Nova versão do projeto apresentada pelo relator Guilherme Derrite mantém pontos que enfraquecem a PF e desfiguram o texto técnico enviado pelo governo Lula, segundo parlamentares e especialistas
Por Sandra Venancio – Jornal Local
Mesmo após recuar da tentativa de retirar competências da Polícia Federal (PF) nas investigações contra o crime organizado, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP) voltou a ser alvo de críticas ao apresentar a quarta versão do relatório do PL 5.582/2025, conhecido como PL Antifacção. O texto, segundo integrantes do governo e da base aliada, mantém dispositivos que reduzem a capacidade financeira e operacional da PF, desviando recursos que seriam destinados ao órgão.
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O projeto foi originalmente proposto pelo governo Lula com o objetivo de centralizar e fortalecer o enfrentamento às facções criminosas, garantindo agilidade no bloqueio de bens e no combate às estruturas financeiras do crime. No entanto, a nova redação do relator — um ex-secretário de Segurança Pública alinhado ao bolsonarismo — tem sido descrita por parlamentares como uma tentativa de enfraquecer o eixo federal da política de segurança.

“A proposta desfigura o projeto original do Executivo”
O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), foi um dos mais duros críticos da nova versão. Em nota divulgada nas redes sociais, ele afirmou que o substitutivo de Derrite “mantém vícios estruturais graves” e “descapitaliza o principal órgão de coordenação nacional, a Polícia Federal”.
Segundo Lindbergh, o texto esvazia a política de descapitalização das facções criminosas, prevista no projeto original, ao eliminar instrumentos que permitiam o bloqueio imediato de bens ilícitos. Em seu lugar, Derrite teria criado mecanismos mais lentos e dispersos, abrindo brechas jurídicas que beneficiam grupos criminosos.
“O substitutivo inventa categorias sem fundamento legal e retira a espinha dorsal do projeto. Ao desviar recursos da PF, Derrite compromete a eficiência do combate às organizações criminosas e desmonta o espírito da PEC da Segurança Pública”, declarou o petista.
Divisão de fundos preocupa governo
A principal controvérsia gira em torno do financiamento das operações federais. Derrite modificou os dispositivos sobre o destino de bens apreendidos em ações contra o crime organizado. Pela nova proposta, os valores obtidos seriam divididos entre os estados e o Distrito Federal, enfraquecendo o Fundo de Aparelhamento da PF (Funapol).
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, alertou que o texto pode esvaziar completamente os fundos federais.
Atualmente, parte dessas verbas é destinada ao Fundo Nacional Antidrogas (Funad), que financia ações da PF no combate ao tráfico e à lavagem de dinheiro. Técnicos do Ministério da Justiça defendem que o modelo anterior, com centralização federal dos recursos, garante maior controle e eficiência nas investigações interestaduais.
Conceito de “organização ultraviolenta” divide juristas
Outro ponto polêmico é a tentativa de Derrite de redefinir o conceito de facção criminosa. O novo texto introduz o termo “organização criminosa ultraviolenta”, abrangendo milícias, grupos paramilitares e quadrilhas armadas. No entanto, a expressão não foi tipificada como crime, e o relator manteve o termo “domínio social estruturado” para caracterizar as condutas.
Especialistas em direito penal avaliam que o conceito é vago e sem base jurídica sólida, podendo dificultar a aplicação da lei. “A legislação brasileira já prevê instrumentos claros para o enfrentamento das organizações criminosas. Criar novas categorias sem rigor técnico apenas gera confusão e insegurança jurídica”, afirma um procurador ouvido pela reportagem sob reserva.
Pressão política e adiamento da votação
Mesmo com o relatório pronto, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), atendeu a pedidos de adiamento da votação, diante das divergências entre governo e oposição. O texto agora deve ser apreciado na próxima terça-feira (18).
Nos bastidores, governadores e bancadas conservadoras defendem maior autonomia estadual na gestão dos recursos, enquanto a equipe do Ministério da Justiça insiste na coordenação nacional das ações contra o crime organizado, sob liderança da PF.
O impasse reflete uma disputa mais ampla: quem comandará a política de segurança pública no país — o governo federal ou os estados.
Análise: Um projeto que virou campo de batalha político
O PL Antifacção, que nasceu como uma proposta técnica para atacar o núcleo financeiro das facções, tornou-se uma arena de embate entre forças políticas opostas. O texto de Derrite, segundo analistas, substitui a estrutura de cooperação federal por um mosaico descentralizado, o que pode beneficiar grupos locais e enfraquecer o controle nacional.
Para o governo, trata-se de uma tentativa de fragmentar a autoridade da Polícia Federal e subordinar o combate ao crime a interesses regionais e políticos.
Para a oposição, o governo quer concentrar poder em Brasília e restringir a autonomia dos estados.
No meio dessa disputa, o país aguarda uma legislação capaz de enfrentar o crime organizado sem comprometer a integridade institucional da PF — e sem transformar o combate às facções em mais um braço da guerra ideológica no Congresso.




