Flexibilização penal aprovada pela Câmara reduz prazos de progressão, favorece líderes de facções e cria brecha para aliviar condenações do 8 de janeiro
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta (11), o Projeto de Lei da Dosimetria com mudanças profundas na execução penal, revertendo o endurecimento votado horas antes pelo Senado na chamada Lei Antifacção. A decisão abriu brecha para reduzir o período de prisão de líderes do crime organizado — entre eles Marcola, Fernandinho Beira-Mar e André do Rap — enquanto atende ao interesse de aliados de Jair Bolsonaro e de militares condenados pela tentativa de golpe de 2022.
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O texto restabelece a progressão de regime com apenas 1/6 da pena para crimes gerais. Para delitos cometidos com violência, o percentual cai de 40% para 25%. Em crimes hediondos, deputados impuseram um teto de 40%, ignorando o patamar de 70% que havia sido aprovado no Senado.

Nos casos de hediondos com morte, o requisito desce para 50%, distante dos 75% definidos pela Lei Antifacção. A queda beneficia diretamente chefes de facções que, antes, precisavam cumprir 75% da pena sem direito a livramento. Para reincidentes, o abrandamento se mantém: os percentuais de 80% e 85% fixados pelos senadores caíram para 60% e 70%.
A reviravolta legislativa deve gerar, de imediato, uma enxurrada de pedidos de revisão penal, segundo advogados ouvidos nos bastidores.
O que não está no texto: bastidores, pressões e contradições internas
Nos corredores da Câmara, a votação foi tratada como parte de um acordo ampliado que envolvia, simultaneamente, a articulação para abrir caminho à anistia de Bolsonaro e dos generais da cúpula militar condenados pelos ataques de 2022. O alívio na dosimetria seria a peça faltante para tornar juridicamente possível a readequação de penas, hoje incompatíveis com progressão rápida.
A condução do processo pelo presidente da Casa, Hugo Motta, novamente expôs atritos com o Senado. Senadores afirmam que o texto aprovado pelos deputados desfigura a Lei Antifacção — construída após intensificação das operações contra PCC e CV — e pode enfraquecer investigações em curso, sobretudo as que apuram a estrutura financeira das facções.
Há, ainda, preocupação interna com o efeito dominó da mudança: decisões recentes do STF consolidaram entendimento de que alterações mais brandas na execução penal devem retroagir a todos os condenados. O impacto pode atingir inclusive presos federais em regime disciplinar diferenciado.
Pressões externas também pesaram. Parlamentares relataram que líderes de partidos do Centrão receberam avaliações jurídicas mostrando que a suavização dos percentuais permitiria “acomodar” eventuais decisões judiciais futuras sobre condenados do 8 de janeiro.
Reação pública e risco de judicialização
A votação deve impulsionar manifestações populares previstas para o fim de semana, em resposta ao acúmulo de tensões envolvendo Congresso e STF. Juristas avaliam que, diante das contradições entre o texto das duas Casas, o Supremo pode vir a ser acionado para arbitrar trechos que colidam com a jurisprudência da Corte sobre crimes hediondos.
No Senado, líderes articulam manter o texto original da Lei Antifacção. Se houver recuo, o embate deve migrar para o plenário conjunto ou para o Judiciário, com forte repercussão no sistema penitenciário federal.




