever. Ainda assim, os professores reprovavam essas leituras, achando que elas poderiam \”deformar\” minha personalidade. Tolice! Falam o mesmo hoje da televisão ou do microcomputador.
Para não ficar \”viciado\” só em quadrinhos, ali por volta dos dez anos passei a colecionar uma revista de contos policiais, \”X-9\”, praticamente sem nenhuma ilustração, que continuei comprando por mais de 30 anos, ao lado de outras congêneres, como \”Meia-Noite\”, \”Suspense\” e \”Mistério Magazine de Elery Queen\”.
A esta altura, no entanto, já havia lido as principais obras de Machado de Assis, de José de Alencar, de Monteiro Lobato, de Lima Barreto, de Aloísio de Azevedo e de Mário de Andrade, entre outros. E também de Fedor Dostoievsky, de Leon Tolstói, de Honoré Balzac, de Victor Hugo, de Ernest Hemingway, de John dos Passos, de Alexandre Herculano…
O primeiro poeta que li foi Castro Alves e passei desde então a gostar de poesia. Principalmente depois que me caiu nas mãos um livro de Carlos Drummond de Andrade (lembro-me que foi o \”Viola de Bolso\”) e percebi que rima e métrica não eram necessários (ou pelo menos indispensáveis) para compor um bom poema.
Ensaiei, então – por volta dos catorze anos, já no ginásio – meus primeiros rabiscos, incertos e inseguros, sonhando em ser escritor. Este é um sonho que nunca abandonei e que ainda hoje exige muito de mim em termos de exercício e de autodisciplina. Coleciono cadernos e mais cadernos de versos e não posso dizer se são bons ou ruins. Gosto desses textos, caso contrário já os teria destruído, como fiz com milhares de outros que não me agradaram.
Minha opinião, no entanto, não conta. Os editores para os quais enviei algumas dessas coletâneas sequer chegaram a emitir juízo a respeito. Simplesmente devolveram-nas intactas, com gentis cartas de desculpas, todas com o mesmo teor: \”Estamos com a programação deste ano totalmente preenchida, bla-bla-blá, bla-bla-blá e bla-bla-blá\”. Nunca pude testar, portanto, sua qualidade.
Com isso, à exceção de um pequeno livreto de contos de Natal e do livro “Por uma nova utopia”, cujos direitos comerciais doei na íntegra ao Centro de Defesa da Vida (e que parece estar esgotado), permaneço \”virgem\” em termos literários. Ou seja, rigorosamente inédito. Mesmo assim, continuo escrevendo, escrevendo e escrevendo, febril, frenética e incansavelmente, perdendo noites e mais noites de sono, varando madrugadas talvez por nada (e talvez por tudo, sabe-se lá), na esperança de me tornar para alguma criança, amante de leitura como fui, uma espécie de Dickens, de Mark Twain, de Stevenson ou de Melville. Tolice? Ilusão? Quem sabe?

Jornalista e escritor

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