Como reflexo da política monetária insistentemente mantida pelo Banco Central, as despesas com juros da dívida pública do governo federal somaram R$ 614,55 bilhões em 2023, contra R$ 503 bilhões em 2022. Elas superaram o total de gastos, no ano passado, em ações dos ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome – responsável pelo Bolsa Família.
As despesas com juros da dívida perderam apenas para os R$ 861,6 bilhões despendidos em 2023 pelo Ministério da Previdência Social – responsável pelo pagamento dos benefícios de aposentados, pensionistas e de programas sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Os dados foram divulgados no domingo (18) pelo portal G1, após consulta no Painel do Orçamento, alimentado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, e também nas estatísticas das contas públicas divulgadas pelo Banco Central.
Segundo a notícia, as despesas pagas pelo Ministério da Saúde somaram R$ 170,26 bilhões no ano passado, enquanto as das pastas da Educação e do Desenvolvimento Social, respectivamente, totalizaram R$ 142,57 bilhões e R$ 265,291 bilhões. Ao todo, foram R$ 578,13 bilhões.
Prejuízos para todo o país
O elevado gasto com os juros da dívida é um dos efeitos nefastos dos altos patamares da taxa básica de juros (Selic), definida pelo Banco Central, presidido pelo bolsonarista Roberto Campos Neto. Ela foi mantida a 13,75% ao ano durante 12 meses, até agosto do ano passado. Desde então, mesmo com a trajetória de queda da inflação, vem sendo reduzida a conta gotas, para prejuízo das políticas públicas, do setor produtivo e do esforço de retomada do desenvolvimento do país.
O presidente Lula, logo após tomar posse, foi o primeiro a cobrar a redução da Selic, sendo acompanhado por entidades empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), por representantes do comércio e por parlamentares.
“REDUZIR DRASTICAMENTE A TAXA DE JUROS é urgente! Juro alto p/ conter inflação ñ tem base na realidade do país hoje. Só aumenta a dívida e reduz recursos da educação/saúde/social. Em 23, pagamos R$ 614 bi em juros da dívida. É menos Brasil pro povo e + Brasil pros bancos. Absurdo!”, criticou o deputado federal Bohn Gass (PT-RS), vice-líder do governo Lula no Congresso, ao comentar a notícia do G1, na rede social X.
Na semana passada, o chefe do Departamento de Estatísticas do próprio Banco Central, Fernando Rocha, reconheceu que, mesmo com a queda da inflação, o início da redução da taxa Selic demorou a acontecer.
“Quando a gente for ver a Selic que conta, tem de ver a Selic efetiva. Se tem uma que cresce ao longo do ano, a média vai estar em algum ponto intermediário. Ficou muito tempo parada [em 13,75% ao ano, até agosto de 2023], e depois começou a diminuir. A gente pega a Selic efetiva diária”, disse Rocha.
Diante da pressão da dívida pública no médio e longo prazos, o governo tenta conter as despesas orçamentárias. Para isso, a nova regra fiscal, aprovada em 2023, determina que os gastos só podem crescer 70% do aumento da arrecadação, e foi fixada uma meta de déficit zero para 2024.
ONU
Nesta semana, o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertou que os países em desenvolvimento enfrentam custos de empréstimos até oito vezes mais altos do que os desenvolvidos, o que ele classificou como uma “armadilha da dívida”.
“Um em cada três países do mundo está agora em alto risco de uma crise fiscal. Quase metade das pessoas em situação de extrema pobreza vivem em países com graves problemas de endividamento”, disse Guterres.
Conforme a ONU, cerca de 4️0% dos países em desenvolvimento sofrem com “graves problemas de endividamento”, com dificuldades para financiar o progresso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
“Está claro que os problemas sistêmicos de financiamento para o desenvolvimento sustentável exigem uma solução sistêmica: reformas da arquitetura financeira global”, acrescentou Guterres.
Para a ONU, aumentar o financiamento para o Desenvolvimento Sustentável exigirá “abordagens inovadoras, decisões políticas ousadas e novas fontes de financiamento”.
Política do BC faz a festa dos especuladores
Ao mesmo tempo em que pressiona os orçamentos de importantes políticas públicas e investimentos federais, como o Novo PAC, as altas taxas da Selic deixam os especuladores do mercado cada vez mais ricos.
Os rentistas multiplicam seus ganhos com a negociação de títulos da dívida pública – papéis que o governo, para se manter funcionando, vende no mercado financeiro em troca do compromisso de devolver o dinheiro lá na frente ao comprador e de pagar um adicional sobre o valor original da venda. A Selic é a principal referência usada para remunerar compradores de títulos.
Nesse cenário, o que se vê é uma robusta transferência de recursos públicos para as camadas mais abastadas da sociedade, em detrimento das políticas voltadas aos brasileiros mais pobres, o que reforça a concentração de renda e torna o país ainda mais desigual.