As enchentes, causadas pelos temporais de dezembro, trouxeram transtornos aos moradores do Beco Mokarzel, localizado em Sousas. Além do Beco vários pontos do distrito sofreram alagamentos, principalmente a região próxima à subprefeitura e pela primeira vez, as águas tomaram conta da Praça Beira Rio chegando próximo aos imóveis da Rua Cabo Oscar Rossim.
Durante as enchentes as famílias foram encaminhadas a um abrigo, no Acampamento Betel, localizada no Belmonte.
O Beco é uma área de risco e não há nenhuma política pública para remoção das 78 famílias e a construção de casas, para que os moradores possam ser removidos do local.
Os moradores aguardam uma decisão judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que julga uma ação para a retirada das famílias, em área Área de Proteção Permanente (APP) e Área de Proteção Ambiental (APA).
A revolta daqueles que perderam tudo
Os moradores do Beco não escondem a revolta com o poder público, com a falta de uma proposta de remoção das famílias para uma área mais segura em Sousas.
Marco Antônio Pires mora na área há 29 anos e só consegue lamentar a situação. Segundo ele, está cada ano mais difícil de permanecer no local. “Entra ano e sai ano e é a mesma coisa, perdemos nossas coisas e a Prefeitura não faz nada. Não adianta os politícos virem aqui depois que as chuvas estragaram tudo”, diz desconsolado.
Juliana de Oliveira teve seus moveis perdidos pelas chuvas. Para ela, os moradores de classes sociais mais altas de Sousas comemoraram as enchentes das famílias do Beco: “Quando eles precisam de empregada doméstica eles contratam a gente, mas ficam falando que aqui só mora bandido”.
“Nós queremos nossas casas, mas todo ano é essa tragédia. A gente tem contas, nossas vidas. Eu moro há 20 anos aqui.” disse a moradora Iramar Amorim com lágrimas nos olhos.
No Beco Mokarzel, uma moradora tentava ligar para os Direitos Humanos da OAB. “Quando vão arrumar um lugar para as 78 famílias morar?
“Alguns moradores pretendiam queimar colchões como meio de protesto. Tem que queimar lá na estrada que vai para o San Conrado, para incomodar os ricos”.



Preservação de vidas ou Higienização?
A solução para as famílias do Beco Mokarzel é a mudança para um local seguro, em Sousas, mas o poder público não encontra um caminho e isso merece uma reflexão. Trata-se apenas de uma atitude para preservar a vida destas pessoas e garantir a integridade de uma área de Preservação Ambiental ou há interesses maiores por trás disto?
Uma das soluções seria um terreno público, nas proximidades do Cândido Ferreira, que receberia as construções do “Minha Casa, Minha Vida”, mas a obra foi embargada pela justiça.
O professor Doutor Bastiaan Philip Reydon, do Instituto de Economia da Unicamp, acredita que o grande problema está na incapacidade do Estado em coibir as ocupações em áreas de risco. Outro grande problema, segundo o professor, são os loteamentos clandestinos: “Quase sempre tem alguém que ganha dinheiro com ocupação ilegal. Alguém vende para os pobres e fala que vai ser regularizado”.
Em artigo acadêmico, intitulado: “Classes trabalhadoras de Sousas em Campinas (SP): História e Cultura do Habitar” (2008), a professora Doutora da Puc Campinas, Doraci Alves Lopes, analisa a formação histórica dos trabalhadores da favela do Beco e de Sousas através de entrevistas com os moradores mais idosos, cujas famílias ocupam o local há mais de 50 anos. Mostra ainda que nem só de preocupação ambiental vive o distrito e a região.
Para Doraci, trata-se sim de uma Higienização social: “Estava tudo pronto para a construção das casas no terreno do Cândido. Planta pronta, aprovada e regularizada pela COHAB Campinas. Aí começaram a aparecer as ações na justiça”.
Para ela, falta vontade política da atual administração para a construção das casas no local. Doraci ressalta que outro problema é a falta de uma associação de moradores do Beco Mokarzel e que a cada enchente o poder público desorganiza a estrutura familiar, social e cultural dos indivíduos.
Segundo a professora, o Brasil é premiado na ONU pelo avanço democrático em remoções de área de risco e em urbanização de favelas. Não por acaso a antiga Relatora Especial para o Direito a Moradia na ONU é brasileira, urbanista, a Raquel Rolnik. O Estatuto da Cidade, há 20 anos em vigor, aponta uma série de instrumentos legais que são pouco utilizados pelas Prefeituras. A remoção do Beco para o projeto habitacional da COHAB, com a concordância dos moradores, seria para garantir a lei e a permanência em seus locais de origem: “Nós lutamos por isto e há inúmeras experiências bem sucedidas, inclusive nesta cidade”.
