A palavra “amor” é uma das tantas que deveriam ser usadas, apenas, no plural. Diz tanta coisa e às vezes não diz nada. Não raro, reveste-se de extrema ambigüidade e não define coisa alguma ou é mero rótulo de sentimentos que, muitas vezes, são exatamente seu antônimo. Não temos na vida “um” amor, mas “vários” amores: o por uma parceira e cúmplice que nos acompanhe a vida toda para o que der e vier e que culmine por nos proporcionar a glória da paternidade; o pelos pais e filhos; o da amizade (que é uma das suas formas mais nobres e louváveis), o por uma causa etc.etc.etc.
Todas essas manifestações de afeto, porém, têm uma característica essencial: compromisso. No caso da mulher dos nossos sonhos, fica tácita a existência fundamental da fidelidade. No dos pais e dos filhos, está implícita a mútua ajuda em toda e qualquer circunstância da vida; no da amizade, a disponibilidade de partilhar sucessos e fracassos, ajudar e ser ajudado, concordar, discordar, censurar, aconselhar e vai por aí afora.
Lutar sozinhos, por maior que seja a nossa força, por mais preparados e aptos que estejamos e por maior determinação que possamos ter, é tarefa inglória e sem sentido. Não passa de desperdício de talento e de vontade. Mesmo que atinjamos nossos objetivos, não importa quantos e quais, essas vitórias serão apenas parciais. Em vez de satisfação por elas, o sentimento que teremos será o de tédio, do vazio sem fim na alma.
Careceremos de motivação maior que nos fortaleça e nos blinde contra tropeços e fracassos. Tudo o que fazemos, sem a mínima exceção, é voltado para alguém. Queremos ser reconhecidos e até louvados, mas nossos próprios reconhecimentos ou louvores não contam: soam ocos, falsos, inúteis, senão ridículos.
Temos necessidade vital de uma alma-gêmea, para cumprirmos nosso papel no mundo e fazermos aquilo para o que fomos “programados” por Deus, através da natureza: darmos continuidade à vida. E isso, convenhamos, nunca poderemos fazer sozinhos. Ademais, nada terá sentido se não tivermos com quem partilhar alegrias, tristezas, vitórias, derrotas etc.etc.etc., ou seja, cada milímetro do nosso corpo, coração e alma, agindo, reciprocamente, em relação à parceira que nos couber.
Sozinhos, somos apenas metade de um todo. Somos incompletos. Nem sempre somos bem-sucedidos nessa implícita parceria. Podemos trocar um grande amor que se acabou por outro nascente, de igual intensidade ou, quem sabe até, mais intenso, mas não conseguimos, jamais, apagar da memória as lembranças que ele deixou.
O cheiro, a voz, o sabor dos beijos, os momentos de arrebatamento e paixão de alguém, que um dia amamos, tornam-se indeléveis, indestrutíveis, inesquecíveis impregnados em nossos corpos e mentes. Mágoas e sofrimentos podem ser (e viam de regra são) esquecidos com o passar do tempo, que tudo muda e cura todas as dores, físicas ou emocionais.
Mas as boas lembranças… estas permanecem para sempre conosco, enquanto vivermos, como nosso patrimônio pessoal. E elas não significam “traição” à nova amada, como se pode supor, pois esta, também, provavelmente, tem um acervo considerável de recordações dos seus amores anteriores (ou de fantasias amorosas, se nunca antes amou alguém). Podemos controlar pensamentos e até instintos, mas os sentimentos… são incontroláveis.
Muitas pessoas “matam” um grande amor com pequenas coisas. Ciúmes exagerados, expressados mediante palavras mordazes e ferinas e gestos ofensivos. picuinhas que consideram ofensas maiúsculas e imperdoáveis e tentativas de dominação, são alguns dos venenos que envenenam os mais sadios e estáveis relacionamentos.
Não raro, as pessoas que agem assim sequer se dão conta da gravidade dessas atitudes. Quando se apercebem… geralmente é tarde. Daí, vêm o arrependimento e um rosário de lágrimas e lamentações. Se o arrependimento matasse! O amor é caprichoso: quanto mais sólido parece ser, mais frágil, na verdade, é.
Requer permanente vigilância sobre palavras e atos e repudia mínimos gestos de hostilidade, que não condizem com a delicadeza desse sentimento. Alguns, no entanto, despencam nesse poço sem fundo da vaidade e nele só encontram absoluta falta de luz e uma solidão sem tamanho.
Todos os amores se parecem, em seu nascimento e manifestações, mas não há dois que sejam exatamente iguais. Podem até não variar em intensidade, mas se diferenciam, uns dos outros, por nuances, personalidades dos parceiros, circunstâncias e maneiras de se expressar.
Uns, são rudes, como as flores do campo e outros, sofisticados e ternos, mas em ambos a essência do sentimento está presente, viva e intensa Queiram ou não os pseudo-racionalistas, o amor é experiência única, original e transcendental na vida de cada pessoa, não importa a forma com que se manifeste.
Não me refiro, óbvio, à mera atração sexual, importante, mas que sozinha não é, sequer, arremedo desse maiúsculo sentimento. Afinal, ele não envolve apenas dois corpos que se atraem, mas pensamentos, sentimentos, experiências e vidas. Há amores tão parecidos e, no entanto, tão originais e tão únicos! Pablo Neruda escreve, a respeito, nos versos de encerramento do poema “Não somente o fogo”: “Ai, vida minha,/não apenas o fogo entre nós arde/mas toda, toda a vida, a simples história/o simples amor/de uma mulher e um homem/parecidos a todos”. Parecidos, é verdade, mas sempre originais. Todavia, reitero que o amor é multiforme. Deveria, portanto, ser, sempre, grafado no plural!!!
Pedro J. Bondaczuk