O governo Michel Temer (PMDB),que completou um ano no mês de maio tem a legitimidade colocada em questão, segundo o Cientista Político Wagner Romão. Nessa entrevista concedida ao Jornal Local, o cientista da Unicamp faz uma análise do cenário da política Brasileira, após a onda de novas denúncias contra o presidente.
Como o senhor vê o atual cenário político no Brasil?
Há dois aspectos que colocam a legitimidade do governo em questão: Primeiro que o processo de impeachment é bastante questionável e a legitimidade do próprio Congresso e pelas próprias perspectivas e opiniões que coloca o governo com pouca credibilidade. A Lava-Jato põe uma boa parte da classe política sob suspeita, e parte do governo também, no caso, os parlamentares e ministros. O governo vive uma situação de antecipação sob a candidatura da presidência da república. No governo de Temer, há carência e falta legitimidade nas reformas que estão sendo implantadas de forma agressiva afetando grande parte da população. A prática desta política é ruim para a nossa democracia, pois compromete a legitimidade também dessas reformas.
Quais as mudanças políticas que vão acontecer no Brasil depois da Lava-Jato? Haverá uma nova maneira de se fazer política?
Depois da Lava Jato haverá uma mudança do sistema eleitoral, do veto empresarial, mas ainda há a necessidade de restringir o financiamento de campanha da pessoa física, diminuindo o teto para campanhas eleitorais. Mesmo vetado o financiamento de empresas, as pessoas físicas podem usar 10% do seu imposto de renda, sendo assim doadores de campanha com maior poder econômico poderá financiará um valor mais alto. A Lava Jato pode causar uma mudança no financiamento de campanhas eleitorais.No meu entendimento há necessidade de mais estímulo na transparência, para que não fique restrita a esses grandes carteis – entre setor público e privado – essa relação deve ser objeto da luta por mudança.
O que o senhor considera como fator mais agravante na operação Lava Jato?
Essa elevação promiscua entre setor público e privado, não se refere a apenas um sistema político. Tem que olhar a Lava Jato não apenas como operação que vai punir quem tenha feito coisa errada, mas de forma sistêmica, muito mais ampla. Não se trata de exceções, mas da regra de como se davam a relações entre setor político, público e privado.
No seu entendimento, como que se acaba com a corrupção? Como ela começa?
Acabar com a corrupção é um sonho, é muito difícil que a gente consiga eliminar por completo, precisa de mais instituições de transparência, controle e acho que temos evoluído muito no Brasil. O fato dessas investigações estar vindo à tona indica que nós avançamos na cultura de transparência, controle, de tornar público os esquemas que caracterizaram a vida politica no Brasil. Não é uma característica só do país, e seria um grande erro achar que nada aconteceu no país, é um engano. Hoje ocorre um processo de maior transparência, de atuação na investigação. A corrupção fica mais visível. A Controladoria-Geral da União (CGU) é um órgão muito recente, inclusive a cultura da transparência, controle e gastos públicos.
Os partidos que estão no poder precisam fazer acordos para poder governar,como é o caso de alguns deputados, que só aprovam projetos do governo se receberem propinas ou negociação de cargos para o partido. O que o senhor acha que deve ser feito para mudar esse modelo?
A única forma para mudar esse modelo é o relacionamento entre Executivo e Legislativo, mas sempre haverá uma relação de negociação e de barganha. O povo precisa exigir dos políticos que essa relação se de como proposta. A negociação tem que ser mais em torno das ideias, do que em troca de cargos e benefícios financeiros.
O senhor acha que a direita no Brasil e no mundo querem tomar o poder a qualquer preço? Ou é só teoria da conspiração? Qual sua visão sobre o assunto?
As forças conservadoras vão sempre buscar politicas para buscar poder, assim como forças progressistas e de esquerda. Se a coisa for dentro da regra do jogo democrático, a questão se coloca nesses termos de debates de ideias, faz parte da democracia.
Nós temos momentos da história que prevalecem posições mais progressistas, como na América latina, na Europa na década de 50, mesmo nos EUA, vocês tem mais governantes progressistas, como também há períodos de governantes mais conservadores.
O PT esteve 13 anos no governo, infelizmente esse período terminou pelo impeachment,porque basicamente houve uma crise econômica de grandes proporções, e havia uma memória por crise econômica e corrupção que se colocou com muito peso sobre o PT. Então, a Lava Jato expandiu suas investigações e se descobriu que a corrupção também era corriqueira de outros partidos.
Há uma relatividade grande em relação ao posicionamento do eleitorado. Parece que há um sentimento de que o governo do Lula foi um bom governo, e que maioria das pessoas acabam votando a partir de conquistas claras e definidas, independente de partido, mais ou menos corrupto participante desse sistema. Tem que esperar um tempo para um diagnóstico mais claro.
Quais os interesses econômicos e políticos dos americanos nesse “caos” enfrentado pelo Brasil?
