Prometido para aliviar o trânsito da capital, anel viário só deve ser concluído em 2026, vinte anos depois do prazo inicial
Iniciado em 1998, durante o governo Mário Covas, o Rodoanel Mário Covas entra na reta final com a inauguração do penúltimo trecho prevista para esta segunda-feira (22). Concebido como a principal solução logística para retirar o tráfego pesado das marginais Tietê e Pinheiros, o projeto atravessou quase três décadas marcado por atrasos, acidentes graves, investigações de corrupção e sucessivas revisões de prazo e custo.
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Quando estiver totalmente concluído, o Rodoanel terá 176 quilômetros de extensão, divididos em quatro trechos: Oeste, Sul, Leste e Norte. O cronograma original previa a entrega integral até 2006, em apenas oito anos. A previsão atual do governo estadual é encerrar as obras somente no fim de 2026, quase vinte anos depois do prometido, após uma sequência de paralisações, aditivos contratuais e disputas administrativas.

Ao longo desse período, a obra acumulou episódios que expuseram fragilidades técnicas e de gestão. Em novembro de 2009, o desabamento de três vigas de um viaduto em construção no Trecho Sul atingiu veículos na Rodovia Régis Bittencourt e deixou feridos. Laudos técnicos apontaram falhas no travamento provisório das estruturas, provocando um efeito em cadeia. No mesmo ano, um operário morreu após cair em uma máquina cimenteira em um canteiro próximo a Itapecerica da Serra, reforçando questionamentos sobre as condições de segurança durante a execução da obra.
Além dos acidentes, o Rodoanel tornou-se um dos maiores símbolos das investigações sobre corrupção em grandes obras públicas no estado. Ao longo dos anos, apurações envolveram suspeitas de superfaturamento, fraudes em licitações, formação de cartel entre empreiteiras, lavagem de dinheiro e pagamento de propinas. No Trecho Sul, denúncias indicaram repasses ilegais vinculados a campanhas eleitorais e a contratos firmados com grandes construtoras. No Trecho Norte, investigações apontaram desvios estimados em centenas de milhões de reais a partir de aditivos contratuais assinados após a licitação original. Em nenhum dos casos houve condenações definitivas até o momento.
O empreendimento também deixou passivos menos visíveis. Em Carapicuíba, peças arqueológicas encontradas durante as escavações motivaram a construção de um museu, que anos depois foi encontrado abandonado, gerando investigação sobre o destino do acervo e a responsabilidade pela manutenção do espaço.
Mais recentemente, o Rodoanel voltou ao noticiário por um episódio policial que paralisou o tráfego por quase cinco horas. Uma carreta atravessada na pista, com suspeita de explosivo e motorista encontrado com as mãos amarradas, mobilizou equipes especiais. Dias depois, a própria investigação concluiu que o caso havia sido forjado pelo condutor, expondo falhas de segurança e impacto operacional em uma das principais vias logísticas do país.
A entrega do primeiro segmento do Trecho Norte, com 26 quilômetros, é tratada pelo governo estadual como um marco para a conclusão definitiva do projeto. Ainda assim, especialistas em mobilidade e gestores públicos reconhecem que os benefícios esperados, como a redução estrutural do trânsito pesado na capital, foram parcialmente absorvidos pelo crescimento da frota e pela expansão urbana desordenada ao longo das últimas décadas.
De oito para 30 anos
Do projeto original ao custo real, o Rodoanel atravessou quatro governos estaduais, múltiplas revisões contratuais e investigações sobre aditivos bilionários. Concebido para ser concluído em oito anos, tornou-se uma obra de quase trinta, levantando questionamentos recorrentes sobre planejamento, controle de gastos e transparência na execução de grandes projetos de infraestrutura em São Paulo.




