Ação da PF e CGU atinge aliado do governador Tarcísio de Freitas e ocorre no mesmo momento em que o deputado bolsonarista Guilherme Derrite tenta limitar o poder da corporação no combate ao crime organizado
Por Sandra Venancio
A Polícia Federal deflagrou, nesta quarta-feira (12), uma operação de busca e apreensão em endereços ligados a Mário Botion, diretor da Secretaria de Governo do Estado de São Paulo e ex-prefeito de Limeira, na região de Campinas. Botion, que era responsável pela articulação de convênios e repasses a municípios, pediu exoneração poucas horas após a ação.
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A ofensiva integra a Operação Coffee Break, conduzida em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), e apura fraudes em contratos de fornecimento de material didático para prefeituras. Segundo nota oficial, os agentes cumpriram 50 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Paraná e Distrito Federal.

Durante as diligências, a PF encontrou R$ 2,1 milhões em espécie em um dos imóveis ligados ao ex-prefeito. A investigação também abrange empresas de Sumaré e Hortolândia, que teriam participado do esquema por meio de licitações superfaturadas.
“As investigações apontaram indícios de crimes contra a Administração Pública, incluindo fraude em licitação, corrupção ativa e passiva, além de superfaturamento e tráfico de influência”, informou a CGU em nota.
Homem de Kassab e aliado de Tarcísio
Botion foi nomeado diretor de Convênios do escritório regional da Secretaria de Governo em 31 de julho deste ano, por indicação do núcleo comandado pelo secretário Gilberto Kassab. Sua função envolvia a mediação de transferências de recursos estaduais a prefeituras da região metropolitana de Campinas.
Na Justiça paulista, o ex-prefeito responde a duas ações de improbidade administrativa, ambas relacionadas a contratos públicos firmados durante sua gestão em Limeira. Nenhuma das ações teve decisão definitiva até o momento.
O caso reacende questionamentos sobre a estrutura de convênios e repasses regionais do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), frequentemente usada como instrumento político para negociação com prefeitos e lideranças locais.
Derrite e o cerco à Polícia Federal
A operação ocorre na mesma semana em que o secretário de Segurança Pública licenciado, Guilherme Derrite (PP-SP), reassumiu seu mandato na Câmara dos Deputados para relatar o PL 5.582/2025, o chamado PL Antifacção.
Derrite tentou incluir no projeto dispositivos que retiravam da Polícia Federal a competência para investigar facções criminosas nos estados, transferindo a responsabilidade às polícias locais — o que, na prática, blindaria administrações estaduais de apurações federais, como a que atingiu o governo Tarcísio.
Após intensa reação do Planalto e da própria bancada governista, o parlamentar recuou parcialmente, mas manteve alterações orçamentárias que reduzem o financiamento da PF, esvaziando os fundos que sustentam operações de grande porte.
“É simbólico: enquanto Derrite tenta descapitalizar a PF, o governo do qual faz parte é alvo de uma operação federal por suspeita de organização criminosa”, avalia um integrante do Ministério da Justiça ouvido pela reportagem.
Crimes e contradições
Segundo comunicado oficial da PF, os investigados poderão responder por corrupção ativa e passiva, peculato, fraude em licitação, lavagem de dinheiro, contratação direta ilegal e organização criminosa.
A referência expressa à organização criminosa operando dentro do governo paulista acentuou o constrangimento político para Tarcísio, que tenta preservar a imagem de gestor técnico enquanto mantém em seu entorno ex-prefeitos, ex-policiais e aliados bolsonaristas sob suspeita.
O caso Coffee Break reforça a tensão institucional entre o governo paulista e a Polícia Federal. Se a proposta de Derrite prosperasse, a corporação ficaria impedida de investigar esquemas desse tipo em administrações estaduais, deixando o controle das apurações nas mãos das próprias polícias locais — frequentemente subordinadas a interesses políticos.
Repercussões políticas
Nos bastidores da Assembleia Legislativa e do Congresso, o episódio é tratado como mais um golpe à imagem de moralidade pública que Tarcísio tenta projetar. O envolvimento de um ex-prefeito de sua base, somado às investidas de Derrite contra a PF, aproxima o governo paulista do epicentro das crises éticas que marcam o bolsonarismo desde 2019.
Em nota enviada à imprensa, o governo de São Paulo limitou-se a afirmar que “colabora com as investigações e repudia qualquer irregularidade”.
Enquanto isso, na prática, a Polícia Federal — a mesma que o grupo de Derrite tentou enfraquecer — volta a expor as rachaduras internas de um governo que se apresenta como técnico, mas se mostra politicamente contaminado por práticas herdadas do bolsonarismo de gabinete.




