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quinta-feira, novembro 21, 2024

O MURO DA IMORALIDADE

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Imigração não é um fenômeno novo. O Édito de Nantes provocou o êxodo de meio milhão de Huguenotes da França. Em 1492, 150 mil judeus foram expulsos da Espanha. No século XIX, mais de 15 milhões de europeus se estabeleceram na América do Sul e 17 milhões entraram nos EUA. A Revolução de 1917 deslocou 1.5 milhões de russos para a Europa. Meio milhão de espanhóis migraram para a França e México na revolução de 1939. Dezoito milhões de hindus e muçulmanos deixaram a Índia e o Paquistão na divisão do subcontinente em 1947. Mao expulsou do país dois milhões de chineses em 1949. Agora, uma globalização defeituosa e o transbordamento demográfico do Terceiro Mundo impulsionam, anualmente, uma população equivalente a toda a cidade de Campinas, a buscarem prosperidade nos EUA. Os EUA pretendem construir um muro na fronteira com o México para segurar a pressão migratória. Para se ter uma idéia do tamanho desse muro, imagine–se que ele se estenderia por toda a divisa de São Paulo com Minas Gerais, ao custo de 3 milhões de reais para cada kilómetro de construção.
A OEA declarou a medida unilateral, contrária ao espírito de entendimento que deveria caracterizar a solução de problemas entre vizinhos, afetando a cooperação internacional no Hemisfério. O México apresentará resolução a ONU reivindicando o direito ao livre trânsito sob argumentação de violação de direitos humanos. O resto do mundo empatiza com o sentimento de ignomínia dos mexicanos, chamando o muro de imoral, de uma ofensa à dignidade humana, e uma declaração de desprezo pela América Latina, estabelecendo uma separação entre os ricos do norte e os pobres do sul.
Do lado ‘de dentro’ do muro, os EUA possuem outra percepção. Diz-se que o muro teria por objetivo reduzir a porosidade da fronteira que permitiu a entrada de 12 milhões de trabalhadores ilegais de baixa qualificação nos EUA, tirando o emprego de americanos nas regiões Sul e Sudeste do país. Mas o real propósito não é barrar pessoas, mas sim barrar a migração da violência. No rastro da esperança de trabalho de alguns inocentes, se seguem os cartéis mexicanos que controlam as rotas de imigração e as rotas de droga.
Os cartéis mexicanos são famosos pela brutalidade. Sua assinatura típica é a decapitação dos “infratores” e a execução de membros das famílias dos “desafetos”. Um chefe de polícia que prometeu lutar contra o crime foi morto duas horas após ter sido empossado. Cidades dos dois lados da fronteira vivem em clima de terror. Em Novo Laredo um tiroteio de 40 minutos com armas antitanque, granadas e fuzis deixou mais de 20 mortos nas ruas. E o pior é que os cartéis utilizam policiais, ex-militares e as ‘gangs’ de rua como soldados, configurando, de fato, um exército bem armado, bem treinado e bem pago.
A violência raia a insanidade, com delegacias atacadas com granadas, policiais abatidos nas ruas. Pressionada, a policia mexicana, mal armada e despreparada tem que fazer a opção entre “plata o plomo” – prata ou chumbo – ‘corrupção ou morte’. O governo do México divulgou que, em intervenção federal em uma das cidades da fronteira, dos 700 policiais entrevistados e testados para o uso de droga, apenas 150 permaneceram no cargo, sendo os demais demitidos ou presos. Ameaçados, jornalistas se calam. Intimidados, políticos se acovardam.
Os americanos já estão percebendo os mesmo efeitos do outro lado da fronteira. A corrupção na polícia de Los Angeles aumentou dramaticamente. A violência segue a rota da corrupção. Em Hidalgo, no Texas, traficantes atacaram o carro da polícia que os perseguia com mais de 400 tiros de grosso calibre, retirando-se calmamente em seguida. Assassinatos relacionados com os cartéis são rotineiramente mapeados em San Diego, Laredo, Rio Bravo e Dallas. E a violência está migrando cada vez mais para o norte, propulsionada por assassinos sofisticados e violentos que matam por onde passam, matam por qualquer coisa, matam por nada, matam tudo pela frente até que cumpram a missão dada pelos cartéis da droga.
Os imigrantes são uns pobres inocentes nessa guerra, enquanto que alguns americanos, aquela gente que trabalha, que tem filhos na escola, que compra no supermercado e controla o canhoto de talão de cheques, aquela gente como a gente e que tem medo, apóia a construção do muro para proteger seus filhos. Será que nós não faríamos o mesmo se tivéssemos dinheiro para pagar um muro?
Segurança pública é o maior problema global atual. Aqui, acossados pelo PCC, nos fechamos em condomínios. Os americanos obrigam seus políticos a mandarem construir o muro para se protegerem dentro dele. Talvez agora, passada a eleição nossos políticos possam fazer algo de verdade para nos permitir sair de dentro dos muros. Imoral não é só o muro. Imoral é ficar em cima do muro.

Salvador Raza
Diretor do CETRIS – Centro de Tecnologia, Relações Internacionais e Segurança.

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