A política econômica herdada do segundo mandato de FHC e mantida pelo atual governo se apóia em um tripé: manutenção de altos superávits primários, câmbio flutuante e regime de metas inflacionárias.
O compromisso com superávits primários da ordem de 4% a 5% do PIB sinaliza ao mercado que o Brasil tem estrutura fiscal e tributária suficientes para honrar com suas obrigações financeiras internacionais, mesmo em anos de baixo crescimento do PIB e apesar dos enormes sacrifícios gerados por esta opção.
O regime de câmbio flutuante administrado indica que a taxa de câmbio absorve variações no equilíbrio entre oferta e demanda de dólares no mercado interno. A flutuação do Real também ajuda a compensar diferenças inflacionárias e de produtividade entre a economia brasileira e a de seus parceiros comerciais.
O regime de metas inflacionárias, definido pelo Conselho Monetário Nacional e administrado pelo Banco Central através dos mecanismos de política monetária (recolhimento compulsório, taxa de redesconto e operações de open-market) e da fixação da meta de taxa Selic, mostra que o governo tem instrumentos para recorrer, quando necessário.
Através da condução desses três instrumentos (superávit primário, câmbio flutuante e regime de metas inflacionárias) o governo toma suas principais decisões sobre política econômica. O problema é que o sistema econômico é como um organismo vivo, qualquer ação positiva pode gerar uma reação colateral negativa. Então, antes de se tomar uma decisão, é importante ter presente as conseqüências que ela poderá trazer.
O regime de câmbio “flutuante”, se bem administrado, permite alcançar superávits na balança comercial, o que leva a um aumento no volume de reservas em moeda forte e que por sua vez ajuda a diminuir a exposição cambial e sua conseqüente volatilidade. A estabilidade cambial é condição necessária para se atrair investimentos diretos estrangeiros (ninguém investe em uma moeda que não se sabe quanto valerá amanhã), que se bem direcionados por uma política competente de desenvolvimento, contribuem para solucionar os gargalos de infra-estrutura, que impedem que o País tenha um crescimento contínuo sem pressão inflacionária.
O superávit primário dá condições para a redução da relação dívida-PIB, que é um dos indicadores determinantes na composição do risco-país. A redução do risco-país ajuda na atração de investimento direto estrangeiro e diminui o custo da dívida externa.
Como vimos acima, tudo está interligado. Quando se mexe em um ponto, vários outros são afetados. O entendimento dessa inter-relação é fundamental para que se possa construir uma rota de crescimento de longo prazo.
Ocorre que o governo fixou uma meta de inflação muito rigorosa para 2005 (IPCA de 5,1%), tendo em vista que a maior parte do índice de inflação é composto por preços administrados por contrato e por preço de commodities. Os preços administrados dependem da inflação passada no atacado e as commodities dependem de sua cotação internacional. Para ter uma idéia, nos últimos 12 meses o IPCA foi de 8,07%, e o IGP-DI, indexador da maioria dos preços administrados foi de 10,22%. Para que o IPCA feche o ano em 5,1%, precisaríamos ter uma média de 0,29% ao mês nos próximos 8 meses.
Para conseguir cumprir a meta de inflação, o governo tem subido os juros básicos da economia, que chegou na última reunião do Copom a 19,75%. Como a expectativa de mercado para a inflação nos próximos 12 meses está em 5,46%, os juros reais alcançam 13,55%. Juros reais deste porte aumentam o custo da dívida pública, reduz a atividade econômica, aumenta o desemprego, reduz a renda média do trabalhador e atrai muito capital especulativo estrangeiro. A atração excessiva de capital leva o real a se valorizar frente à moeda americana. Valorização do real encarece nossos produtos no mercado internacional e dificulta a atividade exportadora. Como resultado, o saldo de nossa balança comercial tende a cair. Menor saldo da balança comercial e maior déficit na balança de serviços prejudicarão os resultados da balança de conta correntes e tornarão a economia brasileira mais dependente do capital internacional. Com isso o risco país tenderá a subir e então retornaremos à trajetória do círculo vicioso.
Para evitar que entremos de novo nesse círculo vicioso, o governo deve flexibilizar sua política de metas inflacionárias, expurgando os choque de oferta do cálculo de inflação, aumentando o prazo de 12 meses para 24 ou 36 meses ou esticando o intervalo de variação em torno da meta.
Há uma frase atribuída ao ex-ministro Mário Henrique Simonsen que diz: “A inflação aleija, o câmbio mata”. Esperemos que o governo Lula não queira testar a sabedoria do finado ministro.