O conjunto habitacional, citado pela professora, era uma co-gestão entre a Prefeitura de Campinas, 17 representantes da Puc Campinas, Associação Ambiental Jaguatibaia e uma ONG Espanhola. O projeto arquitetônico estava pronto e já estava em processo de licitação. “Mudou a gestão, acabou tudo”.
A ex-prefeita Izalene Tiene tinha o projeto do terreno do Cândido Ferreira para a construção do conjunto habitacional, – uma negociação entre a Prefeitura de Campinas e o Cândido Ferreira.
Na época, o Cândido cederia como doação da área para quitar uma dívida que a instituição tinha com a Sanasa. Já estava tudo certo, no terreno cabiam todas as famílias do Beco Mokarzel, mas um promotor entrou com uma ação. Na época, a ex-prefeita Izalene Tiene disse que a luta não foi comprada pelo poder público e houve má vontade política.
“Os moradores do Mokarzel são fragilizados de organização. Para eles continuarem em Sousas é necessário eles se mobilizarem. Como eles vão refazer a vida no Campo Grande, se passaram a vida inteira em Sousas?”, diz a professora.
TJSP dá parecer contrário à construção no Cândido Ferreira
Em 24 de setembro de 2007, o juiz de direito Bernardo Mendes Castelo Branco Sobrinho Juiz Direito indeferiu a ação do Ministério Público do Estado de São Paulo, que propôs ação civil pública contra o Município de Campinas, buscando obstar a implantação de conjunto habitacional em área particular, que foi declarada de interesse público para fins de desapropriação.
Na época, o MP pediu relatório de impacto ambiental e a destinação de 20% para sistema de lazer e áreas verdes, providências não adotadas previamente pela Prefeitura.
As unidades loteadas do Cândido Ferreira teriam dimensão inferior ao permitido para a respectiva zona urbanística. Além do que, o imóvel encontra-se tombado pelo CONDEPACC, não sendo possível a implantação do referido conjunto sem a prévia manifestação daquele órgão, o que igualmente não foi providenciado.
A Prefeitura contestou e argumentou que a implantação do conjunto habitacional se justificaria pela necessidade de remoção de famílias que residem em área de risco denominada Beco Mokarzel. O local de implantação estaria na “macrozona 1”, na qual é possível faze-lo sem as restrições. O tombamento a que se refere a inicial estaria restrito ao prédio existente no imóvel, não sendo a obra considerada impactante para fins da Resolução do CONAMA.
Ao relatado diz que houve a conversão do julgamento em diligência para que fosse esclarecida acerca da remoção das famílias residentes na área de risco, diante de informações prestadas nos autos no sentido de que tal transferência já teria sido realizada.
Sobrevieram manifestações do Ministério Público e do Município de Campinas, e o juiz decidiu a conversão do julgamento em diligência resultou na informação prestada pelo réu, corroborada por documentos, no sentido da existência de 78 famílias residentes na área de risco conhecida como Beco Morkazel, o que, segundo sustenta o demandado, justificaria o interesse público na execução da obra de implantação do conjunto habitacional, dada a necessidade de remoção daquelas para fora daquele local.
Não obstante aquela circunstância constata-se que o empreendimento habitacional projetado pelo Município realmente não atende aos requisitos legais para a sua consecução, notadamente por sua implantação em área de proteção ambiental, sem que tenham sido obtidas as autorizações e licenças pertinentes.
O local destinado para a execução daquela obra encontra-se no perímetro da área de proteção ambiental do município de Campinas, de modo que o uso e ocupação do solo naquele, inclusive pelo próprio Poder Público, está submetido às restrições estabelecidas nos artigos 53 e seguintes da referida lei, especificamente no que se refere à implantação de condomínios residenciais.
Conquanto inegável necessidade de remoção das famílias residentes às margens do rio Atibaia, área de risco, pois sujeita a inundações, é certo que por tal circunstância não se encontra o Município autorizado a adotar medidas igualmente lesivas ao meio ambiente e ao interesse coletivo, sob o argumento de que o local escolhido para o empreendimento atenderia ao anseio das famílias de não deixarem a região na qual já residem.