Como custo de sobrevivência do presidente Michel Temer (PMDB), o ajuste fiscal virou promessa distante e os serviços federais sucumbem às barganhas do governo para manter o apoio do Congresso a um presidente acusado de corrupção passiva, investigado por obstrução de Justiça e participação em organização criminosa. A blindagem na Câmara dos Deputados na semana passada adiou o inicio de uma ação penal contra Temer, mas a sobrevida do presidente custou mais de R$ 4 bilhões em emendas parlamentares antecipadas e mais de R$ 10 bilhões em dívidas refinanciadas em condições generosas para produtores rurais. A salvação estourou uma rebelião na base aliada. PP, PR, PSD e outros partidos do “centrão” cobram ministérios, cargos e verbas para apoiar Temer contra novas denúncias e votações na Câmara dos Deputados.
Para compensar esse “custo Temer”, o presidente tenta manter as expectativas positivas do mercado em seu governo. Tão logo foi salvo de uma ação penal pela Câmara ele renovou promessas de aprovação de uma reforma da Previdência.
Com um custo tão alto de sobrevivência, o governo Temer já discutiu até subir impostos. Os presidentes da Câmara e do Senado reagiram e avisaram que não aprovariam elevações de tributos. Isso tirou fôlego da discussão e Temer passou a dizer que essa hipótese, mesmo estudada, estava descartada.
Para cumprir a meta fiscal deste ano, o governo contingenciou mais de R$ 42 bilhões neste ano em despesas e impôs um apagão fiscal em várias repartições federais. Isso fez com que cirurgias fossem suspensas em hospitais federais e bolsas de pesquisa ficassem ameaçadas, além de atrasar ou encerrar outros serviços.
“A população fica no pior dos mundos, porque o governo faz concessões orçamentárias para se manter politicamente, sem benefício nenhum para as pessoas. Do ponto de vista fiscal, R$ 10 bilhões [de dívidas rurais] é uma perda tremenda. Não à toa o governo discutiu aumento de imposto de renda uma semana depois de dar perdão de dívida do setor rural”, afirma o economista Hélio Tollini, ex-secretário de Orçamento Federal no governo Fernando Henrique Cardoso e consultor de orçamento da Câmara dos Deputados.
No Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o apagão fiscal é uma realidade que mata e adoece. Como só foram liberadas 70% das verbas de custeio e 40% das despesas previstas com investimentos, desde 31 de março o hospital não agenda cirurgias eletivas – só atende urgências. Pela falta de orçamento, ficou especialmente prejudicado o serviço de Hemodinâmica do complexo hospitalar, que chegou a atender 25 pacientes por dia e hoje só ajuda cerca de quatro pessoas por semana.
Também a pesquisa universitária está ameaçada. O CNPq só possui verbas para pagar 104 mil bolsas de pesquisa até setembro. Para o resto do ano, não há mais dinheiro em caixa. E esse número de bolsas é inferior às 138 mil bolsas financiadas pelo órgão no país no ano passado. Mas o presidente do CNPq, Mario Neto Borges, nega que tenham sido cortadas bolsas ou que tenham sido vetados novos pedido de financiamento. “Pode cortar o salário do presidente do CNPq, mas não vamos cortar bolsas”, afirmou ao EL PAÍS.
O CNPq precisa de R$ 500 milhões para encerrar 2017 sem deixar de pagar nenhum bolsista. Borges fez uma reunião com o ministro de Ciência, Tecnologia e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD), para pedir que a equipe econômica libere essa verba. “Kassab falou que vai fazer uma reunião com a área econômica para colocar esse cenário e se diz confiante de que vai convencê-los de que esse valor deve ser liberado, mesmo que seja mês a mês. Não temos plano B, mas estou confiante de que vamos conseguir”, afirmou o presidente do órgão.
O secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, monitora diariamente as despesas do governo federal e não tem dúvida. Para ele, não há nenhuma prioridade de Temer em alcançar bons resultados fiscais. “A prioridade de Temer é a salvação da própria pele. Isso torna a situação muito volátil”, afirma. “Nesse momento de fragilidade política, se avolumam pressões orçamentárias ao presidente e ele acaba cedendo a várias delas”, acrescenta. O custo da sobrevivência de Temer, como se percebe, já passou dos R$ 14 bilhões.