Uma das maiores aberrações do sistema constitucional brasileiro é, sem dúvida, a possibilidade de o Executivo editar Medidas Provisórias que entram em vigor de imediato e com força de lei. Sob o pretexto da urgência e da relevância (critérios extremamente subjetivos e de fácil caracterização), outorga-se ao Chefe do Executivo poderes de legislador superiores aos do próprio Legislativo, em mais uma simbiose entre poderes bastante estranha ao princípio da separação presente na Constituição da República.
Mas melhorias nesse descompasso que afeta a nossa democracia começam a ser vislumbradas. Acaba de ser aprovado, já em segundo turno no Senado, o Projeto de Emenda Constitucional 72/05. Agora, o texto segue para a Câmara. Nele estão previstas algumas mudanças substanciais no trâmite das medidas provisórias. Entre elas, a que estipula que a MP só entrará em vigor após sua “urgência e relevância” serem aferidas pela Comissão de Constituição e Justiça, que terá três dias para apreciar a matéria.
A precaução, sem dúvida, trará mais equilíbrio à relação entre os referidos poderes, já abalada em função do escândalo do Mensalão. Mas não resolve o grande problema que as Medidas Provisórias trazem ao País. Isso porque, se o Presidente tiver maioria na CCJ continuará com a mesma capacidade de editar normas que entender relevantes e urgentes, sem a aprovação do Congresso e que poderão, a qualquer tempo, surpreender a sociedade com novos planos econômicos, aumento de impostos e novas obrigações que, geralmente de imediato, atingirão nossas vidas.
É bem verdade que o processo legislativo contemporâneo já não pode ser visto sob uma rígida concepção de divisão entre os poderes. É evidente que o Executivo pode e deve influenciar o Legislativo na formação de leis, sendo até mesmo positivo que apresente projetos relevantes ao País. Contudo, o Congresso precisa e deve exercer seu papel no contexto republicano, atuando positivamente e de forma independente em relação ao Executivo.
O que não cabe no sistema democrático é a existência de um poder praticamente ilimitado de fazer leis, concentrado nas mãos de uma só pessoa, como temos atualmente. E um poder que também tem se mostrado perpétuo, em função das constantes reedições que têm sido utilizadas por todos os Presidentes recentes, independentemente do matiz político.
Neste sentido, e tendo em vista que não são tão comuns em nosso Congresso projetos interessantes e úteis aos cidadãos em geral, é de se esperar que a sociedade como um todo fique vigilante. De forma especial, a imprensa, grande propulsora dos avanços parlamentares dos últimos tempos, também deve usar seu poder de pressão para obter a aprovação desta iniciativa legislativa. Um país cansado de excessos agradecerá.
Napoleão Casado Filho é advogado