Ação cumpre mandados em Campinas e Paulínia e expõe rede que movimentou R$ 70 bilhões em um ano usando offshores, fundos e fintechs para ocultação de patrimônio
O Gaeco e o 1º Baep cumpriram, na manhã desta quinta-feira (27), dois mandados de busca e apreensão em Campinas e três em Paulínia, como parte da Operação Poço de Lobato, que investiga um dos maiores esquemas de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro já identificados no país. Ao todo, 126 mandados foram expedidos em cinco estados e no Distrito Federal.
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Coordenada pela Receita Federal, a operação reúne Ministério Público, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, secretarias da Fazenda estaduais e forças policiais. O alvo é um conglomerado considerado o maior devedor contumaz do Brasil, acumulando mais de R$ 26 bilhões em débitos tributários. A Justiça determinou o bloqueio de mais de R$ 10,2 bilhões em bens, incluindo imóveis, veículos e ativos financeiros.

Segundo as investigações, a organização estruturou um sistema nacional de movimentação ilícita que superou R$ 70 bilhões em apenas um ano. O esquema utilizava uma rede de empresas próprias, fundos de investimento e offshores para ocultar patrimônio, driblar o pagamento de tributos e reinserir o dinheiro no mercado formal.
A Poço de Lobato é um desdobramento da Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto, que expôs a infiltração de grupos criminosos na cadeia de combustíveis. Assim como na fase anterior, foram identificados mecanismos sofisticados de lavagem de dinheiro, com uso de fintechs, fundos com cotista único, empresas de fachada e operações cruzadas entre instituições controladas pelo próprio grupo.
Os investigadores apontam que o esquema abrangia toda a cadeia do setor: da importação à revenda. Importadoras ligadas ao grupo adquiriam nafta, hidrocarbonetos e diesel no exterior utilizando recursos de formuladoras e distribuidoras controladas pelo mesmo núcleo empresarial. Entre 2020 e 2025, mais de R$ 32 bilhões foram movimentados apenas com combustíveis importados.
A sustentação financeira do sistema partia de uma empresa considerada “mãe”, responsável por controlar outras instituições e por movimentar, sozinha, mais de R$ 72 bilhões entre 2024 e 2025. Foram identificadas ao menos 47 contas bancárias operadas direta ou indiretamente pelo grupo, muitas delas sem lastro contábil compatível com os volumes transacionados.
As buscas em Campinas e Paulínia miram endereços ligados ao núcleo logístico e societário da organização, incluindo possíveis pontos de articulação com distribuidoras e operadores financeiros. Documentos, mídias digitais e contratos apreendidos serão analisados para rastrear beneficiários finais das operações e subsidiar novas medidas judiciais.
Quem são os atores ocultos
Os investigadores trabalham para identificar:
– controladores de offshores usadas para adquirir combustível no exterior;
– operadores financeiros que articulavam fundos de investimento com baixa regulação;
– intermediários regionais, sobretudo ligados a distribuidoras em Campinas, Paulínia e Região Metropolitana de São Paulo;
– executivos de formuladoras, responsáveis por dar aparência legal às transações de alto volume.
A PF e a Receita rastreiam trilhas financeiras que levam a:
– contratos superfaturados;
– movimentações em fintechs sem histórico sólido;
– repasses para imóveis de luxo e empresas patrimoniais;
– investimentos em fundos exclusivos criados para blindar sócios e herdeiros.
Conexões institucionais e políticas
Ainda não há comprovação de envolvimento político direto, mas a investigação avalia:
– influência de lobistas do setor de combustíveis sobre secretarias estaduais;
– possíveis vínculos entre operadores do esquema e campanhas eleitorais regionais;
– contratos municipais de fornecimento que podem ter sido usados para reciclar capital ilícito.
Os investigadores consideram que parte do núcleo decisório permanece fora do alcance jurídico, possivelmente em offshores sediadas em paraísos fiscais. Também levantam a hipótese de que o esquema tenha ramificações em contratos internacionais de transporte marítimo e em operações de hedge utilizadas para mascarar empréstimos internos.
Linha cronológica do esquema
• 2020–2022: Expansão acelerada de importadoras e distribuidoras com baixa transparência societária.
• 2023: Aumento das movimentações suspeitas em fundos fechados e offshores com cotista único.
• Agosto de 2024: Operação Carbono Oculto revela infiltração de grupos criminosos na cadeia de combustíveis.
• 2024–2025: Empresa “mãe” movimenta mais de R$ 72 bilhões; surgem evidências de operações transnacionais.
• Março–setembro de 2025: Mandados de fiscalização ampliam o foco para logística e centros regionais.
• Outubro–dezembro de 2025: Poço de Lobato consolida material apreendido e amplia investigações em cinco estados.




