A prática é ilegal e priva crianças e jovens de uma vivência saudável, afastando-as da escola, além de expor à exploração sexual, ao tráfico a acidentes de trabalho que podem até causar a morte. Foto Ministério do Trabalho
Com o desgoverno do presidente Jair Bolsonaro (PL), cerca de dois milhões de crianças e adolescentes brasileiros, a maioria pretos e pobres, estão em condição de trabalho infantil no Brasil atualmente.
A prática é ilegal e priva crianças e jovens de uma vivência saudável, afastando-as da escola, além de expor à exploração sexual, ao tráfico a acidentes de trabalho que podem até causar a morte.
O tema ganha atenção especial às vésperas do 12 de Junho – Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, mas é prioridade da CUT permanentemente, segundo o do secretário interino de Políticas Sociais da CUT, Ismael José Cesar.
O trabalho infantil é um assunto que merece toda a atenção da sociedade por se classificado como uma grave violação aos direitos humanos, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ressalta o dirigente, que critica a falta de compromisso de Bolsonaro com as crianças e os adolescentes.
Isso, apesar da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determinarem que cabe ao Estado desenvolver e manter políticas de proteção a essa camada da população, acrescenta Ismael Cesar. O dirigente afirma que a situação piorou – e muito – durante o governo de Bolsonaro.
“Políticas públicas e sociais que visavam combater o trabalho infantil foram desmontadas assim como a estrutura do Ministério do Trabalho. Decretos do governo também dificultaram o MPT [Ministério Público do Trabalho] no sentido fiscalizar as situações, portanto a vulnerabilidade [das crianças e adolescentes] se tornou ainda mais latente”, diz.
O último levantamento disponível, feito pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 2019. O relatório mostra que 1,8 milhão de crianças e adolescentes estavam em situação de trabalho infantil naquele ano, o que representava 4,6% do total de pessoas entre 5 a 17 anos no Brasil. Desse total, 66,1% eram pretos ou pardos.
“Hoje certamente temos mais de dois milhões de crianças nessa situação”, diz Ismael. Ele explica que a Pnad é uma pesquisa feita, como o nome já diz, por amostra de domicílios, ou seja, há muitas crianças em situação de vulnerabilidade que a pesquisa não alcança por fazerem parte do contingente de famílias em situação de rua no Brasil.
“Temos milhares de famílias, sem lares, pedindo dinheiro e comida nos semáforos e há muitas crianças que também estão nessa condição. Portanto o número é subnotificado. Essas crianças não entram na estatística”, diz o secretário-interino.
E toda essa situação foi agravada pelo descaso de Bolsonaro. Ações como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), criado em 1996, e que era financiado por verbas da União, deixaram de receber recursos federais em 2020 o que fez com que estados e municípios deixassem de implementá-lo. O PETI subsidiava e estimulava ações estratégicas de municípios com maior incidência do trabalho infantil.
O que fazer?
Além de uma necessária conscientização de toda a sociedade de que o trabalho infantil é de fato um sequestro de uma fase essencial para a criança e para o adolescente – um tempo em que deveriam se dedicar a brincar para desenvolver as mais diversas habilidades motores e cognitivas e ter educação formal na escola, outros fatores são fundamentais para que a erradicação do trabalho infantil, de fato, tome corpo.
Um deles é a garantia do pleno emprego no Brasil e uma política econômica que faça o país se desenvolver com emprego e renda. O pleno emprego é uma experiência já vivida pelo país durante os governos progressistas de Lula e Dilma e que resultaram numa redução dos casos de crianças exploradas. O trabalho infantil diminuiu 13,44% no país entre 2000 e 2010, segundo dados do Censo 2010, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o dado geral mostra diminuição no trabalho infantil na faixa etária entre os 10 e 17 anos.
Outro ponto fundamental é a garantia de que todas as crianças estejam na escola, se possível com educação integral, o que, assim como a geração de emprego e renda, aliada a uma política justa de distribuição de renda, mais uma vez, é uma política de Estado.
Também fundamental é que se tenha garantia de lares, ou seja, uma política habitacional que resolva o déficit existente. Atualmente, segundo dados levantados pela Fundação João Pinheiro, esse déficit é de mais de 5,8 milhões de moradias. No ano passado, o governo cortou 98% do orçamento destinado às moradias populares.
É preciso que se tenha a garantia de lares. Hoje as famílias estão jogadas nas ruas. Então, é preciso ter política habitacional. Isso vai se refletir na proteção à criança
Sem esse ‘tripé’, e na toada que o Brasil vai, o país não conseguirá cumprir com as metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que determina a erradicação do trabalho infantil em todas as suas formas até 2025, conforme explica o dirigente.
