Ponto de cultura – o Brasil de baixo para cima é escrito por Célio Turino, mestre em história pela Universidade de Campinas (UNICAMP). O livro é uma reunião de relatos de experiências vividas pelo autor com o programa Pontos de Cultura. Cinco anos atrás, a convite do então ministro Gilberto Gil, Turino desenvolveu esse projeto de política pública voltado para a democratização da cultura, possibilitando a expressão de suas múltiplas identidades.
Lançados na gestão de Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura (MinC) e mantidos na administração de Juca Ferreira, os Pontos de Cultura agregam diversas formas de expressão: música, poesia, literatura, artes plásticas e dança. Espalhados por todos os cantos do país, eles envolvem as comunidades e seus líderes, funcionando como verdadeiros pontos de vida, de existência. Uma cartografia da cultura e da criatividade da população brasileira.
O livro não é uma obra institucional e foge do clichê. O autor conta como o contato próximo com as pessoas se refletiu em sua trajetória de homem social e político. No programa, Turino acompanhou de perto o cotidiano de cidadãos comuns e extraordinários que deixaram de assistir para existir e passaram a exercer seu direito de manifestar-se culturalmente.
O leitor poderá, por exemplo, acompanhar a visita de Turino à tribo Yawalapíti, que vive no Parque Nacional do Xingu com mais 13 etnias. Em meio a dificuldades para preservar características culturais – entre elas, sua língua –, a tribo teve seu território reconhecido como Ponto de Cultura e conseguiu ajuda para ensinar o idioma a seus integrantes.
Também está no livro a Casa de Cultura Tainã, em Campinas, no interior de São Paulo. O núcleo cultural nasceu de modo independente após uma série de iniciativas tímidas na cidade, que iam de biblioteca a uma orquestra de tambores em metal.
Outro projeto abordado é o Vídeo nas Aldeias, em que cineastas indígenas produzem documentários e filmes de ficção. Falados em línguas como kaxinawá, kuikuro, huni-kuni e ashaninka, curta, média e longa-metragens são escritos, dirigidos e encenados pelos índios. Narrativas que estabelecem um diálogo pela voz de quem faz a própria cultura e não pela voz do “outro”.
Os depoimentos do autor também deixam clara a preocupação com as escolas públicas, que sofrem com a política educacional deficiente. Nesse setor, a ação dos Pontos de Cultura já é evidente: mais de 100 colégios foram contemplados com o programa, que torna possível, entre outras atividades, o funcionamento de rádios locais – a exemplo da Escola Estadual Clóvis Borges Miguel, em Serra (ES), e sua Rádio Instrumental Educativa e do Colégio Estadual Vicente Januzzi, na periferia carioca, que oferece aos alunos estudo de filosofia por meio da MPB.
Conforme o sociólogo Emir Sader escreve no prefácio, a década de 90 sofreu nas políticas culturais o reflexo do que ocorria em uma série de áreas: o quase desaparecimento do poder público, ante uma classe empresarial que ganhou o direito de veto às culturas tradicionais do povo brasileiro, em benefício do que lhe fosse mais conveniente.
Os Pontos de Cultura puderam revelar e apontar caminhos, compreender realidades, aproximar e reaproximar pessoas, contextos e leituras e criar outras legitimidades. Além disso, fortaleceram o processo de mudança no modo de pensar política pública cultural porque expressam a cultura em suas dimensões ética, estética e econômica. O programa não se enquadra em fôrmas, não é erudito nem popular. Também não se reduz à visão de “cultura e cidadania” ou de “cultura e inclusão social”. É um conceito. Conceito de autonomia e protagonismo sociocultural.
O livro é lançado pela editora Anita Garibaldi, que em outubro completou 30 anos dedicados à publicação de conteúdo progressista, desde a sua fundação, em 1979, durante a Ditadura Militar.
Conheça o autor:
Célio Turino é natural de Indaiatuba e criado em Campinas, onde se graduou Mestre em História, pela Universidade de Campinas (Unicamp). Quando esteve à frente da Secretaria Municipal de Cultura da cidade, entre 1990 e 1992, iniciou o programa Casas de Cultura, muito semelhante ao que é hoje o Cultura Viva: Pontos de Cultura. Ainda em Campinas, criou o Recreio nas Férias, projeto que rapidamente virou ação pública nacional no Ministério dos Esportes. Na gestão de Marta Suplicy em São Paulo – a primeira experiência do PT à frente dessa administração municipal –, Turino dirigiu o Departamento de Programas de Lazer na Secretaria de Esportes e desenvolveu o Viva São Paulo, que visava a utilização de espaços públicos da capital paulista para o lazer. A seguir, foi convidado para integrar a Secretaria de Pro gramas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura, na gestão de Gilberto Gil. Se a implantação do Cultura Viva: Pontos de Cultura ainda é um processo em crescimento, seu nascimento foi, de certa maneira, simples: em duas noites Turino se debruçou sobre seu laptop e criou o projeto, que atualmente é estudado em outras partes da América Latina. Além de Pontos de Cultura – O Brasil de Baixo Para Cima, lançado pela editora Anita Garibaldi, ele é autor de livros como Na Trilha de Macunaíma – Ócio e Trabalho na Cidade.