É unânime para cientistas políticos e historiadores o papel de Lula na emancipação do Brasil como protagonista nas relações internacionais a partir de 2003. Mais do que um intermediador de conflitos (como no emblemático caso em que conseguiu evitar uma guerra entre EUA e Irã), o ex-presidente sabia que para dar autonomia ao país teria de afrontar os interesses das nações poderosas sem que isso afetasse acordos comerciais ou gerasse crises diplomáticas.
Agora, com a imagem do Brasil dilacerada pelas mãos de Jair Bolsonaro – que encerrou uma longa tradição de cordialidade a articulação na diplomacia nacional -, ouvir o que Lula tem a dizer sobre o tema é indispensável: “O papel do Bolsonaro na relação com os Estados Unidos é uma coisa humilhante”, resumiu o ex-presidente durante entrevista ao Opera Mundi publicada na íntegra nesta segunda-feira (23).
Com o respaldo de quem foi bajulado pelos dois presidentes estadunidenses anteriores, Lula ainda oferece um conselho ao atual mandatário brasileiro:
“(A relação de Bolsonaro com Trump) é de total subserviência. Isso não faz bem para o Brasil. Não faz bem para o Bolsonaro, se você quer saber. Ninguém gosta de quem não se respeita, ninguém gosta de lambe-botas. Ninguém gosta de lambe-botas”.
Tamanho peleguismo tem seu caso mais emblemático no fato de Bolsonaro ter indicado o próprio filho para a Embaixada dos EUA. “É preciso saber se a pessoa tem condições, se está preparada. Porque é a embaixada politicamente mais importante para o Brasil e que você não tem que estar preocupado em indicar um amigo, você tem que estar preocupado em indicar alguém que possa falar do tamanho do Brasil. Alguém que possa representar o Brasil”, esclarece Lula.
Outros tempos
A expectativa de um novo vexame internacional de Jair Bolsonaro, que subirá à tribuna da Assembleia Geral da ONU nesta terça (24), tem feito muito analista político relembrar de momentos marcantes da política internacional colocada em prática durante os governos do PT – leia aqui o histórico discurso de Lula na edição de 2003 do evento.
Na entrevista concedida ao Opera Mundi, o próprio Lula resgata algumas das ocasiões em que o Brasil se impôs perante os EUA sem causar problemas políticos ou diplomáticos. “Eu lembro que, em 2009, quando nós fizemos a segunda reunião do G20, a segunda na verdade, em Londres, eu lembro que uma das preocupações nossas era que a gente não deveria deixar de pensar em evitar o protecionismo. Porque, em função da crise econômica, era preciso que a gente fomentasse o comércio ao mesmo tempo que a gente fomentasse o desenvolvimento dos chamados países mais pobres. Essa era ideia básica”, recorda Lula.
O ex-presidente lembrou também dos acordos que conseguiu fazer com Obama e Gordon Brown (ex-premiê do Reino Unido). “Foi uma reunião que produziu coisas extraordinárias, inclusive produziu o efeito de mudanças no controle das organizações multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial”, relembrou Lula, lamentando que os EUA na época não abriram mão de levar a cabo a histórica política protecionista que tanto afeta os países mais pobres.
Com Trump, ainda segundo Lula, a situação ficou ainda pior. “O mundo voltou a se fechar a partir do Trump em uma guerra fratricida. Porque nesse instante em que a humanidade vive, em que ainda você tem quase um bilhão de pessoas passando fome, pessoas que não têm calorias e proteínas necessárias para viver decentemente”.