Nesta segunda-feira (28/4), o Brasil sediou encontro de ministros de Relações Exteriores dos Brics, no recém-restaurado Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, onde funciona museu histórico e diplomático. Na abertura do encontro, o ministro brasileiro Mauro Vieira afirmou que o bloco tem dimensão e importância suficientes para desempenhar papel central na construção da paz internacional e na defesa do conceito de multilateralismo, que está em processo de erosão, segundo ele.
Vieira destacou os principais conflitos armados em curso hoje no mundo, para além da guerra em Gaza.
Na opinião do ministro, a construção da paz é uma tarefa coletiva. “O Brics está em uma posição única para promover a paz e a estabilidade baseadas no diálogo, no desenvolvimento e na cooperação multilateral”, ressaltou.
O ministro afirmou também que o bloco deve investir na “diplomacia preventiva”, antecipando-se a guerras e conflitos que se desenhem no horizonte.
A fala de Vieira encontra-se com trechos de discurso de Luiz Inácio Lula da Silva na última terça-feira (22), pronunciado durante fórum empresarial Brasil-Chile. O presidente brasileiro afirmou que guerras tarifárias, como a precipitada pelo presidente estadunidense Donald Trump, costumam preceder conflitos armados.
“Eu estou severamente preocupado com o que está acontecendo no mundo hoje. Eu dizia ao presidente [Gabriel] Boric que era preciso que a gente tomasse muito cuidado, porque algumas guerras, elas começaram exatamente por conta das divergências comerciais. E vocês conhecem a história de muitas guerras que aconteceram no mundo”, disse Lula.
Confira dados, agendas e notícias do Brics Brasil
Leia o discurso de Mauro Vieira
“Excelências,
É uma honra recebê-los no Rio de Janeiro para esta Reunião de Ministros das Relações Exteriores do Brics. É motivo de alegria pessoal para mim recebê-los no recém-renovado Palácio do Itamaraty, antiga sede da Presidência e, posteriormente, sede do Ministério das Relações Exteriores durante grande parte do século XX.
Esta reunião acontece em um momento em que nosso papel como grupo é mais vital do que nunca. Enfrentamos crises globais e regionais convergentes, com emergências humanitárias, conflitos armados, instabilidade política e a erosão do multilateralismo. Essas crises desafiam os próprios fundamentos da paz e da segurança internacionais e exigem um compromisso renovado com a ação coletiva.
A expansão do Brics fortaleceu nossa plataforma para responder a esses desafios. Com onze estados-membros representando quase metade da humanidade e uma ampla diversidade geográfica e cultural, o Brics está em uma posição única para promover a paz e a estabilidade baseadas no diálogo, no desenvolvimento e na cooperação multilateral.
Estamos unidos por uma crença comum: a paz não pode ser imposta, deve ser construída. Ela deve se basear na inclusão, no respeito ao direito internacional e na igualdade soberana dos Estados. O Brics, como grupo, reconhece os interesses estratégicos e os legítimos interesses econômicos e de segurança de cada membro, tanto em suas respectivas regiões quanto em todo o mundo. Isso faz parte da nossa contribuição para uma distribuição justa de poder nos assuntos globais, condição para que a paz, o desenvolvimento e a sustentabilidade sejam alcançados. Defendemos a diplomacia em vez do confronto e a cooperação em vez do unilateralismo.
A arquitetura de segurança pós-Segunda Guerra Mundial tem mostrado sinais de desordem. Os conflitos armados proliferam, muitas vezes com consequências devastadoras para as populações civis. O deslocamento forçado, a fome e a degradação ambiental aumentam a taxas alarmantes. No entanto, os mecanismos internacionais permanecem lentos, politizados e, às vezes, paralisados diante de necessidades urgentes.
Nesse contexto, o Brics tem um papel vital a desempenhar no reforço dos princípios do direito internacional, no apoio à solução pacífica de controvérsias e na promoção da reforma das instituições multilaterais, em particular das Nações Unidas e de seu Conselho de Segurança, para melhor refletir as realidades geopolíticas contemporâneas.
Devemos também fortalecer a diplomacia preventiva. Crises surgem frequentemente na ausência de desenvolvimento e diálogo inclusivos. Investir na paz significa abordar as causas profundas da instabilidade: pobreza, desigualdade, marginalização e instituições frágeis.
Excelências,
Não podemos falar do papel do BRICS no avanço da paz e da segurança sem abordar as crises urgentes que continuam vivas em todo o mundo.

Mauro Vieira recebe o chanceler russo Sergey Lavrov, no Rio de Janeiro
A situação devastadora nos Territórios Palestinos Ocupados continua sendo uma fonte de profunda preocupação. A retomada dos bombardeios israelenses em Gaza e a obstrução contínua da ajuda humanitária são inaceitáveis. O colapso do cessar-fogo anunciado em 15 de janeiro é deplorável. Instamos as partes a cumprirem integralmente os termos do acordo e a se engajarem de boa-fé em prol de uma cessação permanente das hostilidades. É necessário assegurar a retirada total das forças israelenses de Gaza, assegurar a libertação de todos os reféns e detidos e garantir a entrada de assistência humanitária. Uma solução justa e duradoura para o conflito entre Israel e Palestina só pode ser alcançada por meios pacíficos e sob o direito internacional. Permanecemos firmes em nosso compromisso com a solução de dois Estados, com um Estado da Palestina independente e viável, dentro das fronteiras de 1967 e com Jerusalém Oriental como sua capital, vivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança.
O conflito na Ucrânia continua a causar pesado impacto humanitário, ressaltando a necessidade urgente de uma solução diplomática que defenda os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas. Em setembro passado, Brasil e China sediaram, em Nova York, uma Reunião de Alto Nível dos Países do Sul Global sobre o Conflito na Ucrânia, que levou à criação do “Grupo de Amigos da Paz”, reunindo países do Sul Global. Permanecemos comprometidos em continuar trabalhando pela paz e por uma solução política para o conflito.
No Haiti, a deterioração da situação de segurança, humanitária e econômica exige nossa imediata ação. Devemos apoiar as autoridades haitianas e o povo haitiano em seus esforços para restaurar a ordem pública, desmantelar gangues armadas e estabelecer as condições para um desenvolvimento social e econômico duradouro.
Em relação à África, o Brasil está profundamente preocupado com a escalada das tensões no Sudão, na região dos Grandes Lagos e no Chifre da África. Apoiamos plenamente os esforços da União Africana e das organizações regionais africanas, das Nações Unidas e de outras instituições e países em busca de soluções políticas e diplomáticas para essas crises.
Devemos também reafirmar nosso compromisso com os princípios humanitários. Em zonas de conflito, o acesso à ajuda deve ser incondicional e imparcial. O sofrimento humano jamais deve ser instrumentalizado. O BRICS deve continuar a defender um sistema humanitário global neutro, despolitizado e genuinamente universal.
O caminho para a paz não é fácil nem linear. Mas o Brics pode e deve ser uma força para o bem, não como um bloco de confronto, mas como uma coalizão de cooperação. Devemos liderar pelo exemplo, reafirmando nossa crença em um mundo multipolar onde a segurança não é privilégio de poucos, mas um direito de todos.
Obrigado.”