No contexto das relações bilaterais do chamado Sul Global, conjunto de países em desenvolvimento, o presidente Lula recebeu, nesta quinta-feira (23), o presidente do Benin, Patrice Talon, no Palácio do Planalto. Os mandatários firmaram protocolos de cooperação em agricultura, energia, turismo, comércio, cultura e investimentos. Durante pronunciamento à imprensa, Lula defendeu a taxação dos bilionários como forma de combater a fome na África, ressaltou o histórico de escravidão que liga o Brasil ao continente africano e lembrou que os dois povos sofrem juntos as consequências das mudanças climáticas.
“O talentoso historiador brasileiro José Flávio Sombra Saraiva, que nos deixou há poucos dias, disse que o Brasil havia se convertido no porta-voz da África no sistema internacional. Não temos a pretensão de falar por ninguém, mas somos parceiros naturais da África e também enxergamos o mundo por lentes africanas. Isso nos leva a incorporar a perspectiva do continente à nossa atuação global, como estamos fazendo na presidência do G20”, afirmou Lula.
A taxação das grandes fortunas – ideia cada vez mais aceita para diminuir as distorções socioeconômicas produzidas pelo capitalismo – integra a agenda do Brasil na presidência rotativa do G20, as 20 maiores economias do mundo. A ideia é levar à análise do grupo de países a proposta de tributação coordenada dos super ricos, evitando que as fortunas sejam remetidas a paraísos fiscais.
“Se os três mil bilionários do planeta pagassem 2% de impostos sobre o rendimento das suas fortunas, poderíamos gerar recursos suficientes para alimentar as 340 milhões de pessoas que, segundo a FAO, enfrentam insegurança alimentar severa na África”, argumentou Lula, referindo-se à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura.
Ao falar da questão fiscal dos países em desenvolvimento, debate também pautado pelo Brasil no G20, o presidente criticou o que classificou de “absurda exportação líquida de recursos dos países mais pobres para os países mais ricos”. “Não há como investir em educação, saúde ou adaptação às mudanças do clima se a parte expressiva do orçamento é consumida para o serviço das dívidas”, ponderou.
Mudanças climáticas
As recentes tragédias humanitárias ocorridas no Rio Grande do Sul não são exclusividade do Brasil em meio às mudanças climáticas. Chuvas sem precedentes castigaram severamente 1,6 milhão de pessoas no nordeste da África, região conhecida como “chifre africano”. Quase 500 pessoas morreram.
“O Brasil e a África estão unidos na dor pelas mortes e destruição causadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul, no Burundi, no Quênia e na Tanzânia. Quero manifestar nossa solidariedade e agradecer às mensagens de apoio recebidas dos nossos irmãos africanos”, reconheceu Lula, logo no início de sua fala.
Escravidão
Sobre os laços antropológicos que unem Brasil e África, o presidente lembrou da “Porta do Não Retorno”, monumento histórico construído na cidade onde nasceu o presidente do Benin, a comuna de Uidá, em substituição ao ponto de embarque dos escravos com destino ao continente americano. “Simboliza a última etapa da maior deportação jamais conhecida na humanidade – o comércio negreiro”, descreve a placa colada à construção.
Alguns beninenses enviados ao Brasil sob o flagelo da escravidão conseguiram regressar à África, “levando consigo um pouco do Brasil”, nas palavras de Lula. “O Benin abriga uma das maiores comunidades de retornados do continente, repleta de Sousas, Silvas, Santos e Carvalhos”, disse o presidente.
“Aqueles que aqui permaneceram fincaram raízes em nossa identidade, transformando o Brasil no terceiro país com maior população negra no mundo”, acrescentou.