Se o quadro não mudar
Para Ismael Cesar, o Brasil hoje vive à beira da barbárie. “Não é admissível que uma sociedade naturalize ou feche os olhos para o trabalho infantil”, Apesar de considerar que grande parte da sociedade, de fato não vê o trabalho infantil com bons olhos, ele alerta que as ações são necessárias.
Outro alerta que o dirigente faz é que ainda há hipocrisia de setores, em especial nas elites econômicas que distorcem os conceitos do trabalho de crianças. Um exemplo claro é a deputada federal bolsonarista Bia Kicis (PL-DF), que teve uma infância privilegiada e deu uma declaração polêmica sobre os benefícios de trabalhar (sic) aos 12 anos.
“Aos 12 anos de idade eu fazia brigadeiros para vender na minha escola. E o mais interessante era que eu não precisava mas eu sentia uma enorme satisfação de pagar as minhas aulas de tênis com o esse dinheiro. Eu me sentia criativa e produtiva”, postou a parlamentar em seu Twitter.
“Ela desconhece a situação das milhares de crianças pobres que passam fome hoje, cujos pais não têm emprego. Essas crianças não tiveram, não têm nunca terão o privilégio de estudar em uma escola particular, quando menos aulas de tênis como diz a deputada. É um desrespeito total”, critica Ismael.
E, partindo do exemplo de Bia Kicis, uma figura política, ele lembra que um ponto de partida para que o trabalho infantil volte a fazer parte – ser prioridade – das políticas de Estado, é que é preciso pensar no que fazer em 3 de outubro, na hora do voto, ou seja, em quem eleger para o parlamento também, não só para a presidência da República.
Se não dermos a virada, acabar com o governo Bolsonaro, tendência é aprofundar a miséria, o trabalho infantil, o trabalho análogo à escravidão. Portanto é necessário elegermos um governo com olhar social. E a candidatura de Lula é o que representa esse futuro. E junto com Lula, um Congresso progressista
Em ação
Apesar das dificuldades na fiscalização, no MPT, os números de casos de trabalho infantil seguem elevados. Em 2021, foram 1.807 Inquéritos Civis, 264 ações judiciais e 664 Termos de Compromisso de Ajuste de Conduta (TAC) na área de combate ao trabalho infantil.
A CUT tem participado de campanhas, seja debatendo, denunciando ou até mesmo elaborando e promovendo ações de combate ao trabalho infantil.
Uma dessas campanhas foi feita em parceria com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sinait), que teve início em 2020, intitulada “Trabalho Infantil: Uma realidade que poucos conseguem ver”.
A campanha, entre outros pontos, teve por objetivo conscientizar a sociedade de que o combate ao trabalho infantil não é uma bandeira somente dos Auditores-Fiscais do Trabalho, mas um objetivo a ser buscado em todas as ações do Estado, visando desnaturalizar a ideia de que “é melhor que a criança ou o adolescente esteja trabalhando do que roubando”.
Já o Ministério Público do Trabalho, com o apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) lançou, em fevereiro deste ano, a campanha “Não pule a infância”, que segundo o MPT é um convite à reflexão sobre as condições das crianças do nosso país, especialmente as negras e as de baixa renda.
A campanha aponta que o trabalho precoce tem impacto negativo no rendimento escolar, aumenta a evasão e deixa a criança mais vulnerável à exploração sexual, ao tráfico de drogas e a acidentes de trabalho.
Onde está o trabalho infantil
De acordo com o IBGE, as maiores porcentagens de adolescentes nessa idade trabalhando estão: Santa Catarina (44,2%); Rio Grande do Sul (35,8%); Paraná (36,4%); Rondônia (34,5%); Goiás (34,2%); Mato Grosso (32,7%) e Mato Grosso do Sul (32%).
O rendimento médio real das pessoas de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil que realizavam atividade econômica foi estimado em R$ 503. Já o rendimento médio da população de cor branca era de R$ 559 enquanto de cor preta ou parda é R$ 467.
De acordo com a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, a operação de tratores e máquinas agrícolas, o beneficiamento do fumo, do sisal e da cana-de-açúcar, a extração e corte de madeira, o trabalho em pedreiras, a produção de carvão vegetal, a construção civil, a coleta, seleção e beneficiamento de lixo, o comércio ambulante, o trabalho doméstico e o transporte de cargas são algumas das atividades elencadas.
Fonte CUT