Governo Tarcísio transfere atribuições da fundação para o Instituto Butantan enquanto especialistas alertam para riscos ao abastecimento de medicamentos essenciais no SUS
Seis dos oito deputados estaduais com base eleitoral em Campinas votaram a favor do projeto do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que extingue a Fundação para o Remédio Popular (Furp), maior fabricante pública de medicamentos de São Paulo e um dos principais pilares do abastecimento farmacêutico da rede pública no país.
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A aprovação pela Alesp transfere integralmente as atividades da Furp para o Instituto Butantan, em um movimento que o governo chama de modernização administrativa, mas que provoca reação de especialistas em políticas públicas de saúde e de entidades que historicamente acompanham a produção estatal de medicamentos. O placar entre os parlamentares de Campinas foi favorável ao fechamento da fundação: Rogério Nogueira (PSDB), Gilmaci Santos (Republicanos), Barros Munhoz (PSDB), Rafa Zimbaldi (Cidadania), Ricardo França (Podemos) e Clarice Ganem (Podemos) votaram pela extinção. Oseias de Madureira (PSD) estava licenciado, e Ana Perugini (PT) registrou voto de obstrução.

A Furp responde pela fabricação de cerca de 400 milhões de unidades de medicamentos por ano, distribuídos para prefeituras, consórcios municipais, hospitais estaduais, santas casas e entidades filantrópicas. Entre os produtos estão antibióticos, antirretrovirais, antidiabéticos, remédios de saúde mental, anti-hipertensivos e imunossupressores usados por transplantados. Além disso, programas como o Dose Certa — frequentemente citado em estudos acadêmicos e relatórios do Conselho Nacional de Saúde como benchmark do abastecimento público — dependem diretamente da produção da fundação.
Durante a tramitação, o governo recuou de trechos que abriam margem para venda direta das fábricas e demissões imediatas. Com a supressão desses dispositivos, qualquer alienação patrimonial terá de passar por votação específica, enquanto os 490 servidores estatutários da Furp serão absorvidos pela Secretaria Estadual da Saúde. Fontes ouvidas no setor, porém, afirmam que a extinção institucional pode gerar um ambiente de “desmonte silencioso”, com risco de perda de expertise técnica construída ao longo de décadas.
Na justificativa encaminhada à Alesp, o secretário estadual da Saúde, Eleuses Paiva, argumentou que a medida busca maior eficiência fiscal, citando um déficit acumulado de R$ 395 milhões entre 2011 e 2023. O governo afirma que a integração ao Butantan permitirá escala superior e maior competitividade em compras públicas. Entretanto, economistas da saúde consultados por entidades como o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) alertam que déficits recorrentes em laboratórios oficiais são comuns e, em muitos casos, resultam de políticas federativas de financiamento insuficientes, não necessariamente de falhas na estrutura produtiva.
Levantamentos recentes de universidades paulistas e de conselhos municipais de saúde apontam que a autonomia produtiva do SUS vem sendo pressionada pelo avanço de laboratórios privados no fornecimento de medicamentos estratégicos, especialmente genéricos de alto volume. Para pesquisadores da área, a extinção da Furp pode ampliar essa dependência, reduzindo a capacidade do Estado de manter estoques regulares e agir diante de crises de abastecimento, como ocorreu durante a pandemia.
Com a aprovação do projeto, o governo paulista segue para a etapa operacional da transição, enquanto movimentos sociais e integrantes do controle social da saúde organizam pedidos de revisão do processo e possíveis ações judiciais. A discussão agora migra para o impacto direto nos municípios e no equilíbrio entre modernização administrativa e manutenção da autonomia pública na produção de medicamentos essenciais.




