Planalto e juristas afirmam que equiparar facções criminosas ao terrorismo pode abrir brechas para intervenções estrangeiras e não traria ganhos reais no combate ao crime organizado
Por Sandra Venancio
Brasília (DF) – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se posicionou de forma contrária ao projeto de lei em discussão no Congresso que pretende classificar facções criminosas como organizações terroristas — entre elas o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho. A posição do Planalto é de que a proposta representa risco à soberania nacional e não traria efeitos práticos no combate à criminalidade.
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A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), afirmou que o governo é “terminantemente contra” a medida.

“Pela legislação internacional, terrorismo dá guarida para que outros países possam fazer intervenção no nosso país”, declarou.
O argumento central do governo é que, ao equiparar facções ao terrorismo, o Brasil poderia abrir precedentes legais para ações externas, uma vez que o terrorismo é considerado crime de lesa-humanidade e permite cooperação internacional com uso de força, caso haja alegação de ameaça global.
Além do risco jurídico, juristas e especialistas em segurança pública avaliam que a proposta não oferece ganhos práticos para o enfrentamento ao crime organizado. O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, destacou que as experiências bem-sucedidas de combate às facções, como no Rio de Janeiro, envolvem integração de inteligência e retomada de territórios, e não mudanças na tipificação penal.
“Não teríamos nenhuma vantagem ao chamar de terrorismo algo que é, na essência, crime organizado com fins econômicos”, afirmou Sarrubbo.
Para o Planalto, a diferenciação entre terrorismo e crime organizado é essencial: enquanto grupos terroristas têm motivação política, ideológica ou religiosa, as facções brasileiras operam dentro da lógica do lucro e do domínio territorial.
O projeto, defendido por parlamentares da direita, ganhou força após a operação policial mais letal da história do país, ocorrida nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio. A votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), prevista para esta semana, acabou adiada.
Se aprovado, o texto endureceria as penas, tornando os crimes inafiançáveis e insuscetíveis de anistia ou graça, à semelhança dos crimes hediondos e de terrorismo.
Especialistas alertam, porém, que tal mudança poderia fragilizar o equilíbrio jurídico internacional.
“É preciso cautela para não violar a soberania nacional. O terrorismo é combatido globalmente — e, ao adotar essa classificação, o Brasil poderia legitimar ingerências externas”, explicou a advogada Patrícia Ferreira, especialista em direito penal internacional.
Enquanto o Congresso adia a votação, o governo mantém a posição de que o combate às facções deve ser reforçado por meio de inteligência, integração federativa e políticas sociais, e não pela militarização do direito penal.




