Na noite de sexta-feira (20), Ágatha Felix, de apenas 8 anos, voltava para casa com sua mãe em uma van no Complexo do Alemão, conjunto de favelas do Rio de Janeiro. Infelizmente, a menina nunca chegou ao seu destino. Um tiro de fuzil, efetuado por um policial militar, atingiu Ágatha, que não resistiu e morreu horas depois no Hospital Getúlio Vargas. A garota foi a quinta criança morta por bala perdida neste ano no Rio das 16 atingidas neste ano.
Até o fim de agosto, o Rio de Janeiro registrou 1.249 mortes pela polícia, um aumento de 16% em relação a 2018. A estatística evidencia uma política de extermínio promovida por Jair Bolsonaro (PSL) e por Wilson Witzel (PSC), governador do estado. Essa ‘metodologia de execução’ também é defendida pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, que pretende dar “licença para matar” aos policiais. O pacote “anticrime” do ex-juiz favorece a impunidade aos agentes de segurança acusados de excessos, como agressões e assassinatos, durante operações.
Em entrevista à Agência PT, Wadih Damous, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, afirmou que o presidente e seu ministro trabalham juntos para validarem a matança: “O Bolsonaro prega a violência policial e a legitimação de qualquer ação policial que signifique matança e opressão sobre a população preta e pobre das cidades brasileiras. O Moro tenta dar a base teórica e legal a isso, dando carta branca aos policiais para matarem, para que eles não sofram penalidade da justiça”.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, se pronunciou pela primeira vez sobre a morte de Ágatha na tarde desta segunda (23), 72 horas após o crime. Witzel culpou o crime organizado pelo assassinato, ignorando o fato que o disparo foi feito por um policial militar. Mesmo com o número recorde de mortes por policiais, o governador declarou que a política de segurança pública apresenta “resultados de forma satisfatória”. Para piorar, ele defendeu o pacote anticrime de Moro, o mesmo que prevê reduzir a responsabilidade de agentes por mortes semelhantes.
Legítima defesa?
O projeto de Moro já sofreu inúmeras derrotas no Congresso e foi mais uma vez criticado, após o assassinato no Rio. O texto da proposta amplia o excludente de ilicitude, podendo reduzir ou até mesmo excluir a pena se o excesso policial “decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”, incorporando essas situações ao entendimento de legítima defesa.
No caso de Ágatha, moradores da região afirmaram que não havia confronto na favela e os policiais atiraram na direção de uma motociclista que ignorou ordem de parar. Entretanto, os agentes de segurança alegaram que efetuaram o disparo após sofrerem ataques de suspeitos. Ou seja, o projeto de Moro protegeria os policiais da merecida punição pela morte da menina.
Para Damous, que foi deputado federal no Rio de Janeiro, a culpa não é só da Polícia Militar: “O Witzel pode e deve ser responsabilizado por mortes como a da menina Ágatha. Entidades, como a OAB, devem responsabilizá-lo no tribunal penal internacional por crimes contra a humanidade. Não vai ser difícil tipificar isso, ele aparece em vídeos estimulando a matança, aplaudindo policiais que matam. Ele prega abertamente a matança de preto e pobre no estado”.
“Lei do abate de pobres”
Diversos especialistas e entidades já denunciaram o pacote “anticrime” do atual ministro da Justiça. A advogada Eleonora Nacif, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), avalia que o projeto é “uma grande enganação”: não contribui para fortalecer a segurança pública, não ajuda a reduzir os crimes violentos nem favorece o combate à corrupção.
O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo (Condepe), afirmou que “a proposta do ministro de ampliar as excludentes de ilicitude legitima as execuções e extermínios praticados por policiais, seguranças, militares do exército”. Castro Alves também avaliou que o pacote é “uma verdadeira lei do abate de pobres’”.
Resistência do Congresso e apoio de Bolsonaro
As inadequadas mudanças sugeridas por Moro enfrentam resistência no Congresso. Neste domingo (22), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), escreveu em post nas redes sociais, que defende “uma avaliação muito cuidadosa e criteriosa sobre o excludente de ilicitude que está em discussão”, referência a um dos pontos da proposta.
Como era de se esperar, Bolsonaro é um dos poucos defensores da ampliação do excludente de ilicitude. Em entrevista no início de agosto. Jair expressou o desejo de dar “retaguarda jurídica para as pessoas que fazem a segurança. O pessoal tem que usar aquela máquina que tem na cintura, ir para casa e, no dia seguinte, ser condecorado, não processado”, prosseguiu, legitimando a política de extermínio.
Da Redação da Agência PT de Notícias, com informações de O Globo