Os setores de petróleo, gás, carne e construção civil acabam sendo enfraquecidos pelas investigações, embora não há clareza nessas intervenções, mas os Estados Unidos são beneficiados no enfraquecimento do capital brasileiro. Acredito que há o interesse.
O senhor considera a postura do juiz Sérgio Moro, autoritária em relação ao ex-presidente Lula e relapsa aos políticos do PSDB citados na operação Lava Jato?
Há grande indicio de mal feitos, buscar os culpados, o juiz não pode ser parcial, não pode escolher aquele que vai punir se tratando de política. Teori Zavascki já indicava isso, não pode promover situações que vá se entender com políticos, e parece que não fez isso com políticos do PT. Essa postura traz uma desconfiança, que ele não vai duro com outros políticos, julgando com o mesmo rigor, mas sem avançar acima das leis.
A Lava Jato vai acabar com a corrupção?
Não, mas pode ajudar. A Lava Jato trouxe a questão da corrupção com muita força e cabe à sociedade exigir de políticos mudanças nas instituições e controlar mais a corrupção no país. Não acontecerá a extinção da corrupção Brasil e nem em outros países, mas seria o legado em criar instituições habilitadas para exercer transparência e controle.
A sociedade brasileira vai se manifestar mais depois da Lava Jato? Vai mudar o jeito como vê a política?
Desde os anos 80 aumentou a proporção de pessoas que se interessam pela política. A redemocratização da sociedade vem tomando pé, e vem contribuindo para o controle desse tipo de prática da ditadura militar. Quando a ditadura estava perdendo o controle, casos de comissão parlamentar de inquéritos,e outros vieram à tona.As coisas não acontecem do zero, a participação popular, controle do estado, conselhos de fiscalização, a lei de responsabilidade fiscal, o Plano Diretor, que é um instrumento de controle muito importante de participação popular, além dos avanços da Lei de Acesso à Informação. A sociedade civil está mudando, por um lado, está cada vez mais criteriosa na buscado controle de seus representantes, mas por outro lado, o processo amadureceu muito durante esse período de 40 anos.
Dá para saber como serão as eleições de 2018? Quais os nomes que o senhor considera como possíveis candidatos à presidência? E quais as chances de ganhar?
Está muito cedo ainda para ter um quadro mais claro sobre os possíveis candidatos à presidência, mas há no momento o ex-presidente Lula, tanto para eles que acham que ele fez um bom governo, ou para aqueles que não acreditam na sua inocência e querem vê-lo na cadeia, é o personagem central, que polariza as opiniões hoje.
Há aspectos de enfraquecimento de personagens dentro do sistema politico nos partidos do PSDB e PMDB, que não tem candidatos competitivos. O aparecimento da Marina Silva, Bolsonaro, e João Dória podem ser optados por aqueles, que tenham dificuldades de achar um politico mais tradicional, e acabam escolhendo aqueles, que têm aversão do governo atual.
Quais as perspectivas se acontecer eleições diretas ou indiretas?
Temos que assegurar e garantir que as eleições aconteçam em 2018, embora alguns poderes vão tentar barrar a sua realização. Espero que não venham com alterações externas, eque se cumpra a Constituição e o povo decida quem vai ser presidente.O impeachment da ex-presidente Dilma (PT) passou longe de provar que ela era corrupta, muitos deputados e senadores avaliaram pelo conjunto da obra. Nós vivemos hoje uma situação de regime politico de um governo ilegítimo. Para que a gente possa voltar à normalidade democrática, é preciso que as eleições ocorram, e queos partidos políticos e candidatos possam participar do processo eleitoral com regras claras.
E sobre os atuais acontecimentos que podem tirar Temer do poder?
Há uma expectativa grande da classe política no Congresso Nacional, e do próprio poder econômico, que tendem a perder com esse prolongamento da crise política, que reforça a crise econômica. Há uma expectativa da cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pela cassação da chapa Dilma-Temer, e com isso espera que se resolva a questão do Temer como Presidente da República, fragilizado pelas delações. Então, é possível que realmente haja essa cassação no âmbito do TSE. Todas as indicações eram pela cassação da chapa, e o debate que vinha sendo feito entre o TSE, e os meios de comunicação, seria a separação de penalidade somente para Dilma, sem penalizar o Temer, o que garantia sua permanência do mandato. Essa disputa possivelmente será perdida pelo presidente nessa nova conjuntura política. Os ministros do TSE provavelmente vão, se for impugnar, cassar a chapa toda.
Portanto, o que está em discussão hoje é o nome que vai substituir Temer numa eleição direta, prevista constitucionalmente, mas provavelmente não passará a emenda constitucional, para as eleições diretas, Há uma pequena possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal entenda que com a cassação do mandato da Dilma e do Temer haja a necessidade de eleições diretas. Pessoalmente acredito que vai acabar pelas eleições indiretas, até porque, o atual Congresso não vai abandonar a sua prerrogativa constitucional de eleger o presidente desse mandato “tampão”.