Abro esse artigo divergindo dos meus colegas que defendem que a prisão do ex-presidente Bolsonaro deve ocorrer apenas após o trânsito em julgado de sentença condenatória.
Acredito, como já escrevi aqui no 247, que a sua prisão preventiva é necessária e urgente, para manutenção da ordem pública; cabe ao Estado-Juiz evitar que Bolsonaro siga cometendo crimes, seja no curso das investigações, seja durante processo criminal., pois, é evidente que ele não desistiu do golpe, todos os movimentos e declarações indicam que ele segue desqualificando e deslegitimando as instituições, os poderes e seus representantes.
As instituições e os poderes não podem tolerar a intolerância representada e vocalizada pelo capitão reformado e pelo seu bando.
Não podemos esquecer que Bolsonaro busca um golpe faz tempo e não desistiu.
Lembremos que o ex-presidente passou mais de quatro anos desqualificando todas as instituições, todos os ganhos civilizatórios que a redemocratização trouxe ao país; ameaça o STF e os ministros daquela corte (a manifestação de 25 de fevereiro é uma ameaça velada); descredibilizou o TSE e as urnas eletrônicas; além de haver declarado, pelo menos uma vez, que se chegasse ao Planalto “daria o golpe no dia seguinte”, porque “nada se resolve no voto”; esse senhor levou à Politica a sua visão deletéria e, associado aos mercadores da fé, parte não ética do mercado e a militares de formação duvidosa, transformou um bando de desqualificados em vereadores, deputados, senadores, prefeitos e governadores, transformando, muito especialmente, o congresso nacional num circo de horrores; esses eleitos “na onda do capitão”, como se fossem bonecos de ventríloquo, falam por Bolsonaro e esses discursos são devastadores para a democracia.
Golpistas em 1964 e Heróis em 2022 – Feita essa ressalva, ou provocação, passo a avaliar o papel do General Freire Gomes e do Brigadeiro Baptista Junior na tentativa de golpe de Estado, preparada e tentada por Bolsonaro desde muito antes das eleições de 2022 e defender que ambos portaram-se como heróis, pois, todo ser humano que executa ações excepcionais, com coragem e bravura, com o intuito de solucionar situações críticas, tendo como base princípios morais e éticos deve ser considerado um herói.
Os testemunhos à Polícia Federal não deixam dúvidas, Freire Gomes e Baptista Junior, apesar de não nutrirem simpatia pela esquerda ou por Lula, escolheram a legalidade e reagiram com inteligência e bravura no enfrentamento a Bolsonaro e seu bando, isolaram o comandante da marinha, que aderiu ao golpe.
Jango não teve um Freire Gomes, nem um Baptista Junior – O presidente João Goulart não teve ao seu lado militares legalistas, apenas golpistas.
Os fatos ocorridos a partir do amanhecer de 1º de abril de 1964 são os seguintes: Jango estava no Rio de Janeiro quando recebeu a informação de que unidades revoltosas do Exército estavam marchando rumo ao Rio para depô-lo; depois chegou a notícia de que um contingente do Primeiro Exército, sediado no Rio, que foi enviado para interceptar os revoltosos, aliou-se aos golpistas.
No Rio os fuzileiros navais, que deveriam agir contra Carlos Lacerda, adversário de Jango, também aderiu ao golpe.
Jango procurou apoio junto ao General Amaury Kruel – comandante do Segundo Exército com sede em São Paulo e inimigo de Castelo Branco, um dos líderes do golpe -; pediu que Kruel continuasse leal ao governo, mas o comandante do segundo exército condicionou o apoio ao rompimento de Jango com o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), em tese liderado por comunistas, e cuja proximidade ao governo os golpistas não aceitavam. Mas Jango, leal à sua origem trabalhista, objetou, então o General Amaury Kruel disse: “Então senhor Presidente, não há nada que possamos fazer”.
Cinquenta e oito anos após esse encontro entre Jango e o General Kruel, outro presidente, agora Bolsonaro, pediu a outro general, agora comandante do Exército, apoio para um golpe de estado, com um leve verniz de legalidade, mas, de forma heroica, o general Gomes Freire reagiu negando qualquer apoio do Exército à intentona golpista.
O Brigadeiro Baptista Junior, que também rechaçou qualquer apoio ao golpe em curso, revelou em seu depoimento que Gomes Freire advertiu Bolsonaro sobre o crime que representa “tentar” um golpe de Estado e que o general afirmou que o prenderia se ele seguisse com a tentativa de golpe. Que fique claro: o golpe estava em marcha, não se tratava mais de preparação.
Voltando a 1964. – Sem apoio do Exército em Minas Gerais, Rio e São Paulo o presidente, ainda no dia 1º de abril, voou para o Rio Grande do Sul e encontrou-se com o comandante do Terceiro Exército, que ainda não havia aderido ao golpe (e onde o então deputado federal Leonel Brizola bradava, de forma radical demais para o momento, apoio e resistência civil; Jango não apoiava a iniciativa de Brizola). Contudo, em 2 de abril o Terceiro Exército aderiu ao Golpe.
Apesar de os americanos terem autorizado o envio de armas e munições, aviões de caça, porta-aviões, helicópteros, petroleiros, tripulação e armamento completo, entre vários outros suportes; apesar de todo apoio da representação diplomática estadunidense, apesar de o embaixador Lincoln Gordon e seus auxiliares estarem atentos a tudo que acontecia; apesar das diligências do assessor de Segurança Nacional, McGeorge Bundy, que monitorava todos os passos e a comunicação do presidente; apesar dos anos de campanha publicitária do IBAD e do EPES, que formou opiniões contra Jango e suas reformas, o que garantiu o golpe de 1964 foi a presença do Exército brasileiro, sem o apoio do Exército não teria havido golpe em 1964.
Por isso acredito em 1964 o Exército e seus comandantes passaram para a História como golpistas; mas em 2002, o Exército e a Aeronáutica, o General Freire Gomes e o Brigadeiro Baptista Junior, dadas as circunstâncias, devem ser tratados por todos os democratas como heróis.
Essas são as reflexões que submeto às democráticas divergências.
Pedro Benedito Maciel Neto, 60, advogado e sócio da www.macielneto.adv.br – pedromaciel@macielneto.adv.br